Na última postagem vimos alguns aspectos do processo de
descoberta de fármacos ou drug discovery abordando a cronologia ilustrada
abaixo:
AADD = desenho de fármacos baseado no análogo-ativo (analog-active
drug design); HTS = rastreio de alto rendimento (high throughput
screening); CombChem = química combinatória (combinatorial chemistry);
GPCR = receptor acoplado à proteína-G (G-protein coupled receptor); LBDD
= desenho de fármacos baseado no ligante (ligand-based drug design);
desenho de fármacos baseado na estrutura (structure-based drug discovery);
VS = virtual screening; FBDD = desenho de fármacos baseado em fragmentos
moleculares (fragment-based drug design); X-DD, X = LB, SB, FB; h-b2R = co-cristalização do receptor b2-adrenérgico humano com agonista;
Figura 1
Nesta figura incluímos a sigla X-DD onde X = LB (ligand-based), SB
(structure-based) e FB (fragment-based) e tratamos, ainda que brevemente, da
importância dos biorreceptores acoplados à proteína-G (GPCR´s), à elucidação de
suas estruturas tridimensionais (3D) no surgimento das estratégias de desenho
molecular representadas pelas duas primeiras siglas: a partir do ligante (LBDD)
e da estrutura do alvo (SBDD). Em termos cronológicos, estas denominações substituíram
o que se denominava originalmente por abordagem fisiológica e desenho
de análogos ativos (indicados na Figura 1 como active analogue-based drug
discovery – AADD). Após a adoção desta terminologia LB/SBDD houve a popularização
do emprego de coleções de compostos, e.g. quimiotecas, sejam naturais ou
sintéticos, como fonte de diversidade química e inspiração molecular para a
busca de novos compostos de interesse (hits) no reconhecimento molecular
por alvos terapêuticos. Desta forma, as estratégias de identificação de novas pequenas
moléculas, candidatas a fármacos, observaram inovações importantes. Atualmente
o uso de quimiotecas, físicas ou virtuais, combinadas com técnicas de ancoragem
molecular (docking), cada vez mais aprimoradas, são responsáveis pela
descoberta de alguns importantes fármacos do nosso arsenal terapêutico
contemporâneo.
Estas novas estratégias aprimoraram-se e conduziram a uma
estratégia mais recente representada pelo uso de coleções de subunidades
moleculares com propriedades farmacofóricas, i.e. fragmentos moleculares dando
origem à sigla FBDD: fragment-based drug design. O desempenho elogiável de
técnicas de difração de raios-X para a identificação de interações entre pequenas
moléculas/fragmentos moleculares com sítios ortostéricos/alostéricos dos
biorreceptores, pelo emprego de co-cristalizações em boas resoluções (< 2,5 Ä2)
incrementaram os avanços da estratégia FBDD.
A elucidação da estrutura 3D dos receptores b2-adrenérgicos humanos, em 2007 [DOI], permitiu que poucos anos após (2011) a
estrutura com o agonista natural e outros ligantes pudesse ter sido resolvida [DOI], o que
exemplifica a importância do emprego destas técnicas cristalográficas na
elucidação estrutural de biorreceptores.
Cabe observar que, na virada do século, surgiu o primeiro
inibidor de tirosina-quinase (Tyr-K) - enzima que catalisa a fosforilação de
proteínas através a transferência de um grupo fosforila de ATP para resíduos de
tirosina – o imatinibe, indicado para o tratamento do
câncer. Sua descoberta, se iniciou com o uso de uma quimioteca de arilanilinas,
na Novartis, e validou as Tyr-K como alvos terapêuticos relevantes e uteis para
o controle de certos tipos de câncer. O estudo das quinases também contribuíram
para a compreensão da importância dos fatores conformacionais, capazes de
regularem as interações proteínas-proteínas, esclarecendo a relevância da
flexibilidade molecular nesta classe de alvos terapêuticos. A descoberta desta
classe de enzimas deveu-se aos trabalhos de Edmond H. Fischer (Universidade de
Washigton) e Edwin G. Krebs (Universidade de Illinois), laureados com o prêmio
Nobel de Fisiologia e Medicina de 1992.
A estratégia de desenho molecular de pequenas moléculas candidatas a fármacos, representado pelo FBDD, está ilustrada na Figura 2.
Figura 2
Seguindo-se a descrição da Figura 2, no
sentido dos ponteiros do relógio, i.e. da esquerda para a direita, conforme indicado
pela seta, observa-se que a estratégia FBDD, quando adotada, exige como
critério relevante o uso de screening virtual ou real a partir de estruturas 3D
de co-cristais dos fragmentos moleculares da quimioteca com o alvo, em
resolução suficiente de forma a minimizar o risco do surgimento de resultados artificias.
Além disso, a aplicação precoce de filtros que predigam as propriedades
moleculares relevantes para futuro eventual uso oral (ADME; i.e solubilidade
aquosa; Log P; área da superfície polar (PSA); adequação às regras de Lipinski
ou Weber; incluindo potencial tóxico e estabilidade metabólica) são
extremamente desejáveis assim como, numa etapa seguinte, o a identificação das
diferentes contribuições farmacofóricas, através a síntese de série congênere de
compostos análogos, capaz de esclarecer a relação entre a estrutura química e a
atividade (SAR). Uma vez validada por prova de conceito a atividade, em modelo
farmacológico fenotípico, pode-se ter um candidato a protótipo de novo fármaco.
Cuidem-se!
Obrigado por lerem.