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quinta-feira, 28 de junho de 2012

Linha do Tempo da Química Medicinal: assim nascem os fármacos - Parte XIII

     Entramos na décima terceira parte desta Linha do Tempo da Química Medicinal e para dar sequência a essa descrição cronológica, atingimos o início do século atual. Embora tenhamos vivido sua primeira década sem muito nos apercebermos, observamos neste início de século a conquista de importantes fármacos, de distintas classes terapêuticas que enriqueceram sobremaneira nosso arsenal terapêutico. Ter-se um critério unânime e indiscutível, para elegermos as principais conquistas terapêuticas deste início de século, dignas de serem eleitas para tratarmos aqui não é tarefa possível, pois se mais de uma pessoa escolhesse os fármacos a serem discutidos como exemplos significativos das conquistas terapêuticas deste século XXI, poucos, creio, seriam aqueles que estariam em mais de uma das listas. Como agravante ainda teríamos o fato de que não houve neste período, nenhuma inovação terapêutica fantástica, embora, dentre os que selecionamos como representativos, encontrem-se alguns que podem ser classificados como inovações promissoras, capazes de estimularem futuros me-too´s por validarem novos alvos terapêuticos em diferentes classes.

Os fármacos que escolhemos para exemplificar as descobertas / invenções deste início de século, estão indicados na nova figura da Linha do Tempo da Química Medicinal, abaixo.

 
 
 
     Em 2002, surge o aripripazola (AbilifyR) lançado pela Bristol-Myers Squibb para tratamento de psicoses severas, incluindo a esquizofrenia. Este fármaco possui um padrão de ação multialvos, sendo ligante de receptores dopaminérgicos do subtipo D2, serotoninérgicos (5-HT2, 5-HT1A) e fracamente para adrenérgicos a1 e por isso mesmo apresenta excelente perfil de atividade. Para exemplificar um fármaco de origem marinha, elegemos o ziconotido (PrialtR), lançado em 2005,  que é um derivado modificado da w-conotoxina, desenvolvido por uma empresa start-up para controle da dor neuropática. Esta derivado sendo de natureza peptídica, exige administração intratecal, tendo sido o primeiro medicamento desta natureza com esta indicação terapêutica. Em 2008, o tratamento da AIDS ganha um importante aliado, representado pelo maraviroc (SelzentryR). Este novo medicamento é um derivado sintético desenvolvido nos laboratórios Pfizer, capaz de inibir a adesão do vírus HIV às células do hospedeiro, atuando como antagonista alostérico de receptor CCR5. Atuando por um novo mecanismo de ação que provoca mudanças conformacionais no receptor, alterando a capacidade da proteína viral gp120 de ligar corretamente para promover a fusão celular do vírus, o impacto deste fármaco no controle desta síndrome será bastante significativo, seja empregado isoladamente ou em associação a outros antivirais inibidores de transcriptase reversa ou de proteases virais. Em 2010, surge um novo inibidor da serino-protease trombina, o dabigatrano (PradaxaR) lançado pelos laboratórios Boehringer Ingelheim da Alemanha, que é um pró-fármaco com potentes propriedades anticoagulantes. Para concluir esta parte XIII desta Linha do Tempo da Química Medicinal, incluímos o fingolimode um fármaco com indicação para o tratamento da esclerose múltipla, lançado pela Novartis sob o nome fantasia de GilenyaR, que foi aprovado em 2011. Esta enfermidade representa uma doença autoimune que afeta mais de 2,5 milhões de pessoas no mundo provocando degeneração do SNC. Atuando por um novo mecanismo, como agonista de receptor da esfingosina-1-fosfato, este fármaco representa o primeiro medicamento de uso oral para o controle deste mal.
 

     Concluindo esta parte, estamos encerrando nossa Linha do Tempo da Química Medicinal referente às descobertas ou invenções terapêuticas que marcaram o período definido a partir do ácido acetilsalicílico (AAS) até uma inovação introduzida no mercado no ano de 2011, já ilustrando as inovações terapêuticas ocorridas no século XXI. Nas próximas partes desta Linha do Tempo da Química Medicinal aprofundaremos o processo de descoberta de cada fármaco aqui mencionado, para em seguida adotarmos sistemática mais livre, descrevendo algumas descobertas/invenções que consideramos marcantes na composição do arsenal terapêutico contemporâneo.
      Obrigado por ler.


