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domingo, 2 de abril de 2023

Sobre a intuição e a serendipidade em Drug Discovery (DD)

       Há algum tempo, trouxe aqui uma conversa sobre a importância da intuição no processo de inovação terapêutica radical. De fato, procurei me inteirar sobre os eventuais impactos promovidos sobre o processo de Drug Discovery (DD), especialmente no desenho molecular de agentes terapêuticos de diferentes classes agindo por distintos mecanismos farmacológicos de ação. Curiosamente, esta postagem datada de 09 de junho de 2019 (Link), intitulada “Intuição em Química Medicinal”, originou uma publicação - Chemical Intuition in Drug Design and Discovery-  na revista Current Topics in Medicinal Chemistry, 19, (15), 1679-1693 (2019) (DOI) que procurava identificar a motivação da decisão dos químicos medicinais em momento anterior ao avanço da estratégia de desenho molecular baseado na estrutura do alvo terapêutico (SBDD – structure based drug discovery) quando, por exemplo, o grupo de pesquisadores liderados por Black e Ganellin identificaram a estrutura privilegiada da imidazola como anel central diaza aromático da cimetidina, em analogia ao ligante natural dos bioreceptores histaminérgicos do sub-tipo 2. Na mesma linha e talvez mais intuitivo ainda,  tenha sido a eleição do anel central substituído do indol no desenho da indometacina, por Shen e colaboradores nos laboratórios Merck-Sharp Dohmme (MSD), como o primeiro agente anti-inflamatório não-esteroidal (NSAI) atuando como inibidor da ciclooxigenase-1, da classe dos ácidos heteroarilacéticos substituídos. Não foi que pela intuição de Bruce Roth, instigada por sua experiência doutoral na síntese de derivados pirrolícos polisubstituídos, que a equipe dos laboratórios Warner-Lambert incluíram este núcleo na atorvastatina, agente antilipêmico primeiro-da-classe das estatinas, inibidores da 5-HMGCo-A redutase, que foi o fármaco mais vendido mundialmente na história. Estimam os especialistas que este fármaco, recordista mundial em vendas, proporcionando ca. US$ 125 bilhões de dólares à Pfizer, durante o período de proteção patentária esgotado em 2011, ano em que seu faturamento foi de US$ 11 bilhões.



     Estes três medicamentos que elegi para ilustrar a importância da intuição no processo de DD, se contrapõem às descobertas realizadas com a contribuição da serendipidade. Este termo se origina do inglês serendipity que significa literalmente estar-se atento no lugar certo, na hora certa, com a atenção desperta para algo inusitado, conforme aconteceu, em 1928, com Alexander Fleming quando ao retornar de férias ao seu laboratório de microbiologia no Hospital St. Mary, em Londres, Inglaterra, identificou um inesperado halo de inibição do crescimento de bactéria, numa placa de Petri abandonada na pia de lavagem durante o período das férias. Investigando esta ocorrência, Fleming identificou, posteriormente, que havia ocorrido a contaminação por fungo da classe do Penicillum, possivelmente vindo de laboratório vizinho. Esta observação levou à formação de um time de pesquisadores da Universidade de Oxford, liderados por Howard Florey e Ernest B Chain, que isolaram e identificaram a penicilina, contendo o sistema beta-lactâmico, relativo à subunidade bicíclica tioazolidínica. Os três pesquisadores mencionados foram distinguidos com o Prêmio Nobel de Medicina, em 1945. Foi a penicilina a molécula-mãe dos antibióticos, primeiro membro desta classe de autênticos medicamentos salva-vidas!a)[Link]
                                               

       Nesta postagem procurei confrontar os termos intuição versus serendipidade, através fármacos que considero consensual admitir serem mais relacionados a cada um, onde a penicilina ilustrou a serendipidade e a atorvastatina, cimetidina e indometacina, fármacos aza-heterocíclicos sintéticos, a intuição, i.e. intuition-based drug discovery (IBDD). Por fim, considero que teremos mais exemplos de serendipidade em fármacos relacionados aos produtos naturais, enquanto a abordagem IBDD se relaciona mais aos fármacos sintéticos.

       Obrigado por ler.


1.    Para uma revisão atual dos avanços observados nesta classe de medicamentos, sob o olhar da Química Medicinal,  veja: L M Lima, B N M Silva, G Barbosa, E J Barreiro, β-lactam antibiotics: An overview from a medicinal chemistry perspective, Eur J Med Chem 2020, 208, 112829; DOI:10.1016/j.ejmech.2020.112829.







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