O impacto dos números de pessoas infectadas não para de crescer
dia a dia e no momento em que escrevo já ultrapassou 1 milhão de infectados com
ca. 70.000 óbitos no mundo [link].
A capacidade de contágio deste vírus surpreendeu muitos especialistas e os políticos
responsáveis pelas medidas de saúde pública dos diferentes países, que o
subestimaram. No Brasil a pandemia tem se mostrado bastante severa com ca.
11.500 infectados e ca. 490 mortos, nesta data e os esforços de todos
tem ajudado no controle da velocidade de contágio.
Infelizmente ainda não dispomos de armas terapêuticas –
medicamentos ou vacinas – para seu combate, o que agrava sua periculosidade e
letalidade. Surgem diariamente relatos de substâncias que teriam demonstrado
efeitos sobre o nCoV-19, mas sem a necessária comprovação de eficácia e
segurança. A primeira menção foi a cloroquina (1) e a hidroxicloroquina (2)
[Liu, J, et al., Hydroxychloroquine, a less toxic derivative of chloroquine, is
effective in inhibiting SARS-CoV-2 infection in vitro. Cell Discov 2020,
6, 16 (2020). https://doi.org/10.1038/s41421-020-0156-0] . Esta
última com indicação terapêutica para tratamento de quadros inflamatórios
crônicos (e.g. artrite reumatoide), sendo classificada como um fármaco
que modifica o quadro da doença reumática do paciente. A cloroquina, que lhe
originou, é um fármaco com indicação original de antimalárico, que foi
descoberta nos idos de 1939, a partir de informações obtidas dos soldados
alemães capturados pelas forças militares aliadas no norte da África, durante a
II Guerra Mundial. A partir destas informações
a santoquina (3) foi identificada como princípio ativo e estudada nos EUA até se
chegar à cloroquina. Este fármaco se enquadra na classe dos derivados
4-aminoquinolínicos, subunidade inspirada na quinina (4), alcaloide majoritário
de Cinchona officinalis, árvore sul-americana utilizada pelos nativos
locais como antifebril, quando da colonização espanhola da América do Sul. A
despeito de ser um medicamento antigo, a cloroquina tem sido investigada continuamente
ao longo do tempo para novas eventuais indicações. Existem relatos de ensaios
da cloroquina para 137 alvos-terapêuticos distintos, sendo um exemplo do
interesse dos grupos de pesquisas, empresariais ou acadêmicos, que se dedicam à
reposição de fármacos.
Os efeitos da cloroquina e da hidróxicloroquina sobre o nCoV-19 ainda
não foram suficientemente comprovados e são bastante debatidos na literatura,
comum e especializada. Alguns relatos indicam seus efeitos em pacientes com SRAS-nCoV-19,
mas foram objeto de ensaios em pequeno número de pacientes, visto a dimensão
alcançada pela pandemia no mundo, não sendo, portanto, validados. Outros
relatos dedicam-se a estudos do uso destes derivados quinolínicos associados a
outros fármacos antivirais, também estudados sobre o nCoV-19, como ribavarina, favipiravir
[T-705], remdesivir [GS-5734], galidesevir [BCX4430].
Atualmente inúmeros grupos de pesquisa ao redor do mundo (e.g.
Li G, De Clercq E., Nature Rev Drug Discov. 2020 (March 2020) v. 19, p.
149-150) estão estudando tenazmente várias abordagens terapêuticas possíveis
para combater o nCoV-19, investigando possíveis alvos virais (e.g.
3-quimiotripsina-like protease; papaína-like protease; helicase; DNA
polimerase; glicoproteína de superfície
spike [proteína S]), essenciais ao ciclo evolutivo do nCoV-19 (e.g. Yan, R. et al. Structural
basis for the recognition of SARS-CoV-2 by full-length human ACE2. Science,
2020, (27 March 2020) v. 367, # 6485, p. 1444–1448), seja utilizando moléculas
conhecidas ou inéditas, estas desenhadas in sílico a partir dos estudos computacionais
com as estruturas 3D dos alvos, quando disponíveis. Alguns autores estimam que
temos ca. 180 novas publicações semanais, sobre os diferentes aspectos
do nCoV-19, algumas oriundas de laboratórios brasileiros.
Cabe menção a publicação recentemente feita por Liu e
colaboradores (ACS Cent. Sci. 2020, 6, 315-331) do Chemical Abstract
Service (CAS), uma divisão da American Chemical Society, que reuniram neste
trabalho as informações publicadas sobre nCoV-19, incluindo as patentes e as substâncias
disponíveis no CAS.
Obrigado por lerem.