 
 

terça-feira, 5 de junho de 2012

Linha do Tempo da Química Medicinal: assim nascem os fármacos - Parte XII: Os tinibes

      Entramos na décima segunda parte desta Linha do Tempo da Química Medicinal e chegamos ao final do século XX, quando a quimioterapia do câncer ganhou importantes fármacos, representados pelos inibidores de tirosina-quinases (TK´s) que representam, quiça, a última inovação terapêutica do século. São destes fármacos que vamos tratar nesta ocasião.
      A quimioterapia do câncer teve nos alcaloides bis-indólicos da Vinca (Catharanthus roseus (L.) G. Don.), vincristina (VCR) e vimblastina (VCB), um dos seus primeiros recursos. Estes fármacos, de origem natural, com propriedades antimitóticas, datam da década de 50 do século passado e foram objeto de estudos de diversos grupos de pesquisa, tendo sido isolados por Ralph Noble e Charles Beer da Universidade de Western Ontario, Canadá, que identificaram suas propriedades depressoras nas células brancas sanguíneas. Isolados das folhas e flores de Vinca, pequenos, mas vistosos arbustos, tiveram suas estruturas elucidadas pelo grupo de pesquisa do Professor Ernest Wenkert, químico austríaco trabalhando na Universidade de San Diego, EUA, mais ou menos na mesma época em que os primeiros aparelhos de ressonância magnética nuclear de hidrogênio ficaram acessíveis. Claro que nesta época em nada se comparavam a aqueles disponíveis nos dias de hoje, que os superam em ca. 400 vezes, em potência de campo. Estes produtos naturais foram inicialmente bioensaiados para o tratamento da diabetes, entretanto mostraram-se capazes de produzirem severa depressão na atividade da medula o que sugeriu sua eventual aplicação na terapia do câncer. Estudos subsequentes conduzidos por Gordon Svoboda nos laboratórios Eli Lilly, EUA, culminaram com seu lançamento na terapêutica em 1953, com indicação para o tratamento de leucemias e linfomas, inclusive em crianças, devido às propriedades antimitóticas e antitubulinícas destes compostos.
     Pode-se dizer que é na quimioterapia do câncer que encontramos um dos melhores exemplos da contribuição dos produtos naturais à terapêutica. Em parte, graças a um ambicioso programa do National Cancer Institute dos EUA, iniciado em 1960, visando a identificação de propriedades citotóxicas em diversas cepas celulares, de extratos vegetais, inicialmente obtidos junto ao Departamento de Agricultura norte-americano e posteriormente oriundos do mundo inteiro. As amostras eram estudadas no Research Triangle Park, na Carolina do Norte, EUA. Esta busca de novos padrões moleculares citotóxicos resultou alguns dos mais eficientes fármacos anti-câncer que integram nosso arsenal terapêutico contemporâneo como o paclitaxel, sesquiterpeno polifuncionalizado, de estrutura química inusitada, isolado de Taxus brevifolia por Monroe Wall e Mansukh Wani dos laboratórios do Triangle Research Park. A despeito de sua complexa estrutura química, foram descritas sínteses totais para este produto natural por Robert A Holton da Universidade da Florida e K C Nicolauo do Scripps, California em 1994, além daquela relatada por Samuel J Danishefsky da Universidade de Columbia, Nova Iorque, EUA, em 1996 e uma quarta por Paul A Wender, em 1977. Para coroar os esforços do grupo de pesquisa do Research Triangle Park, foi isolado, nos mesmos laboratórios, a camptotecina, alcaloide quinolínico de biossíntese mixta, que caracterizou-se por apresentar em sua estrutura pentaciclíca uma sub-unidade iridoidíca contida num anel alfa-hidróxilactona. Vale mencionar que ambos os produtos naturais que se tornaram fármacos, descobertos por Wall e Wani, possuíam estruturas químicas originais, com padrões moleculares inéditos e apresentaram novos mecanismos farmacológicos de ação, representando, em ambos os casos, autênticas inovações terapêuticas. Enquanto que o paclitaxel (TaxolR) mostrou-se um inibidor de tubulinas, a camptotecina, isolada de Campthoteca acuminata, foi o primeiro fármaco anticâncer a atuar como inibidor de topoisomerase-1. Além destas felizes coincidências, ambos compostos inspiraram outras substâncias, sintéticas ou hemi-sintéticas, que ampliaram o impacto terapêutico de suas descobertas. Desta forma o paclitaxel inspirou o docetaxel, cabazitaxel e ortataxel, sendo este último ativo por via oral, enquanto que a camptotecina levou aos