Entramos na décima
primeira parte desta Linha do Tempo da
Química Medicinal para registrar a história dos coxibes, fármacos
inibidores da cicloxigenase-2 (COX-2), surgidos no final do século XX, mais
precisamente em 1999, no Brasil, com o celecoxibe. Os inibidores seletivos de
COX-2 foram a grande esperança para o tratamento de quadros inflamatórios
crônicos, sem os riscos associados a irritação do trato gástrico, provocado
pelos inibidores da isoforma 1. Esta parte corresponde ao segundo capítulo da
história dos anti-inflamatórios não esteróides.
Esta classe
de fármacos atua sobre a cicloxigenase (COX), enzima que compete com outras
enzimas oxidativas, como a 5-lipoxigenase (5-LOX), pelo mesmo substrato, o
ácido araquidônico (AA). A oxidação do AA pela COX, leva à formação do
precursor dos icosanóides ou prostaglandinas (PG’s), o endoperóxido de
prostaglandina G2 (PGG2) que após produzir o PGH2,
por redução da função hidroperóxido em C-15 leva às PG’s ditas primárias PGE2
e PGF2alfa. O mesmo intermediário desta cascata biossintética, forma
espécies biciclícas como a prostaciclina (PGI2) e a tromboxana A2
(TXA2), importantes moduladores da homeostase vascular, atuando ao
nível da agregação plaquetária. Enquanto que a PGI2 é capaz de
desagregar plaquetas, a TXA2 é potente agregador plaquetário, sendo
a primeira mais ativa nas próprias plaquetas e o segundo no endotélio vascular.
Não raramente a cascata do ácido araquidônico produz substâncias muito
similares estruturalmente, mas com efeitos biológicos opostos. A PGE2
é um potente agente constritor enquanto que a PGF2alfa possui
propriedades opostas, sendo potente dilatador da musculatura lisa.
Ao
observamos ambas estruturas podemos ver que a única diferença reside no grau de
oxidação em C-9 que na primeira é uma carbonila enquanto que na segunda é um
álcool secundário. A despeito desta similaridade molecular as respectivas
respostas biológicas, distintas, se dão por reconhecimento de diferentes
biorreceptores. Sabe-se que as PG’s regulam muitas funções biológicas, muitas
delas vitais, como participarem do processo de fecundação, do mecanismo celular
de citoproteção a nível gástrico, entre outros, desempenhando importante papel
na fisiologia celular. Como já documentado aqui, na Parte X desta Linha do Tempo da Química Medicinal, o
mecanismo farmacológico de ação do ácido acetilsalicílico (AAS), foi elucidado
por John R Vane (Parte VII desta Linha do Tempo da Química Medicinal) e
colaboradores, como sendo a inibição da COX-1 (única isoforma conhecida à época).
A compreensão do mecanismo de ação deste fármaco centenário ajudou a entender
seus efeitos gastroirritantes, resultantes da inibição da formação de PGE2
no estômago e, em consequência, a redução do mecanismo de citoproteção celular.
No início da década de 90, Daniel L. Simmons e colaboradores,
do Departamento de Química e Bioquímica da Brigham Young University, Utah, EUA,
identificaram uma nova isoforma do complexo enzimático
prostaglandina-endoperóxido sintase (PGHS), denominada cicloxigenase-2 (COX-2).
Esta segunda isoforma foi identificada como sendo uma isoforma induzida, diferenciando-se
da isoforma anteriormente conhecida (COX-1), que era considerada como a isoforma
constitutiva. Esta caracterização funcional indicava que a COX-2 estava
presente em processos inflamatórios, levando a crer-se que sua inibição
seletiva traria benefícios ao tratamento de quadros inflamatórios, crônicos ou
não, por não promover efeitos gastroirritantes. A partir de então vários
laboratórios de pesquisas, de diferentes indústrias farmacêuticas, começaram a
investigar novos padrões moleculares capazes de apresentarem efeitos
inibitórios seletivos sobre esta isoforma induzida da COX. Imediatamente a
empresa G. D. Searle, Skokie, Illinois, EUA, braço farmacêutico da DuPont-Monsanto,
inicia um programa de pesquisas que visava selecionar, em sua coleção de
substâncias antiinflamatórias, compostos que seriam ensaiados como inibidores
de COX-2, empregando clones da enzima. Dentre os compostos selecionados, que
mostraram-se ativos em bioensaios em animais, encontrava-se o DuP-697, derivado
bromodiaril-tiofênico funcionalizado, sintetizado nos idos de 1970, como
análogo estrutural da fenilbutazona, um composto anti-inflamatório e analgésico
conhecido desde 1950 (Geigy) e utilizado na terapêutica com o nome ButazolidinaR.
