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sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Uma inovação terapêutica surgida em 2013


Como já postei aqui anteriormente, o FDA aprovou em 2013, ca. 25 novas entidades químicas (NCE´s)* i.e.  novos fármacos, sendo 9 exemplos de first-in-class,  que representam significativas inovações terapêuticas. Pelo que já li, ca. 50% destas inovações – que já foram objeto de postagens anteriores aqui – podem vir a alcançar a classificação de blockbuster em cinco anos, ou seja atingirem vendas da ordem de US$ multi-bilhões, o que aliado à condição de autêntica inovação terapêutica resgata esta capacidade na Big Pharma. Como nas postagens anteriores sobre este mesmo tema – fármacos lançados em 2013 – tratei dos aspectos mercadológicos, hoje decidi focar no riociguat, que é um novo fármaco desenvolvido pela Bayer, para o tratamento da hipertensão pulmonar (pulmonary hypertension, PH), tanto da sua forma crônica tromboembólitica, como da arterial. Este novo fármaco é o primeiro da série dos ativadores da guanidilciclase solúvel (soluble guanylyl cyclase, sGC), o único biorreceptor do óxido nítrico (NO) conhecido, sendo merecedor da classificação de first-in-class.
A gênese do riociguat  (BAY 63-2521, AdempasR) iniciou-se, em 1978, quando o primeiro derivado sintético estimulante da sGC solúvel foi descrito. Este composto pertencia à da classe dos derivados benzoindazólicos – vejam a figura abaixo - e levou-se aproximadamente 20 anos, para ter seu alvo terapêutico identificado e seu mecanismo farmacológico de ação entendido, como sendo dependente de sinergia com o NO. A substância inicial teve modesta potência vasodilatadora e vários efeitos colaterais, entretanto sua descoberta permitiu identificar-se o padrão molecular indazólico, como um importante fragmento farmacofórico para esta atividade, o que mais tarde viabilizou, pela introdução de modificações moleculares posteriores e sistemáticas, realizadas para otimizar seu perfil farmacodinâmico, a descoberta dos compostos BAY 41-2272 e BAY 41-8543. Estes dois novos compostos protótipos, resultaram da introdução de algumas pequenas modificações moleculares no padrão indazólico original (em vinho na figura), promovidas pela aplicação do bioisosterismo clássico de anéis – estratégia de modificação molecular, largamente empregada em Química Medicinal, com sucesso. A inclusão de um átomo de nitrogênio em C-7 do sistema indazólico, modificou-o para o bioisóstero do tipo pirazolo[3,4-b]piridínico, presente em ambos precursores do riociguat (BAY-63-2521). Modificações consecutivas visando ajustar as propriedades de reconhecimento molecular pelo biorreceptor, monitoradas ou não pelo emprego de técnicas auxiliares de modelagem molecular, levou à estrutura do riociguat que possui uma subunidade estrutural funcionalizada terminal representada pela função uretana ou N-metilcarbamato, derivada do ácido carbâmico (NH2COOH), presente em muitos fármacos.
      A figura abaixo ilustra as modificações moleculares introduzidas nos precursores do riociguat, que viabilizaram sua identificação. Observa-se que o fármaco final, preservou o esqueleto aromático pirazolo[3,4-b]piridina inicial, obtido pela troca bioisostérica introduzida no sistema indazólico original, substituído por um padrão N-ortofluorbenzila e  diaminopirimidina em C-3 do anel aromático central. A título de curiosidade vale mencionar que o riociguat (BAY 63-2521) tem uma fórmula molecular maior do que o seu protótipo BAY 41-2272, como em geral ocorre quando se compara as fórmulas moleculares dos compostos protótipos e os fármacos que originaram.
 
 
 