derivados piridocarbazóis da classe dos tecanos (e.g. irinotecano e topotecano). Além destes produtos naturais vegetais, outros como os derivados da podofilotoxina, etoposido e tenoposido, completam os exemplos da importância dos produtos naturais na quimioterapia do câncer. Não se deve deixar de mencionar os derivados de origem microbiológica, representados por alguns antibióticos macrociclícos e mais recentemente pelas epotilonas A e B, isoladas de Sorangium cellulosium. Estes últimos produtos naturais são lactonas macrociclícas de 16 membros, que nas mãos dos químicos medicinais dos laboratórios Bristol Meyers-Squibb (BMS) levaram a ixabepilona (IxempraR), análogo macrociclíco que possui em substituição à função éster macrociclíco, de fácil hidrólise enzimática na biofase, uma função bioisostérica macrolactama, resistente às esterases, lançado no mercado em 2007.
A história dos tinibes se inicia nos idos dos anos 70, quando as quinases despertaram o interesse de inúmeros grupos de pesquisas, acadêmicos e industriais, como alvo terapêutico possível, para o tratamento de várias doenças. Após os estudos do genoma humano se identificam ca. 500 quinases. Estas enzimas representam importante família de enzimas fosforilantes, utilisando o ATP como reagente de fosforilação, que modulam importantes respostas celulares, ativando várias cascatas de sinalização. Em 1973, Janet Rowley e colaboradores determinam que a parte faltante do cromossomo 22 – cromossomo Filadélfia - tinha sido translocada para o cromossomo 9, em pacientes com leucemia mielóide crônica (CML). Em anos seguintes, foi estabelecido que um gene de cada cromossomo (Bcr no cromossomo 22 e Abl no cromossomo 9), fundiam-se para formar um novo gene Bcr-ABl que produzia uma proteína que provocava a CML. Deve-se aos trabalhos de David Baltimore, Massachusetts, EUA, que identifica a natureza desta proteína como sendo uma quinase. Alguns especialistas estimam que ca. 25% dos projetos de pesquisa em novos fármacos no mundo tenham estas proteínas como alvos terapêuticos. Na classe das quinases encontram-se as tirosinas-quinases (TKs), que promovem a fosforilação de proteínas na hidroxila da tirosina, ativando mecanismos celulares que estimulam sua proliferação e onde se enquadra a proteína caracterizada por Baltimore. Nos laboratórios Ciba-Geigy (atual Novartis) iniciou-se, em 1982, um programa de pesquisas, liderado por Jürg Zimmermann, visando identificarem-se um inibidor de quinases. As empresas farmacêuticas que descobrem ou inventam fármacos, iniciavam, nesta época, com muita expectativa, o uso de técnicas robotizadas de avaliação maciça de amostras (high-throughput screening - HTS), oriundas ou não de coleções de substâncias. Nestes estudos foram identificados na Ciba-Geigy, derivados 2-fenilaminopiridinícos (em cor de rosa na estrutura do imatinibe abaixo), capazes de inibirem a proteína-quinase C (PKC) usada nestes ensaios in vitro. A partir deste composto inicial, identificado neste screening, várias modificações moleculares foram sendo introduzidas, visando potencializar seu efeito sobre outras quinases, dentre as quais estavam a Abl-Bcr quinase, enzima da classe das TKs. Desta forma, os químicos medicinais chegaram à estrutura do imatinibe (GlevecR), primeiro inibidor de TK introduzido no mercado, em 2001 pela Novartis. Vale menção o fato de que a introdução do grupo metila na posição orto do sistema diarilamina do imatinibe, foi um adereço estrutural crítico para assegurar a conformação adequada à seletividade sobre a Abl-Bcr TK. O sucesso do imatinibe, desenvolvido na Novartis, com perfil de seletividade sobre TKs para o tratamento do câncer, representava um novo mecanismo de controle desta doença e levou as empresas farmacêuticas concorrentes a identificarem vários outros fármacos me-too com perfil inibidor multi-TK’s e com diferentes indicações terapêuticas para outros tipos de câncer, como gefitinibe (IressaR Astra-Zeneca), dasatinibe (SprycelR, BMS), sorafenibe (NexavarR, Bayer e Onyx Pharmaceuticals), nilotinibe (TesignaR, Novartis), lapatinibe (TykerbR, GSK), sunitibe (SutentR, Pfizer), ruxolitinibe (JakafiR, Incyte Pharmaceuticals e Novartis) e crizotinibe (XalkoriR, Pfizer), entre outros. A figura abaixo contém as estruturas de alguns tinibes indicando por cores a similaridade molecular entre estes fármacos.
     
