Os fármacos anti-inflamatórios não-esteróides
(AINEs = NSAI's)
A história continua e aplicando
o mesmo princípio da Química Medicinal,
pesquisadores dos laboratórios Ciba-Geigy (atual Novartis) inventam o
diclofenaco, em 1973, fármaco anti-inflamatório não-esteróide comercializado
com os nomes fantasias de Voltaren® e Cataflan®, estruturalmente relacionado ao
ácido meclofenâmico, diferenciando-se deste por ser um derivado homólogo,
linear, pertencendo a classe dos ácidos arilacéticos, com um grupamento
metilênico a mais situado entre a função ácido carboxílico e o anel aromático.
Enquanto isso, nos laboratórios Merck, Sharp & Dohme (MS&D), nos EUA foi
desenvolvido, após extenso programa de pesquisa, o diflunisal, fármaco da
classe dos salicilatos que apresentou o mesmo perfil do AAS. No início dos anos60, T. Y.
Shen, Alfred Burger Professor of
Medicinal Chemistry na Universidade de Virginia, EUA, lê artigo que atribui
propriedades flogísticas à serotonina. Sabendo do caráter básico deste mediador
inflamatório indólico (5-hidróxi-triptamina), formula a hipótese, que se
mostrou acertada, de que ácidos 3-indolil-acéticos podiam possuir propriedades
antiinflamatórias por possuirem propriedades químicas opostas ao mediador
inflamatório endógeno. O Prof. Shen teve a colaboração essencial de um
farmacologista da MS&D, Dr Charles A. Winter, que desenvolveu um protocolo
farmacológico in vivo, o ensaio do
edema da pata do rato induzido por agentes flogísticos, adequado ao screening de novas moléculas com
propriedades antiinflamatórias. Surge no cenário dos fármacos NSAI a
indometacina, em 1963, um diferencial à época para o tratamento de quadros
diversos de inflamações, inclusive crônicos. Devido à presença da função amida,
a indometacina é hidrolisada pela ação de amidases produzindo o ácido
indolil-acético correspondente que é inativo e responsável pelo aparecimento de
disturbios centrais em alguns pacientes. Esta classe terapêutica possui hoje
diversos representantes dos ácidos aril- e heteroarilacéticos dentre os quais
encontram-se o pró-fármaco sulindaco (MS&D, ClinorilR), e os fármacos
etodolaco (Almirall Ltd) e cetorolaco (ACI).
Nesta mesma
época, Dr Steward Adams, trabalhando na empresa Boots em Nottingham,
Inglaterra, cria um bioensaio empregando a radiação ultra-violeta para induzir
uma reação inflamatória em animais de laboratório, que permite avaliar
propriedades antiinflamatórias em uma série de derivados de ácidos para-alquil- e para-arilfenilacéticos que indica o ácido para-isobutilfenil
acético (ibufenac) como sendo quatro vezes mais potente que o AAS. Este
composto é lançado no mercado mas poucos anos após é retirado pelos efeitos
hepáticos que provocava, causando intensa icterícia. Desta forma, o grupo de
pesquisadores da Boots, liderado por Adams, identifica, no análogo ácido
2-fenilpropiônico correspondente, denominado ibuprofeno, o homólogo ramificado do
ibufenac, o primeiro fármaco NSAI da classe dos profenos. O ibuprofeno (Figura 1)
possui em sua estrutura um substituinte iso-butila
em relação para ao término ácido no
anel benzênico mimetizando, com estes quatro átomos de carbono saturados, o
sítio de interação hidrofóbica representados pelos segundos anéis aromáticos
presentes em todos os fármacos ilustrados na figura. Outros fármacos desta
classe são desenvolvidos pelas empresas concorrentes como o naproxeno (Syntex,
1976), cetoprofeno (Rhône Poulenc) mais potente que o protótipo da série, o
benoxaprofeno (1980 - que veio posteriormente a ser retirado) e o fenoprofeno são descobertos pela Eli Lilly, entre outros.
Esta classe de derivados NSAI possui um centro estereogênico, criado pela
substituição de um dos átomos de hidrogênio do grupamento metilênico dos ácidos
aril-acéticos presursores. Com isto esta série homóloga dos profenos é
representada por dois possíveis enantiomêros e sabendo-se que os
alvos-terapêuticos são enantioespecíficos, i.e.
discriminam enantiomêros, reconhecendo a quiralidade do fármaco, não é surpreendente
observar que apenas um dos enantiomêros seja ativo. No caso do naproxeno, o
grupo de pesquisadores liderados por Joseph Fried, na Syntex, identificou o enantiomêro (S) como aquele reconhecido pelo
alvo-terapêutico, i.e. a
prostaglandina-endoperóxido sintase (PGHS), vulgarmente denominada de
cicloxigenase (COX). Desta forma a Syntex passou a comercializar o naproxeno na
forma enantiopura e foi o (S)-naproxeno
o primeiro fármaco NSAI a ser
comercializado como eutomêro, i.e. o
enantiomêro ativo. Posteriormente, identificou-se uma enzima que atua
invertendo a quiralidade dos derivados profênicos, transformando o distomêro, enantiomêro
(R) no isômero bioativo (S) (Figura 2, abaixo).
A história dos fármacos NSAI é longa, pois em 1992
identificaram-se a isoforma 2 da COX e em poucos anos apareceram os coxibes
como a grande esperança para o tratamento de quadros inflamatórios crônicos sem
os riscos associados a irritação do trato gástrico, provocado pelos inibidores
da isoforma 1 até então conhecidos. Este segundo capítulo da história dos
anti-inflamatórios não-esteróides será tratado na próxima parte desta Linha do Tempo da Química Medicinal, a
décima-primeira.
Obrigado por ler.