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terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Nirmatrelvir, anti-viral com indicação para o SARS-CoV-2

 Nestes derradeiros dias de 2021, ano de marcas trágicas provocadas pela  Covid-19, é alvissareiro saber que a indústria farmacêutica (IF) que se baseia fundamentalmente em Ciência, inventou um fármaco com propriedades anti-SARS-CoV-2.

Este tema me pareceu merecedor desta postagem, por sua importância e por evidenciar a capacidade inovadora da IF face ao desafio colocado pela Covid-19.

Esta história teve como pano de fundo os laboratórios de pesquisa da Pfizer, uma corporação farmacêutica e biotecnológica multinacional com sede nos  EUA. Em 22 de dezembro deste ano o “Food and Drug Administration (FDA)”, agência reguladora do setor farmacêutico norte-americano, autorizou o uso do medicamento PaxlovidR como o primeiro medicamento recomendado para o tratamento por via oral da Covid-19. Não se trata de uma medicação preventiva da doença, mas de uma combinação de dois insumos farmacêuticos ativos (IFA) numa mesma formulação para tratamento da Covid-19. Os fármacos contidos no PaxlovidR são o nirmatrelvir – novo antiviral desenhado para ser um inibidor da principal protease do SARS-CoV-2, conhecida como CL ou MPRO – e o ritonavir (DOI: 10.1023/A:1011052932607) um antiretroviral (NorvirR; AbbVie) conhecido desde 1996, como inibidor de aspartato protease viral e originalmente utilizado sob outras combinações para o tratamento de infecções pelo HIV. Esta estratégia de se combinar mais de um fármaco antiviral numa única medicação é usada com sucesso para o tratamento de pacientes com HIV; Denomina-se terapia antirretroviral altamente ativa (HAART - highly active antiretroviral therapy) e requer uma dose reduzida de diferentes inibidores de protease viral. Cabe registro também que tal estratégia pode ser eficaz em outras viroses como no tratamento da hepatite-C (HCV), como ilustra o uso do HarvoniR, combinação de ledipasvir & sofosbuvir. 

Figura 1 – Combinação de fármacos do PaxlovidR

A identificação do nirmatrelvir como um inibidor irreversível de  SARS-CoV-2 MPRO ilustra o uso, com sucesso, de estratégias da Química Medicinal para a descoberta de um protótipo, sua otimização pelo ajuste de fatores moleculares capazes de modularem suas propriedades físico-químicas que regulam a possibilidade de administração oral (e.g. solubilidade aquosa) e permeação por membranas e sua eficácia, traduzida pela maior afinidade pelo alvo terapêutico. Neste caso, a partir da estrutura 3D do alvo a proteína CL-MPRO do SARS-CoV-2, onde se lograram identificar amino-ácidos chaves no reconhecimento molecular de hits iniciais, como a glutamina (Gln-163) que demonstrou interagir com uma subunidade pirrolidona presente em alguns hits. A modificação de unidades peptídicas, alteradas pelo aumento de lipofilicidade como análogos bicíclicos de prolina, onde o fragmento pirrolidinona foi incluído em sistemas bicíclicos do tipo 2-azabiclico[3.1.0]hexano dimetilado, viabilizaram a obtenção de ligantes de maior afinidade e com lipofilicidade ajustada. A modulação de sítios reativos (warhead) com a Cys-185 da protease viral, variando entre aldeído, presente em GC373, e modificada para nitrila do nirmatrelvir, viabilizaram a identificação de ligantes adequados que foram otimizados consecutivamente, combinando trocas bioisostéricas clássicas de anéis aromáticos ou pela adoção de scaffolds presentes em outros inibidores de proteases virais conhecidos. Esta abordagem tipicamente de Química Medicinal permitiram o uso oral do nirmatrelvir que teve sua posologia melhorada pela coadministração com o ritonavir, previamente desenvolvido como inibidor de aspartil-protease do HIV.

A Figuras 2, a seguir, ilustra a gênese do nirmatrelvir, enquanto que as Figuras 3 e 4 ilustram o nucleófilo viral, representado pela Cys145 do sítio catalítico e a estrutura do aduto covalente formado entre o fármaco e a SARS-CoV-2 CL MPRO.

     Figura 2 – Gênese do nirmatrelvir incorporando a subunidade prolina modificada do boceprevir, o terminus pirrolidinona do GC373 e a nitrila como warhead moificado do CG373.

     Figura 3 – Localização do resíduo nucleofílico viral (Cys145) presente na CLMPRO do SARS-CoV-2.
     
Figura 4 – Ilustração do aduto formado entre o nirmatrelvir e aa Cys145 como nucleófilo do CLMPRO do SARS-CoV-2.

     Nesta época do ano venho desejar a todos e todas um Ótimo e Próspero 2022.

Obrigado por ler.