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quarta-feira, 29 de abril de 2020

Sobre o remdesivir e a SRAS-nCoV-19 (III)


         Nesta quarta-feira (29/04) conforme incluímos em nosso post prévio (10/04), a Gillead Sciences divulgou resultados bastante encorajadores dos ensaios clínicos de fase III, preliminares, com seu antiviral remdesivir um derivado nucleotídico modificado (vide estrutura em “Pequenas moléculas contra SRAS-nCoV-19: remdesivir (RDV))”.
         A novidade foi divulgada pelo Dr Anthony Fauci, médico infectologista, chefe da força tarefa norte-americana de combate à Covid-19. Segundo foi informado nos meios de divulgação da Casa Branca, este antiviral quando utilizado em pacientes com o diagnostico ainda inicial da SRAS-nCov-19, tiveram reduzido de forma expressiva o tempo de internação para 12 dias, no máximo, evidenciando efeitos terapêuticos benéficos ao controle da pandemia. Em pacientes em estado grave o uso do remdesivir acelerou as recuperações, aliviando a carga de pacientes nas UTI´s. Os ensaios clínicos de fase 3, foram realizados de forma randômica, empregando o uso de placebos. A Gilead divulgou, segundo Dr Fauci, que ca. 60% dos pacientes tratados em até 10 dias do surgimento dos sintomas da SRAS-nCoV-19 apresentaram uma recuperação mais rápida, validando a prova de conceito do uso deste antiviral nesta pandemia.
         Certamente estudos suplementares serão necessários para otimizar a eficácia deste eventual futuro fármaco, uma esperança a mais para o tratamento e o controle desta implacável pandemia.
         Obrigado por lerem.   

sexta-feira, 10 de abril de 2020

Pequenas moléculas contra SRAS-nCoV-19: remdesivir (RDV)

nCoV-19       
           O impacto dos números de pessoas infectadas pela SRAS-nCoV-19 não para de crescer e no Brasil a pandemia tem se mostrado agressiva com ca. 20.000 (>17% entre 07 e 09 de abril) infectados e 1060 mortos. [link].
    Os esforços em busca de um recurso terapêutico eficaz e seguro contra o nCoV-19 estão mobilizando grande parte da comunidade científica mundial. Alguns indicadores preliminares de sucesso se aproximam e nesta postagem vou tratar de um novo fármaco utilizado contra outras viroses (e.g. Ebola) que se encontra em estudos clínicos para o uso no tratamento da SRAS-nCoV-19. Trata-se do rendesivir (RDV, GS-5734), um novo agente antiviral da classe dos análogos de nucleotídeos modificados. É um análogo de adenosina, onde o sistema N-heterocíclico foi substituído por um anel pirrolo-pirimidínico substituído, atuando sobre RNA-polimerase viral. 
   Este medicamento antiviral foi desenvolvido pela Gilead Sciences (GS), empresa farmacêutica norte-americana com sede na California, descobridora do oseltamivir (TamifluR), um fármaco inibidor de neuroaminidase viral que mimetiza o estado de transição do mecanismo de ação enzimático e que posteriormente foi licenciado para a Roche e utilizado para o tratamento da influenza (H1N1, H3N2). A GS foi também a descobridora de outro antiviral inovador, o sofosbuvir (SovaldiR), inibidor da NS5B polimerase viral, primeiro antiviral com indicação para o tratamento da hepatite-C que se tornou um blockbuster com vendas mundiais na escala de bilhões de dólares anuais contribuindo com ca. 20% do faturamento global da GS, que em 2018, foi de US$ 22,1 bilhões.


   O RDV foi lançado no mercado em 2017, com indicação terapêutica para tratamento da síndrome provocada pelo vírus Ebola e posteriormente, demonstrou atividade contra outros vírus de RNA de fita simples como os vírus respiratórios do grupo do coronavírus (CoV) (e.g. MERS e SARS). 
 Dada a atividade anti-CoV do RDV, demonstrada em estudos pré-clínicos, este fármaco foi avaliado no tratamento de um dos primeiros pacientes com SARS-nCoV-19 nos EUA, utilizado por administração intravenosa [B. Cao, Mild/Moderate 2019-nCoV Remdesivir RCT – Texto em: ClinicalTrials.gov 2020]. Os resultados obtidos foram encorajadores e motivaram estudos clínicos controlados e duplo-cegos com ca. 2700 pacientes adultos, em pelo menos dois estudos [link; link], de maneira a permitir se avaliarem a eficácia e segurança do emprego do RDV, em pacientes hospitalizados com doença respiratória SRAS-nCoV-19 leve, moderada ou severa, em internação com e sem respiração mecânica. Os resultados destes estudos são aguardados para fins de abril com 308 pacientes e para o fim de maio de 2020, com 2400 pacientes.
O RDV é um pró-fármaco nucleotídico, sendo o produto de hidrólise da subunidade monofosforamidato de sua molécula, o monofosfato de nucleotídeo (GS-441524), que uma vez trifosfatado em sua hidroxila primária, representa a entidade ativa contra CoV, via inibição da RNA-polimerase viral.
   Para concluir, vê-se que o RDV, se vier a ser usado para tratamento da SRAS-nCoV-19, representará mais um exemplo de sucesso da estratégia de reposicionamento de fármacos (drug repurposing ou repositioning) e me parece bastante possível que muitas Big-Pharmas possam estar revisitando “suas” moléculas, inclusive de seus pipelines, para investigar eventuais efeitos terapêuticos sobre a SRAS-nCoV-19.   