* Inovações radicais: eslicarbazepina (AptiomR, anticonvulsivante);  vortioxetina (BrintellixR, anti-depressivo); afatinibe (GilotrifR, inibidor covalente irreversível do receptor do fator de crescimento da epiderme (EGFR) e do receptor da tirosina cinase1 erbB-2 (HER2); Ibrutinibe,1 ImbruvicaR inibidor covalente seletivo da Bruton tirosina cinase (BTK); trametinibe1 (MekinistR); dabrafenib (TafinlarR); canagliflozina1 (InvokanaR) e allogliptina1 (NesinaR), ambos para o tratamento da diabetes tipo 2; luliconazol (LuzuR); simeprevir (OlysioR, para o vírus da hepatite C);  macitentano (OpsumitR, fármaco dual atuando como antagonista de receptores de endotelina ET1 e 2, com indicação para o tratamento da hipertensão pulmonar arterial); ospemifeno (OsphenaR, para a dor durante ato sexual, atuando como modulador seletivo do receptor de estrógeno SERM); pomalidona (PomalystR, análogo da talidomida para tratamento do mieloma múltiplo); sofosbuvir1 (SovaldiR antiviral); dimetil fumarato1 (TecfideraR anticâncer); dolutegravir (TivicayR, anti-HIV, atuando como inibidor de integrase).
Inovações incrementais: combinação entre o brometo de umeclidinion e vilanterol (Anoro-ElliptaR COPD); fluticazona e vilanteral (Breo-ElliptaR, COPD); bazedoxifeno/conjugado com estrogenos DuaveeR, indicado para reduzir os sintomas desconfortáveis da menopausa (Pfizer).
1 – fármacos já discutidos neste blog.
       Obrigado por lerem. 
 


segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Aprovado pelo FDA depois de 35 anos de existência


            Em número de agosto do corrente da revista de divulgação da American Chemical Society (ACS), encontrei a informação de que o Food & Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos aprovou em 19 de março deste ano a miltefosina (hexadecilfosfocolina, ImpavidoR), comercializada por um consórcio farmacêutico liderado pela empresa Paladin Labs Inc. com sede em Quebec, Canadá. Esta notícia me chamou a atenção, visto que não são numerosas as aprovações pelos órgãos regulatórios, de fármacos com indicações para o tratamento de doenças negligenciadas como o é a leishmaniose. O medicamento ImpavidoR tem indicação aprovada para o tratamento de ambas as formas da doença: visceral e cutânea, provocada por Leishmania donovani, L. brasiliensis, L. guyanensis e L. panamensis.
                                  
            A miltefosina (nomes comerciais ImpávidoR e MiltexR) é um bom exemplo de um fármaco antigo que ganha uma nova indicação (no inglês: repurposing). Descoberta em 1980, por dois cientistas alamães, Hansjörg Eibl do Max Planck Institute for Biophysical Chemistry e Clemens Unger da University of Göttingen, como anticâncer, este composto fosfolipídico. derivado de alquilfosfocolina, mostrou-se ativo contra Leishmania, conforme descreveram Simon L. Croft e colaboradores do London School of Hygiene and Tropical Medicine, Inglaterra.  Estes autores relataram que  o composto foi eficaz contra as formas amastigotas de Leishmania donovani cultivadas em macrófagos peritoneais de camundongo em dose de 12,8 mg/kg/dia, por cinco dias.
          A miltefosina atua no parasita ao nível da proteína quinase B (PKB), também conhecida como Akt. Esta proteína cinase é uma serina/treonina cinase que desempenha papel fundamental em diversos processos celulares, tais como apoptose, proliferação celular, na transcrição e na migração celular. Este é o primeiro (e ainda o único prescrito) medicamento oral para o tratamento da leishmaniose e sabe-se atualmente, que tem propriedades antimicrobianas de largo espectro, sendo ativo contra bactérias e fungos patogénicos, além do trematódeo humano Schistosoma mansoni e seu vetor a Biomphalaria.

            Obrigado por ler.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Os 20 Anos do LASSBio!

