Pretende-se tratar de temas, opiniões, e comentários sobre a Ciência dos Fármacos, seu uso seguro e benefícios à sustentabilidade e qualidade de vida. Privilegiaremos, sempre que possível, aspectos relativos à história da descoberta/invenção (drug discovery - DD) de fármacos, contributivos à formação contínua em aspectos, princípios e fundamentos da Química Medicinal, como disciplina central do processo de DD.
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segunda-feira, 24 de dezembro de 2018
Boas Festas!
Professor Emérito da
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ
segunda-feira, 10 de dezembro de 2018
Mais sobre os carbamatos & os fármacos
Neste post, próximo a mais um Natal, vou
exemplificar como podem os grupos funcionais cooperarem, de forma a promoverem
a formação de espécies químicas de reatividade distinta de cada um
isoladamente. O exemplo que vou utilizar é o da mitomicina C, quimioterápico oncolítico
de origem natural, descrito em 1950, por pesquisadores japoneses, isolado de
cepas de Streptomyces
caespitosus. Este fármaco possui em
seu esqueleto tetracíclico, grupos funcionais distintos como carbamato primário
(em azul), a função para-quinona (em
lilás) e um grupo aziridina (em verde) - análogo aos epóxidos, mas nitrogenado.
O estudo do mecanismo molecular de sua ação, como agente intercalante do DNA, evidenciou a formação de aduto covalente duplo, distinto daquele simples que se originaria da reação nucleofílica com bases nitrogenadas do DNA, sobre o anel aziridínico, conforme ilustrado a seguir:
O grupo funcional aziridina (em verde), possui elevada tensão angular em seu ciclo de três membros nitrogenado, pois tendo hibridação sp3 de ângulo 109,50 característicos, apresenta ângulo de ligação em 600, que atribui ao sistema aziridínico, sua elevada reatividade, mimetizando o de um epóxido.
O estudo do mecanismo molecular de ação da mitomicina C (V.N. Iyer, W. Szybalski, Proc. Nat. Acd. Sci 1963, 50, 355) evidenciou que a formação do aduto nucleofílico duplo, envolve a cooperação de todas suas funcionalidades. A figura seguinte exemplifica isso:
Ao nível da função para-quinona (em lilás) ocorre uma biorredução, produzindo o
intermediário reativo bis-fenolíco. Em seguida, esta espécie sofre eliminação
de HOMe, produzindo um iminium no sistema biciclo[3.3.0]aza-octano contido no
padrão tetracíclico da mitomicina C. A subsequente abstração de Ha
leva à formação do intermediário estirênico ativado que, em seguida, tem o
hidrogênio ácido de uma das hidroxilas fenólicas abstraído por base, levando ao
substrato reativo da primeira adição nucleofílica do tipo 1,6 por base
nitrogenada do DNA, sobre a função dienona transiente. O primeiro aduto mitomicina
C-DNA é bioformado, apresentando uma função carbamato alílica, que pode então
contribuir para a formação do aza-dieno intermediário, substrato para o segundo
ataque nucleofílico, agora intramolecular, promovido pelo aduto inicial,
produzindo a espécie final bis-aduto mitomicina C-DNA.
Este mecanismo molecular racionaliza uma
possibilidade para explicar a ação deste fármaco ao nível do DNA. A mitomicina
C atua, devido sua reatividade química, em outros alvos terapêuticos (e.g. tioredoxina redutase; M.M. Paz et
al., Chem. Res. Toxicol. 2012, 25, 1502) sendo, portanto, um fármaco
multialvo.Este exemplo ilustra como a elucidação do mecanismo molecular de ação de um fármaco, através do conhecimento da participação dos grupos funcionais, que neste caso de forma cooperativa, modifica a reatividade de cada um, produzindo espécies reativas próprias, responsáveis por mecanismos moleculares de ação distintos daquele se considerada a reatividade de cada grupamento funcional, isoladamente. Neste post utilizando um fármaco natural polifuncionalizado – mitomicina C – identificamos a função carbamato primário que, em processo envolvendo os outros grupos funcionais da molécula – para-quinona e aziridina – é ativado ao carbamato alílico, que atua como grupamento abandonador, de caráter farmacofórico, para promover a formação do intermediário eletrofílico transiente que produziu o aduto duplo mitomicina C-DNA, em processo de bioativação redutiva enzimática, único.
Obrigado por lerem.
Professor Emérito da
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ
sábado, 3 de novembro de 2018
Funções & isótopos...
Nesta
nova postagem, seguindo fiel à linha proposta de ilustrar o espaço químico que
os grupos funcionais ocupam nas estruturas dos fármacos, identifiquei alguns aspectos
interessantes em postagens anteriores, que vou citar.