     
    Obrigado por lerem. 

domingo, 5 de abril de 2020

Novamente sobre o novo coronavirus 2019 (II)

O novo coronavirus 2019 (nCoV-19; Figura 1) provoca a síndrome respiratória aguda severa (SRAS-CoV-19), que muitos autores consideram como pneumonia grave, sendo responsável pela pandemia que vivemos neste ano de 2020.
O impacto dos números de pessoas infectadas não para de crescer dia a dia e no momento em que escrevo já ultrapassou 1 milhão de infectados com ca. 70.000 óbitos no mundo [link]. A capacidade de contágio deste vírus surpreendeu muitos especialistas e os políticos responsáveis pelas medidas de saúde pública dos diferentes países, que o subestimaram. No Brasil a pandemia tem se mostrado bastante severa com ca. 11.500 infectados e ca. 490 mortos, nesta data e os esforços de todos tem ajudado no controle da velocidade de contágio.
Infelizmente ainda não dispomos de armas terapêuticas – medicamentos ou vacinas – para seu combate, o que agrava sua periculosidade e letalidade. Surgem diariamente relatos de substâncias que teriam demonstrado efeitos sobre o nCoV-19, mas sem a necessária comprovação de eficácia e segurança. A primeira menção foi a cloroquina (1) e a hidroxicloroquina (2) [Liu, J, et al., Hydroxychloroquine, a less toxic derivative of chloroquine, is effective in inhibiting SARS-CoV-2 infection in vitro. Cell Discov 2020, 6, 16 (2020). https://doi.org/10.1038/s41421-020-0156-0] . Esta última com indicação terapêutica para tratamento de quadros inflamatórios crônicos (e.g. artrite reumatoide), sendo classificada como um fármaco que modifica o quadro da doença reumática do paciente. A cloroquina, que lhe originou, é um fármaco com indicação original de antimalárico, que foi descoberta nos idos de 1939, a partir de informações obtidas dos soldados alemães capturados pelas forças militares aliadas no norte da África, durante a II Guerra  Mundial. A partir destas informações a santoquina (3) foi identificada como princípio ativo e estudada nos EUA até se chegar à cloroquina. Este fármaco se enquadra na classe dos derivados 4-aminoquinolínicos, subunidade inspirada na quinina (4), alcaloide majoritário de Cinchona officinalis, árvore sul-americana utilizada pelos nativos locais como antifebril, quando da colonização espanhola da América do Sul. A despeito de ser um medicamento antigo, a cloroquina tem sido investigada continuamente ao longo do tempo para novas eventuais indicações. Existem relatos de ensaios da cloroquina para 137 alvos-terapêuticos distintos, sendo um exemplo do interesse dos grupos de pesquisas, empresariais ou acadêmicos, que se dedicam à reposição de fármacos.
Os efeitos da cloroquina e da hidróxicloroquina sobre o nCoV-19 ainda não foram suficientemente comprovados e são bastante debatidos na literatura, comum e especializada. Alguns relatos indicam seus efeitos em pacientes com SRAS-nCoV-19, mas foram objeto de ensaios em pequeno número de pacientes, visto a dimensão alcançada pela pandemia no mundo, não sendo, portanto, validados. Outros relatos dedicam-se a estudos do uso destes derivados quinolínicos associados a outros fármacos antivirais, também estudados sobre o nCoV-19, como ribavarina, favipiravir [T-705], remdesivir [GS-5734], galidesevir [BCX4430].

Atualmente inúmeros grupos de pesquisa ao redor do mundo (e.g. Li G, De Clercq E., Nature Rev Drug Discov. 2020 (March 2020) v. 19, p. 149-150) estão estudando tenazmente várias abordagens terapêuticas possíveis para combater o nCoV-19, investigando possíveis alvos virais (e.g. 3-quimiotripsina-like protease; papaína-like protease; helicase; DNA polimerase;  glicoproteína de superfície spike [proteína S]), essenciais ao ciclo evolutivo do nCoV-19 (e.g. Yan, R. et al. Structural basis for the recognition of SARS-CoV-2 by full-length human ACE2. Science, 2020, (27 March 2020) v. 367, # 6485, p. 1444–1448), seja utilizando moléculas conhecidas ou inéditas, estas desenhadas in sílico a partir dos estudos computacionais com as estruturas 3D dos alvos, quando disponíveis. Alguns autores estimam que temos ca. 180 novas publicações semanais, sobre os diferentes aspectos do nCoV-19, algumas oriundas de laboratórios brasileiros.
Cabe menção a publicação recentemente feita por Liu e colaboradores (ACS Cent. Sci. 2020, 6, 315-331) do Chemical Abstract Service (CAS), uma divisão da American Chemical Society, que reuniram neste trabalho as informações publicadas sobre nCoV-19, incluindo as patentes e as substâncias disponíveis no CAS.
Obrigado por lerem.