      O registro da história é sempre necessário para garantirmos a construção de uma memória fiel. Na verdade, estas palavras, além de rimarem, referem-se ao passado, ao que já vivemos, ao que já foi vivido. Entretanto, se sob esta ótica podem sugerir apenas lembranças, documenta-las representa o cumprimento e o exercício de cidadania, sobretudo quando dizem respeito a realizações coletivas, assegurando a fidelidade dos fatos, único compromisso que valida a memória, preservando a autenticidade da história registrada.
     Contar história não é registrá-la para memória, pois todos nós temos um pouco de “contadores de histórias” e sabemos, desde sempre, que não raramente a mesma história tem mais de uma única versão quando contada por mais de um “contador de história”. À medida que é contada, sucessivamente, alguns aspectos históricos se perdem e outros fictícios são incluídos ao relato, por várias motivações. Umas ingênuas, outras nem tanto! Entre muitas, pode-se “encurtá-la” para manter-se a atenção do(s) interlocutor(es) – geralmente é o caso quando é um mal “contador de histórias” - e nesta “simplificação” sacrifica-se a sua autenticidade,  omitindo passagens importantes, não perceptíveis ao mal “contador de história”, mas que o(s) “autor(es)” ou “escritor(es)” da história, enquanto seu personagem vivo, jamais sacrificaria ou omitiria. Estes poucos parágrafos foram escritos no intuito de registrar, mesmo que brevemente, a importância de se documentar história, criando sua memória! Mais ou menos isso, foi o que motivou a realização da comemoração dos 20 anos do LASSBio, num workshop que aconteceu nos dias 25 e 26 de setembro do corrente, nas dependências do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
     O primeiro passo foi montar um projeto APQ-1 para captar recursos para sua realização junto à FAPERJ. Tivemos o privilégio de sermos contemplados e aqui registramos nossos agradecimentos. Mas até aí, nada de mais! Entretanto, o projeto teria de conter a programação do evento e esta já não foi uma tarefa simples. O LASSBio, nestes 20 anos de atuação, teve inúmeras dissertações e teses concluídas, envolvendo mais de uma centena de ex-pós graduandos. Além do que, o LASSBio não existe a partir do dia 19 de abril de 1994, do nada, por decreto, vindo do “de repente”! Não foi criado de cima para baixo, mas a partir do compartilhamento do mesmo sonho entre muitos. Houve um período pré-LASSBio que o viabilizou, envolvendo vários ex-estudantes de pós-graduação que são co-autores desta história e não podem ser simplesmente “simplificados” pela cronologia, falseando seu registro. Por isso, a programação do workshop comemorativo incluiu-se as duas gerações do LASSBio, representantes daqueles que escreveram sua história antes e após o dia de sua criação. Mas não pensem que fazendo assim as coisas ficaram mais simples. Ao contrário, foi um verdadeiro sufoco fazer escolhas – que são sempre difíceis - que permitissem caber na programação, representantes de todos os personagens, de ambos os ciclos da história destes 20 lindos anos. Claro que não estiveram todos, fisicamente, entre os palestrantes convidados e os seus apresentadores, mas procurou-se assegurar uma mínima representação de todos! Agora, com as desculpas pelos esquecimentos eventuais, foi muito gratificante ter-se recebido, em praticamente todos os casos, os aceites imediatos aos convites feitos aos palestrantes e aos seus apresentadores. Incluiu-se entre eles ex-mestrandos, ex-doutorandos, ex-mestrandos & ex-doutorandos, ex-pósdoutores do LASSBio, em sua maioria, hoje, docentes universitários, mas não somente. Abrimos espaço para os amigos do LASSBio e homenageamos Química Medicinal, uma das principais disciplinas da atuação do LASSBio, além da farmacologia e da química computacional, premiando renomada cientista brasileira que atua na área, em outra Instituição superior de ensino e sem vínculo pregresso com o LASSBio. Agradeço à Professora Elizabeth Igne Ferreira, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, São Paulo, S.P., por nos ter dado o privilégio de sua presença. Definida a programação, organizou-se a logística, enviou-se os convites e realizou-se o workshop, que foi fantástico! Espero que todos os convidados tenham recebido seus convites. Mas registro que em alguns casos, felizmente poucos, não foi fácil obter seus endereços.  O workshop foi sensacional, não somente pelo alto nível científico das excelentes apresentações, mas também pelos emocionantes reencontros entre muitos dos participantes, em sua maioria ex-LASSBio e alguns dos nossos amigos, mais queridos. A todos e a todas, agradeço pela presença e participação: Muito Obrigado!

 
 
Visitem a página do LASSBio pois lá estão documentadas para nossa memória, registrada pelos co-autores autênticos da história, veridicamente documentada, a programação do workshop, suas apresentações, depoimentos registrados, prêmios e homenagens concedidas, além da comissão organizadora e de uma galeria de fotos para recordações. 
Acredito que esta leitura será mais atraente a aqueles que são co-autores de nossa história até aqui, e espero contar com a compreensão de todos os demais eventuais leitores desejando que não se tenham entediado por esta leitura.
Obrigado por lerem.

PS: Sem querer misturar assuntos, mas já misturando, aviso aos eventuais interessados que saiu a terceira edição do nosso livro QUÍMICA MEDICINAL: AS RAZÕES MOLECULARES DA AÇÃO DOS FÁRMACOS, pela editora Artmed. Volto a isso depois.