Esta substância nas mãos dos químicos medicinais da Searle originou o derivado
SC-58612 (Figura), potente anti-inflamatório ativo por via oral em modelos
animais de inflamação, atuando como inibidor seletivo da COX-2. Esta substância
possuía um tempo de meia-vida de 12 dias, o que exigiu a introdução de novas
modificações moleculares para ajustar suas propriedades farmacocinéticas e
permitir seu uso terapêutico com uma posologia adequada. A natureza terfenílica
neste composto, representada pelo sistema N-fenil-5-fenilpirazólico
(em azul na Figura) imitava o sistema diaril-tiofênico do DuP-697, enquanto que
a função sulfonamida assegurava a acidez equivalente a fenóis, distinta daquela
dos ácidos carboxílicos, farmacóforos dos inibidores de COX-1. Imaginava-se que
modulando o pKa dos novos compostos, poder-se-ia favorecer a seletividade
COX-2/COX-1. Desta forma, a modificação molecular eleita, foi a troca do bromo
na posição para do núcleo fenílico em
C-5 do anel heterociclíco, por um grupamento metila, introduzindo uma nova
posição benzílica neste novo composto, reativa ao CYP450, podendo, portanto,
ser um sítio vulnerável à oxidação metabólica de fase 1 favorecendo posterior
conjugação e eliminação, reduzindo o tempo de meia-vida deste novo inibidor
seletivo de COX-2. Assim surge o celecoxibe (SC-58635, CelebraR),
derivado 1,5-diarilpirazólico funcionalizado, que foi lançado no Brasil em
1999, embora tivesse sido descrito por T D Penning e colaboradores, em um
manuscrito no Journal of Medicinal
Chemistry, em 1997 . O celecoxibe exibe potente efeito analgésico,
semelhante à indometacina e ao naproxeno, com índice de seletividade de 30 para
a COX-2 em relação à COX-1 (COX-2/COX-1). Outros coxibes têm maior seletividade
para COX-2 (e.g. rofecoxibe = 120;
etoricoxibe = 106). Em 2001, as vendas mundiais do celecoxibe renderam ca. US$ 3,1 bilhões à Pfizer, que
adquiriu a Upjohn-Pharmacia, a quem a Searle já pertencia.
Estudos com as duas isoformas de COX indicaram a mesma
afinidade pelo ácido araquidônico, substrato natural; um elevado grau de
homologia, superior a 85% e ao nível do sítio catalítico ciclooxigenase
pequenas variações em alguns amino-ácidos. Vale mencionar que a COX tem duas
atividades enzimáticas: uma oxidativa, dita cicloxigenase e outra peroxidase,
que reduz o hidroperóxido a álcool em C-15. A diferença observada no sítio cicloxigenase
reside, por exemplo, na presença de um resíduo valina na posição 523 da COX-2,
enquanto que a COX-1 tem um resíduo isoleucina nesta posição. Esta diferença
representada apenas pela presença de um grupamento metila a mais no sítio da
COX-1, uma vez que valina e isoleucina são amino-ácidos homólogos lineares, com
a valina tendo a fórmula C5H11NO2, enquanto
que a isoleucina C6H13NO2, faz com que a
isoforma 1 tenha uma cavidade menor no sítio catalítico cicloxigenase,
resultado da presença do amino-ácido de maior volume molecular, enquanto que no
sítio de reconhecimento molecular equivalente da COX-2, pela presença do amino-ácido
isoleucina de menor volume molecular, haja uma cavidade de interação secundária,
suplementar, com maior tolerância estérica (Figura). Estas diferenças
estruturais explicam a seletividade dos coxibes pela isoforma 2, pois, em geral
são fármacos de maior volume molecular devido ao sistema terfenílico que
possuem.
Os coxibes
representaram importante capítulo na terapia das doenças inflamatórias. Entretanto,
as expectativas originais não foram correspondidas, pois a COX-2 mostrou-se uma
isoforma constitutiva no músculo cardíaco, o que provocou a retirada do mercado
de praticamente todos os coxibes muito seletivos. Assim que o rofecoxibe (VioxxR),
foi retirado pela Merck, em 2004, e o etoricoxibe (ArcoxiaR), também
da Merck, ganha um aviso de alerta da agência regulatória norte-americana, Food
Drug Administration (FDA), em 2007. Em termos estruturais, vale registro que
ambos são derivados que apresentam como substituintes da posição para de um dos fenilas da sub-unidade do
tipo terfenílica, grupamentos metilsulfona (em vermelho na Figura das
estruturas) no lugar da função sulfonamida que ocorre no celecoxibe, o que pode,
de alguma forma, estar contribuindo nestes dois fármacos para a maior seletividade
vis-à-vis a COX-2 e provocando maior
risco de acidente cardíacos ou, alternativamente, a ausência do grupamento para-fenilsulfonamida pode estar reduzindo
a afinidade destes fármacos por outros alvos terapêuticos possíveis, visto que,
por exemplo, derivados aril-sulfonamídicos como o celecoxibe, são reconhecidas
por isoformas da monoaminoxidase (MAO).
Recentemente,
o celecoxibe foi reconhecido como sendo clinicamente eficaz para reduzir o
progresso da doença de Alzheimer, assim como de controlar a evolução de determinados
tipos de câncer, indicando que, muito provavelmente, seus efeitos terapêuticos são
além da COX-2 o que nos permite considerá-lo como um fármaco multi-alvo. Desta
forma, estudarem-se novos derivados modificados deste fármaco, pode representar
a identificação de novos recursos terapêuticos para o tratamento, mais
eficiente, de doenças crônicas não transmissíveis, validando a afirmativa de Sir James Black, inventor do propranolol
e cimetidina (Parte VI desta Linha do
Tempo da Química Medicinal) que dizia: “... para se descobrir um novo
fármaco, nada melhor do que começar por um fármaco conhecido”.
Na próxima
parte desta Linha do Tempo da Química
Medicinal: assim nascem os fármacos, estaremos na décima segunda e iremos
tratar dos inibidores de tirosina-quinases (TK´s), fármacos anticâncer que representaram
a última inovação terapêutica do século XX.
Obrigado
por ler.