Na
postagem de 01 de junho de 2017, intitulada “Os elementos químicos e os fármacos: o boro” exemplifiquei alguns
fármacos com o elemento químico boro (B). Esclareço isso porque, considerando
que são poucos os fármacos que possuem este elemento, seria interessante agora,
identificar os grupos funcionais em que participam, ampliando o espaço químico
dos fármacos. Na trilha dos elementos químicos “exóticos”, presentes nas
estruturas químicas dos fármacos, dediquei numa outra postagem, de 01 de junho
de 2017, o elemento deutério (“Novo fármaco deuterado”). Lá, tratei do primeiro
fármaco com este elemento, aprovado pelo FDA (agência regulatória
norte-americana). De lá para cá, não identifiquei na literatura, nenhuma menção
a existência de exemplos de fármacos ou candidatos com estes dois elementos
“exóticos”, numa mesma estrutura química. Fica registrada então, esta dica de
possível inovação estrutural... Ressalto que não afirmei que não existe, mas
que ignoro a existência...
Se
entre aqueles fármacos com B, encontramos a função ácido borônico (-B(OH)2)
ou oxaborolas/benzoxaborolas (Figura abaixo), entre aqueles contendo deutério,
não temos uma nomenclatura específica (deuterados?).
Estes
últimos, contendo D, começaram a surgir em estratégias reposicionamento de
fármacos (drug repositioning),
explorando o efeito isotópico que a troca de H por D promove. Este efeito se
manifesta principalmente, nas etapas de oxidação metabólica, pois devido a
maior energia da ligação C-D X C-H, a velocidade da ação do complexo oxidativo
CYP450 se reduz e, em consequência, a vida-média dos fármacos isotópicos são
prolongadas viz-à-viz os análogos não
deuterados.
Um exemplo deste efeito de aumento da vida-média
de um fármaco deuterado (além daquele incluído na postagem inicial mencionada
acima) está representado pelo análogo deuterado do fármaco sedativo indiplon, agonista
alostérico dos receptores GABAA cujo análogo com D3 tem a
vida-média dobrada.
Este
efeito se observa também nos D-análogos: D15-atazanavir, D9-venlafaxina
e D4-paroxetine.
Muito obrigado por lerem.
Professor Emérito da
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ
domingo, 1 de julho de 2018
Os carbamatos & os fármacos
A função carbamato, representada pela “hidroxilação” do carbono de uma amida = HO-C=O-NH2 (originando o ácido carbâmico), tem enorme
importância em Química Medicinal, sendo parte da estrutura de várias moléculas
de fármacos e de pró-fármacos. Denomina-se também uretanas, embora esta denominação não
seja muito empregada. É uma função química presente em outros tipos de compostos
bioativos como pesticidas e em determinados tipos de polímeros. Tem grande
aplicação em síntese orgânica, empregado como grupo protetor de aminas (e.g N-BOC),
o que evidencia a facilidade de sua síntese.
Sua presença na estrutura química de pró-fármacos (e.g. irinotecano) já indica que é uma
função lábil, dependendo da natureza de seus substituintes.
O irinotecano é um carbamato sintético produzido
com o nome fantasia CamptosarR como o cloridrato de irinotecano
triidratado. Foi inspirado no produto natural camptotecina, alcaloide
quinolínico isolado e identificado por Monroe Wall e Mansukh C. Wan,
pesquisadores do Research Triangle Institute na Carolina do Norte, USA. O
irinotecano é um pró-fármaco que sob ação da carboxiesterase-2 (CES-2), produz
o derivado ativo inibidor de topoisomerase-1, com indicações para o controle do
câncer colorretal, conforme ilustra a figura a seguir.
A estrutura química dos carbamatos evidência a possibilidade de termos
formas tautoméricas e conformêros, que podem
ter relevância significativa no reconhecimento molecular pelos
biorreceptores. Ambas podem orientar de forma decisiva os pontos farmacofóricos
envolvidos em interações de hidrogênio com sítios de eventuais biorreceptores.
A figura abaixo ilustra isto.
O tautômero a, predominante,
difere de b pela alteração do ponto
farmacofórico aceptor-H de hibridação sp2, representado pela
carbonila amídica que está ausente no tautômero b. No que se refere aos confôrmeros anti e syn, vê-se que a
posição do doador-H tem alteração marcante, ficando do mesmo lado na
conformação syn e em lados opostos na
anti. Este equilíbrio conformacional
é decisivo para a existência de formas diméricas, possíveis para o confôrmero syn, como visto na figura a seguir.
Inúmeros fármacos possuem função carbamato: mitomycin C (1950), mebendazole (1971), cefoxitina
(1972), albendazole (1975), linelozido (1978), docetaxel (1995), zafirlucast
(1996), ritonavir (1996), amprenavir (1999), irinotecano (1996), rivastigmina
(1997), efavirenz (1998), atazanavir (2003), darunavir (2006), brecanavir
(2006), etinostat (2013), ledipasvir (2014) e daclatasvir (2015), entre outros.
No próximo post veremos per-se
alguns dos fármacos citados.
Obrigado por lerem.
Professor Emérito da
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ
domingo, 27 de maio de 2018
Fármacos Alênicos
A função aleno -C=C=C- é uma função orgânica insaturada com
duas ligações duplas cumuladas, i.e.
com um átomo de carbono comum às duas insaturações, podendo ser classificado como
dienos cumulados. Desta forma, contém no mínimo três átomos de carbono, sendo
que o átomo central tem hibridação sp enquanto que os outros dois são sp2.
Desta forma, os alenos podem resultar da tautomeria de um derivado acetilênico
e apresentam reatividade química comparável.