     O mesilato de imatinibe foi o primeiro exemplo de sucesso da aplicação da técnica de HTS de coleções de substâncias concomitante à técnicas de desenho molecular da Química Medicinal, que representou uma importante inovação terapêutica.


      Concluindo esta parte estamos encerrando nossa Linha do Tempo da Química Medicinal referente às descobertas ou invenções terapêuticas do século XX e nas próximas partes passaremos às inovações ou descobertas deste século, com mais de uma década vivida.
       Obrigado por ler.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Linha do Tempo da Química Medicinal: assim nascem os fármacos (Parte XI)

     Entramos na décima primeira parte desta Linha do Tempo da Química Medicinal para registrar a história dos coxibes, fármacos inibidores da cicloxigenase-2 (COX-2), surgidos no final do século XX, mais precisamente em 1999, no Brasil, com o celecoxibe. Os inibidores seletivos de COX-2 foram a grande esperança para o tratamento de quadros inflamatórios crônicos, sem os riscos associados a irritação do trato gástrico, provocado pelos inibidores da isoforma 1. Esta parte corresponde ao segundo capítulo da história dos anti-inflamatórios não esteróides.
     Esta classe de fármacos atua sobre a cicloxigenase (COX), enzima que compete com outras enzimas oxidativas, como a 5-lipoxigenase (5-LOX), pelo mesmo substrato, o ácido araquidônico (AA). A oxidação do AA pela COX, leva à formação do precursor dos icosanóides ou prostaglandinas (PG’s), o endoperóxido de prostaglandina G2 (PGG2) que após produzir o PGH2, por redução da função hidroperóxido em C-15 leva às PG’s ditas primárias PGE2 e PGF2alfa. O mesmo intermediário desta cascata biossintética, forma espécies biciclícas como a prostaciclina (PGI2) e a tromboxana A2 (TXA2), importantes moduladores da homeostase vascular, atuando ao nível da agregação plaquetária. Enquanto que a PGI2 é capaz de desagregar plaquetas, a TXA2 é potente agregador plaquetário, sendo a primeira mais ativa nas próprias plaquetas e o segundo no endotélio vascular. Não raramente a cascata do ácido araquidônico produz substâncias muito similares estruturalmente, mas com efeitos biológicos opostos. A PGE2 é um potente agente constritor enquanto que a PGF2alfa possui propriedades opostas, sendo potente dilatador da musculatura lisa.
Ao observamos ambas estruturas podemos ver que a única diferença reside no grau de oxidação em C-9 que na primeira é uma carbonila enquanto que na segunda é um álcool secundário. A despeito desta similaridade molecular as respectivas respostas biológicas, distintas, se dão por reconhecimento de diferentes biorreceptores. Sabe-se que as PG’s regulam muitas funções biológicas, muitas delas vitais, como participarem do processo de fecundação, do mecanismo celular de citoproteção a nível gástrico, entre outros, desempenhando importante papel na fisiologia celular. Como já documentado aqui, na Parte X desta Linha do Tempo da Química Medicinal, o mecanismo farmacológico de ação do ácido acetilsalicílico (AAS), foi elucidado por John R Vane (Parte VII  desta Linha do Tempo da Química Medicinal) e colaboradores, como sendo a inibição da COX-1 (única isoforma conhecida à época). A compreensão do mecanismo de ação deste fármaco centenário ajudou a entender seus efeitos gastroirritantes, resultantes da inibição da formação de PGE2 no estômago e, em consequência, a redução do mecanismo de citoproteção celular.
     No início da década de 90, Daniel L. Simmons e colaboradores, do Departamento de Química e Bioquímica da Brigham Young University, Utah, EUA, identificaram uma nova isoforma do complexo enzimático prostaglandina-endoperóxido sintase (PGHS), denominada cicloxigenase-2 (COX-2). Esta segunda isoforma foi identificada como sendo uma isoforma induzida, diferenciando-se da isoforma anteriormente conhecida (COX-1), que era considerada como a isoforma constitutiva. Esta caracterização funcional indicava que a COX-2 estava presente em processos inflamatórios, levando a crer-se que sua inibição seletiva traria benefícios ao tratamento de quadros inflamatórios, crônicos ou não, por não promover efeitos gastroirritantes. A partir de então vários laboratórios de pesquisas, de diferentes indústrias farmacêuticas, começaram a investigar novos padrões moleculares capazes de apresentarem efeitos inibitórios seletivos sobre esta isoforma induzida da COX. Imediatamente a empresa G. D. Searle, Skokie, Illinois, EUA, braço farmacêutico da DuPont-Monsanto, inicia um programa de pesquisas que visava selecionar, em sua coleção de substâncias antiinflamatórias, compostos que seriam ensaiados como inibidores de COX-2, empregando clones da enzima. Dentre os compostos selecionados, que mostraram-se ativos em bioensaios em animais, encontrava-se o DuP-697, derivado bromodiaril-tiofênico funcionalizado, sintetizado nos idos de 1970, como análogo estrutural da fenilbutazona, um composto anti-inflamatório e analgésico conhecido desde 1950 (Geigy) e utilizado na terapêutica com o nome ButazolidinaR. Esta substância nas mãos dos químicos medicinais da Searle originou o derivado SC-58612 (Figura), potente anti-inflamatório ativo por via oral em modelos animais de inflamação, atuando como inibidor seletivo da COX-2. Esta substância possuía um tempo de meia-vida de 12 dias, o que exigiu a introdução de novas modificações moleculares para ajustar suas propriedades farmacocinéticas e permitir seu uso terapêutico com uma posologia adequada. A natureza terfenílica neste composto, representada pelo sistema N-fenil-5-fenilpirazólico (em azul na Figura) imitava o sistema diaril-tiofênico do DuP-697, enquanto que a função sulfonamida assegurava a acidez equivalente a fenóis, distinta daquela dos ácidos carboxílicos, farmacóforos dos inibidores de COX-1. Imaginava-se que modulando o pKa dos novos compostos, poder-se-ia favorecer a seletividade COX-2/COX-1. Desta forma, a modificação molecular eleita, foi a troca do bromo na posição para do núcleo fenílico em C-5 do anel heterociclíco, por um grupamento metila, introduzindo uma nova posição benzílica neste novo composto, reativa ao CYP450, podendo, portanto, ser um sítio vulnerável à oxidação metabólica de fase 1 favorecendo posterior conjugação e eliminação, reduzindo o tempo de meia-vida deste novo inibidor seletivo de COX-2. Assim surge o celecoxibe (SC-58635, CelebraR), derivado 1,5-diarilpirazólico funcionalizado, que foi lançado no Brasil em 1999, embora tivesse sido descrito por T D Penning e colaboradores, em um manuscrito no Journal of Medicinal Chemistry, em 1997 . O celecoxibe exibe potente efeito analgésico, semelhante à indometacina e ao naproxeno, com índice de seletividade de 30 para a COX-2 em relação à COX-1 (COX-2/COX-1). Outros coxibes têm maior seletividade para COX-2 (e.g. rofecoxibe = 120; etoricoxibe = 106). Em 2001, as vendas mundiais do celecoxibe renderam ca. US$ 3,1 bilhões à Pfizer, que adquiriu a Upjohn-Pharmacia, a quem a Searle já pertencia.

     Estudos com as duas isoformas de COX indicaram a mesma afinidade pelo ácido araquidônico, substrato natural; um elevado grau de homologia, superior a 85% e ao nível do sítio catalítico ciclooxigenase pequenas variações em alguns amino-ácidos. Vale mencionar que a COX tem duas atividades enzimáticas: uma oxidativa, dita cicloxigenase e outra peroxidase, que reduz o hidroperóxido a álcool em C-15. A diferença observada no sítio cicloxigenase reside, por exemplo, na presença de um resíduo valina na posição 523 da COX-2, enquanto que a COX-1 tem um resíduo isoleucina nesta posição. Esta diferença representada apenas pela presença de um grupamento metila a mais no sítio da COX-1, uma vez que valina e isoleucina são amino-ácidos homólogos lineares, com a valina tendo a fórmula C5H11NO2, enquanto que a isoleucina C6H13NO2, faz com que a isoforma 1 tenha uma cavidade menor no sítio catalítico cicloxigenase, resultado da presença do amino-ácido de maior volume molecular, enquanto que no sítio de reconhecimento molecular equivalente da COX-2, pela presença do amino-ácido isoleucina de menor volume molecular, haja uma cavidade de interação secundária, suplementar, com maior tolerância estérica (Figura). Estas diferenças estruturais explicam a seletividade dos coxibes pela isoforma 2, pois, em geral são fármacos de maior volume molecular devido ao sistema terfenílico que possuem.

      Os coxibes representaram importante capítulo na terapia das doenças inflamatórias. Entretanto, as expectativas originais não foram correspondidas, pois a COX-2 mostrou-se uma isoforma constitutiva no músculo cardíaco, o que provocou a retirada do mercado de praticamente todos os coxibes muito seletivos. Assim que o rofecoxibe (VioxxR), foi retirado pela Merck, em 2004, e o etoricoxibe (ArcoxiaR), também da Merck, ganha um aviso de alerta da agência regulatória norte-americana, Food Drug Administration (FDA), em 2007. Em termos estruturais, vale registro que ambos são derivados que apresentam como substituintes da posição para de um dos fenilas da sub-unidade do tipo terfenílica, grupamentos metilsulfona (em vermelho na Figura das estruturas) no lugar da função sulfonamida que ocorre no celecoxibe, o que pode, de alguma forma, estar contribuindo nestes dois fármacos para a maior seletividade vis-à-vis a COX-2 e provocando maior risco de acidente cardíacos ou, alternativamente, a ausência do grupamento para-fenilsulfonamida pode estar reduzindo a afinidade destes fármacos por outros alvos terapêuticos possíveis, visto que, por exemplo, derivados aril-sulfonamídicos como o celecoxibe, são reconhecidas por isoformas da monoaminoxidase (MAO).
    Recentemente, o celecoxibe foi reconhecido como sendo clinicamente eficaz para reduzir o progresso da doença de Alzheimer, assim como de controlar a evolução de determinados tipos de câncer, indicando que, muito provavelmente, seus efeitos terapêuticos são além da COX-2 o que nos permite considerá-lo como um fármaco multi-alvo. Desta forma, estudarem-se novos derivados modificados deste fármaco, pode representar a identificação de novos recursos terapêuticos para o tratamento, mais eficiente, de doenças crônicas não transmissíveis, validando a afirmativa de Sir James Black, inventor do propranolol e cimetidina (Parte VI desta Linha do Tempo da Química Medicinal) que dizia: “... para se descobrir um novo fármaco, nada melhor do que começar por um fármaco conhecido”.
     Na próxima parte desta Linha do Tempo da Química Medicinal: assim nascem os fármacos, estaremos na décima segunda e iremos tratar dos inibidores de tirosina-quinases (TK´s), fármacos anticâncer que representaram a última inovação terapêutica do século XX.
      Obrigado por ler.

domingo, 8 de abril de 2012

Linha do Tempo da Química Medicinal: assim nascem os fármacos

Os fármacos anti-inflamatórios não-esteróides

(AINEs = NSAI's)

     Entramos na décima parte desta Linha do Tempo da Química Medicinal e vamos tratar agora dos fármacos antiinflamatórios não-esteróides (NSAI), que são fármacos que possuem também importantes propriedades analgésicas.
     O início desta história se dá nos idos dos anos 50, do século passado, quando inicia-se o boom dos esteróides que conduziu à pílula contraceptiva e abriu espaço para o conhecimento do papel dos hormônios esteroides na fisiologia. Data desta época, a identificação das propriedades anti-inflamatórias dos corticóides e, pouco depois, a compreensão de seus efeitos colaterais, severos, restringindo seu emprego na terapêutica. A lacuna deixada pela cortisona enquanto anti-inflamatório motivou, de um lado, a busca de análogos estruturalmente modificados capazes de serem empregados com mais segurança na terapêutica de quadros inflamatórios crônicos e de outro estimulou o estudo de análogos do ácido acetilsalicílico (AAS), conhecido fármaco analgésico, antitérmico, com propriedades anti-inflamatórias e também apresentando efeitos irritantes ao nível da mucosa gástrica. Estes esforços de pesquisa foram recompensados pela identificação dos fenamatos, classe de agentes anti-inflamatórios nascidos no extinto laboratório Parke-Davis, ilustrados na Figura 1 pelos derivados de ácidos benzóicos, mefenâmico e meclofenâmico (1960). Ambos são estruturalmente relacionados ao AAS possuindo o padrão do ácido antranílico (orto-aminobenzóico), isóstero do ácido salicílico, presente no AAS.



   A história continua e aplicando o mesmo princípio da Química Medicinal, pesquisadores dos laboratórios Ciba-Geigy (atual Novartis) inventam o diclofenaco, em 1973, fármaco anti-inflamatório não-esteróide comercializado com os nomes fantasias de Voltaren® e Cataflan®, estruturalmente relacionado ao ácido meclofenâmico, diferenciando-se deste por ser um derivado homólogo, linear, pertencendo a classe dos ácidos arilacéticos, com um grupamento metilênico a mais situado entre a função ácido carboxílico e o anel aromático. Enquanto isso, nos laboratórios Merck, Sharp & Dohme (MS&D), nos EUA foi desenvolvido, após extenso programa de pesquisa, o diflunisal, fármaco da classe dos salicilatos que apresentou o mesmo perfil do AAS. No início dos anos60, T. Y. Shen, Alfred Burger Professor of Medicinal Chemistry na Universidade de Virginia, EUA, lê artigo que atribui propriedades flogísticas à serotonina. Sabendo do caráter básico deste mediador inflamatório indólico (5-hidróxi-triptamina), formula a hipótese, que se mostrou acertada, de que ácidos 3-indolil-acéticos podiam possuir propriedades antiinflamatórias por possuirem propriedades químicas opostas ao mediador inflamatório endógeno. O Prof. Shen teve a colaboração essencial de um farmacologista da MS&D, Dr Charles A. Winter, que desenvolveu um protocolo farmacológico in vivo, o ensaio do edema da pata do rato induzido por agentes flogísticos, adequado ao screening de novas moléculas com propriedades antiinflamatórias. Surge no cenário dos fármacos NSAI a indometacina, em 1963, um diferencial à época para o tratamento de quadros diversos de inflamações, inclusive crônicos. Devido à presença da função amida, a indometacina é hidrolisada pela ação de amidases produzindo o ácido indolil-acético correspondente que é inativo e responsável pelo aparecimento de disturbios centrais em alguns pacientes. Esta classe terapêutica possui hoje diversos representantes dos ácidos aril- e heteroarilacéticos dentre os quais encontram-se o pró-fármaco sulindaco (MS&D, ClinorilR), e os fármacos etodolaco (Almirall Ltd) e cetorolaco (ACI).
   
Nesta mesma época, Dr Steward Adams, trabalhando na empresa Boots em Nottingham, Inglaterra, cria um bioensaio empregando a radiação ultra-violeta para induzir uma reação inflamatória em animais de laboratório, que permite avaliar propriedades antiinflamatórias em uma série de derivados de ácidos para-alquil- e para-arilfenilacéticos que indica o ácido para-isobutilfenil acético (ibufenac) como sendo quatro vezes mais potente que o AAS. Este composto é lançado no mercado mas poucos anos após é retirado pelos efeitos hepáticos que provocava, causando intensa icterícia. Desta forma, o grupo de pesquisadores da Boots, liderado por Adams, identifica, no análogo ácido 2-fenilpropiônico correspondente, denominado ibuprofeno, o homólogo ramificado do ibufenac, o primeiro fármaco NSAI da classe dos profenos. O ibuprofeno (Figura 1) possui em sua estrutura um substituinte iso-butila em relação para ao término ácido no anel benzênico mimetizando, com estes quatro átomos de carbono saturados, o sítio de interação hidrofóbica representados pelos segundos anéis aromáticos presentes em todos os fármacos ilustrados na figura. Outros fármacos desta classe são desenvolvidos pelas empresas concorrentes como o naproxeno (Syntex, 1976), cetoprofeno (Rhône Poulenc) mais potente que o protótipo da série, o benoxaprofeno (1980 - que veio posteriormente a ser retirado) e o fenoprofeno são descobertos pela Eli Lilly, entre outros. Esta classe de derivados NSAI possui um centro estereogênico, criado pela substituição de um dos átomos de hidrogênio do grupamento metilênico dos ácidos aril-acéticos presursores. Com isto esta série homóloga dos profenos é representada por dois possíveis enantiomêros e sabendo-se que os alvos-terapêuticos são enantioespecíficos, i.e. discriminam enantiomêros, reconhecendo a quiralidade do fármaco, não é surpreendente observar que apenas um dos enantiomêros seja ativo. No caso do naproxeno, o grupo de pesquisadores liderados por Joseph Fried,  na Syntex, identificou o enantiomêro (S) como aquele reconhecido pelo alvo-terapêutico, i.e. a prostaglandina-endoperóxido sintase (PGHS), vulgarmente denominada de cicloxigenase (COX). Desta forma a Syntex passou a comercializar o naproxeno na forma enantiopura e foi o (S)-naproxeno o primeiro fármaco NSAI a ser comercializado como eutomêro, i.e. o enantiomêro ativo. Posteriormente, identificou-se uma enzima que atua invertendo a quiralidade dos derivados profênicos, transformando o distomêro, enantiomêro (R) no isômero bioativo (S) (Figura 2, abaixo).
  
    
     A história dos fármacos NSAI é longa, pois em 1992 identificaram-se a isoforma 2 da COX e em poucos anos apareceram os coxibes como a grande esperança para o tratamento de quadros inflamatórios crônicos sem os riscos associados a irritação do trato gástrico, provocado pelos inibidores da isoforma 1 até então conhecidos. Este segundo capítulo da história dos anti-inflamatórios não-esteróides será tratado na próxima parte desta Linha do Tempo da Química Medicinal, a décima-primeira.
Obrigado por ler.


sábado, 17 de março de 2012

Linha do Tempo da Química Medicinal: assim nascem os fármacos - Parte IX

Entramos na nona parte desta Linha do Tempo da Química Medicinal e vamos tratar agora dos fármacos anti-virais que durante muitos anos foram considerados ineficazes, quando pouco se conhecia sobre o ciclo evolutivo destes microrganismos.
O início desta história se dá por volta dos anos 50, do século passado, quando identificou-se as propriedades biológicas da beta-tiossemicarbazona, uma das primeiras substâncias ativas. Até então, os virologistas insistiam em avaliar o eventual efeito anti-viral em antibióticos, então disponíveis. Obviamente que o insucesso desta abordagem foi imenso, até que em 1957, Isaacs e Lindenmann descrevem o interferon e seu efeito no vírus da hepatite-B. As viroses provocam doenças severas e graves como varíola, poliomielite, influenza (e.g. gripe da ave), hepatite, AIDS entre outras, e podem ser controladas de forma preventiva através de vacinas, em alguns casos, nossa Linha do Tempo da Química Medicinal não se ocupará desta vertente pois nossa vocação são somente os fármacos.
A quimioterapia anti-viral começa em 1959, com o idoxuridine (IDU), que é o 5-iôdo-2’-deoxyuridina (Figura), análogo sintético de nucleosídeos sintetizado nos laboratórios de William Herman Prusof (1920-2011) na Universidade de Yale, EUA. Este fármaco descoberto pelo “pai da quimioterapia viral” e se mostrou efetivo para o controle do vírus Herpes simplex (HSV), sobretudo em infecções de pele. Considerado um potente agente citotóxico, foi adotado para uso tópico, sendo empregado até hoje. Alguns anos depois, em 1964, surge a vidarabina (Ara-A), anti-viral descoberto Stanford Research Institute, sintetizado por Bernard R. Baker “copiando” a estrutura de dois nucleosídeos isolados de uma esponja caribenha (Tethya crypta)     que possuia uma sub-unidade arabinosídica no lugar da clássica ribose. A vidarabina é uma substância nucleosídica modificada, sendo um híbrido entre os nucleosídeos clássicos que contém ribose e aqueles isolados do organismo marinho. A clássica ribose foi substituída pela arabinose dos glicosídeos marinhos. Este fármaco antiviral, foi um dos primeiros que pôde ser empregado sistemicamente devido ao seu reduzido perfil tóxico. É ainda nesta época que surge a amantadina e uma molécula irmã, a rimantadine, ambas possuindo um sistema biciclico adamantânico, que se mostraram eficazes no tratamento da influenza, sendo um dos primeiros fármacos antivirais não–nucleosídicos, atuando ao nível de proteínas virais envolvidas no processo de replicação. O combate à influenza empregando estes fármacos permitiu identificarem-se a capacidade de desenvolvimento da resistência viral. Inúmeros estudos posteriores culminaram, em 1993, no surgimento dos fármacos antivirais inibidores de neuroaminidase (NA), como veremos infra.
Em 1970, Sidwell e colaboradores, trabalhando na empresa ICN Pharmaceuticals Inc.   sintetizaram a ribavirina, primeiro fármaco antiviral com amplo espectro de ação, ativo em várias famílias de vírus RNA e DNA. Vale mencionar que não se identificou desenvolvimento de resistência para este fármaco, indicando, provavelmente, o envolvimento de mecanismo indireto para sua atividade.
A história da origem dos fármacos anti-virais tem um capítulo muito significativo, representado pela descoberta do aciclovir (ZoviraxR), realizada pela Dra Gertrude Belle Elion (1918-1999),  nos laboratórios da Burroughs Welcome nos EUA e Welcome na Inglaterra. A contribuição da Dra Elion à Química Medicinal foi imensa pois seu nome está ligado a descoberta de vários fármacos: inter-alia 6-mercaptopurina para leucemia; azatioprina, imunosupressor; alopurinol, para o trtamento da gôta; pirimetamina, para a malária; trimetoprim, para infecções bacterianas). Por esta magnífica contribuição a Dra Elion foi indicada ao prêmio Nobel de Medicina, em 1988, compartilhando-o com seu colega de laboratório George H. Hitchings (1905-1998) e com Sir James W. Black (1924-2010), inventor do propranolol descrito na parte V desta Linha do Tempo da Química Medicinal. A descoberta do aciclovir marca o surgimento da segunda geração de análogos de nucleosídeos, sendo este fármaco o mais seguro da classe, com primeira indicação para do tratamento da infecção por HSV. Cabe mencionar que o prefixo a, representa a ausência do ciclo furanosídico da ribose do nucleosídeo, e a despeito desta dissimilaridade molecular, este fármaco é fosforilado por timidino-quinase viral resultando no mono-fosfato que por ação de outras quinases virais produz o tri-fosfato de aciclovir, ativo sobre a DNA-polimerase do HSV.
Nos anos 80, com a quimioterapia antiviral já bem estabelecida, surge um novo e tremendo desafio, representado pela descoberta do vírus da síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA = AIDS). Este vírus, da classe dos retrovírus (HIV) foi descoberto em 1983 e descrito numa publicação na revista Science (DOI: 10.1126/science.6189183) por Luc Montagnier, Françoise Barré-Sinouss  e colaboradores, do Instituto Pasteur, FR, o que valeu a estes pesquisadores o prêmio Nobel de Medicina, em 2008. O primeiro fármaco antiviral descrito para a AIDS foi o AZT (azidotimidina), derivado sintético da quimioteca da Burroughs Wellcome, Inglaterra, que foi bioensaiado contra o retrovírus HIV no National Cancer Institute (USA), e descrito em 1985 como inibidor efetivo de retroviruses. O mecanismo de ação do AZT consiste numa fosforilação da hidroxila primária do fármaco por quinases virais, levando ao trifosfato-AZT que é capaz de interagir e inibir a enzima viral transcriptase-reversa (TR), atuando como um agente terminador de cadeia. Após a descoberta do AZT inúmeros outros didesoxinucleosídeos, atuando por este mecanismo foram descritos. Identificaram-se ao nível da TR um sítio alostérico de interação que representaria um novo alvo-terapêutico possível para o combate a AIDS. Após inúmeros esforços de pesquisa nesta área, identificaram-se os anti-virais não-nucleosídicos inibidores de TR (NNRTIs = non-nucleoside reverse transcriptase inhibitors) onde encontram-se nevirapina, delavirdina e efavirenz.


                 Estudos do genoma viral indicaram a existência de protease vírus-específica que poderia, também, representar um novo alvo-terapêutico para o tratamento da AIDS. Desta feita, tratando-se de um mecanismo de ação distinto abria-se enormes possibilidades representando possível tratamento de cêpas resistentes aos TR´i, assim como novas associações e combinações terapêuticas de maior eficácia. Os primeiros inibidores desta aspartato-protease viral surgem em 1995, representado pelo saquinavir, precursor do indinavir (1996) e ritonavir (1996), a seguir surgem o nelfinavir (1999) e amprenavir (1999) e por último o atazanavir (2003). O combate ao HIV ganhou importante recurso quimioterápico representado pelo maraviroc (2007), um novo agente anti-retroviral que atua ao nível de citoquinas (CCR5) presentes nas membranas de células imunoativas humanas, que são reconhecidas pelo vírus e facilitam sua internalização para as células do hospedeiro. Inibindo esta citoquina, previne-se a internalização do vírus prejudicando seu ciclo evolutivo celular.
A Linha do Tempo da Química Medicinal para concluir esta parte relativa aos fármacos anti-virais não pode deixar de mencionar aqueles que são eficazes no tratmento da gripe aviária (vírus H5N1; H1N1, H3N2), atuando como inibidores de neuroaminidase (NA), proteína presente no envelope viral cuja estrutura foi elucidada e teve seu mecanismo de ação esclarecido, regulando a internalização viral, por interação com resíduos de ácido sialíco de membrana de células plasmáticas do hospedeiro. Durante projeto de descoberta racional de fármacos anti-virais, análogos modificados do ácido siálico, levaram à identificação do zanamivir (1989; RelenzaR), primeiro inibidor de NA anti-viral, comercializado pela GSK, a partir de 1993. Embora eficiente, este fármaco, devido à sua baixíssima biodisponibilidade, é empregado por via nasal o que estimulou estudos subsequentes visando a identificação de NAi ativos por via oral. Estes estudos culminaram com a descoberta do oseltamivir (TamifluR), em 2009, que é um pró-fármaco, empregado na forma do precursor éster etílico, que por ação de esterases libera a forma ativa do inibidor competitivo de NA.
           Na próxima parte desta Linha do Tempo da Química Medicinal, a décima, trataremos da descoberta ou invenção dos anti-inflamatórios não esteróides de segunda geração (e.g. celecoxibe).
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