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domingo, 18 de dezembro de 2011

Linha do Tempo da Química Medicinal: assim nascem os fármacos (Parte VI)



Nesta nossa Linha do Tempo da Química Medicinal atingimos a sexta parte e vamos tratar da invenção da cimetidina, inovação terapêutica que originou todos os antagonistas seletivos H2 para o tratamento e prevenção da úlcera péptica.


Em 1964, Bjorn Folkow e Georg Kahlson, trabalhando em Gottemburg, Suécia, publicam seus resultados de pesquisas obtidos durante ensaios com derivados sintéticos da histamina, apresentando substituintes alquila no anel heterocíclico imidazólico, descrevendo diferentes respostas sobre distintos tecidos e concluindo sobre a existência de mais de um tipo de receptores histaminérgicos. Nesta mesma época, Sir James W. Black que estava ingressando nos institutos de pesquisa da Smith, Kline e French (SK&F), em Welwyn, Inglaterra, após estada de sucesso na ICI, que resultou na invenção do propranolol (Parte V desta Linha do Tempo da Química Medicinal), postula a hipótese de que os conhecidos compostos anti-histamínicos, à época, não atuavam no controle da produção de suco gástrico provavelmente por não terem afinidade pelo sub-tipo de receptores, predominante no estômago. Os biorreceptores sensíveis aos anti-histamínicos conhecidos, ganharam a denominação sub-tipo H1, enquanto aqueles do estômago seriam denominados H2, hoje classificados entre os receptores acoplados a proteína G (GPCR´s). Em 1966, Black, William A. M. Duncan e Michael E. Parsons desenvolvem um modelo farmacológico capaz de detectar os efeitos de substâncias na inibição da produção do suco gástrico, em ratos anestesiados. A esta época, Charon Robin Ganellin, que retornava de um pós-doutoramento nos laboratórios de Cope nos EUA, passa a liderar o grupo de químicos medicinais da SK&F, que conta ainda com Graham J. Durant e John C. Emmett e inicia estudos de síntese de análogos da histamina incluindo na cadeia etil-amina a função guanidina, tema da especialidade de Durant. Após bioensaiar 200 derivados imidazólicos modificados, o composto guanilhistamina (-NH-C(=NH)-NH2) apresentou propriedades inibidoras da produção de suco gástrico induzidas por histamina, embora consideradas insuficientes e atribuídas à semelhança estrutural com a própria histamina, agonista natural dos receptores, visto a possibilidade de ionização do término da cadeia etílica deste derivado assim como ocorre com a histamina. Objetivando aumentar as propriedades inibitórias da produção do suco gástrico nos novos análogos, Emmett decide “diferenciar” estruturalmente ainda mais este composto inicial da histamina e obtém um isóstero do derivado guanilhistamina, com diferentes propriedades ionizáveis, trocando um átomo de nitrogênio do grupo guanidila, por um enxofre. Este composto N-metiltioureídico (-NH-C(=S)-NH-CH3) apresentou, como esperado, propriedades inibidoras da produção de suco gástrico induzidas por histamina. Observando esta melhora de atividade para o isóstero tioamídico, novas alterações moleculares foram imaginadas, sempre aumentando a diferença estrutural com o agonista natural, não seletivo. Desta feita, um aumento da cadeia lateral foi introduzido, visando distanciar o sítio ionizável terminal, do anel imidazólico. O novo bis-homólogo, denominado burinamida (Imidazolil-(CH2)4-NH(C(=S)NH-CH3; Nature 1972, 236, 385), apresentou-se como o mais eficiente dentre todos os derivados bioensaioados em termos de potência. Entretanto, quando administrado por via oral, mostrou-se desprovido de efeitos significativos, frustrando a equipe de Ganellin, mais uma vez. Objetivando superar esta limitação, decidem introduzir grupos alquila no anel imidazólico (Im) visando reduzir a tautomeria do sistema heterocíclico, eventualmente responsável pelo reconhecimento molecular diferenciado entre os dois sub-tipos de biorreceptores da histamina conhecidos à época, além de também modificar o sítio protonável deste sistema heterocíclico. Fruto desta estratégia nasce a metionamida (veja figura), em 1970, apresentando um grupamento metila no C-5 do sistema imidazólico e um átomo de enxofre isóstero do segundo metileno da cadeia butílica da burinamida. Este novo bioisóstero apresenta as propriedades desejadas sendo desta feita ativo per os. Infelizmente foi observado durante a fase de ensaios clínicos, que esta substância induzia desordens sanguíneas severas, que embora reversíveis, inviabilizaram seu uso terapêutico. Convencidos de que a natureza polar terminal na cadeia lateral devia ser mantida, Ganellin e seus colaboradores modificaram a função tiouréia, introduzindo outros grupos polares como o nitro. Assim o derivado com a unidade nitrovinila (-NH-C(=CH-NO2)-NHCH3) ou cianovinila (-NH-C(=CH-CN)-NHCH3) terminal, foram obtidos e se apresentaram bastante eficazes sem toxicidade. Desta feita, a limitação encontrada dizia respeito à baixa solubilidade aquosa o que dificultava, significativamente, o escalonamento sintético destes compostos de difícil purificação por cristalização fracionada (etanol-água), sendo portanto, novamente modificados estruturalmente, agora pela re-introdução da unidade cianoguanidila terminal (-NH-C(=N-CN)-NHCH3), presente nas primeiras séries investigadas. Este novo composto se mostrou eficaz, ativo por via oral, com adequada seletividade e atendeu todos os requisitos necessários a seu escalonamento sintético. Esta substância não apresentou toxicidade e foi denominada cimetidina. Como curiosidade cabe registro a ausência, ao nosso conhecimento, de relatos sobre estudos da estabilidade relativa dos três tautômeros possíveis da função ciano-guanidila terminal ou da configuração preferida do tautômero conjugado, possivelmente favorecido, E/Z da cimetidina.
A introdução terapêutica da cimetidina (TagametR; anTagonista-cimetidine) se dá em novembro de 1976 pela SK&F e revoluciona o tratamento da úlcera péptica, além de inaugurar a era dos fármacos, ditos blockbuster, capazes de superarem a marca de 1 bilhão de dólares americanos em vendas anuais. Várias cópias terapêuticas foram posteriormente introduzidas no mercado, tendo sido a ranitidina (Glaxo-Welcome) a primeira e a que foi capaz de suplantar a molécula pioneira em vendas e, como aquela, também ingressou no time dos fármacos blockbuster.


O Dr Ganellin apresentou durante a décima edição da Escola de Verão em Química Farmacêutica Medicinal, realizada, em 2005, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, conferência onde descreveu sua versão da descoberta da cimetidina. Mais recentemente Ganellin se retirou da indústria e tornou-se docente na University College de Londres estudando novos ligantes para sub-tipos de receptores histaminérgicos (hoje são conhecidos quatro sub-tipos) de onde se aposentou, em 2010, aos 76 anos de idade.
A gênese da cimetidina exemplifica a genialidade de Sir James Black, Prêmio Nobel de Medicina, em 1988 (Parte V desta Linha do Tempo da Química Medicinal) e consolida a abordagem racional para planejamento de novos fármacos baseada na estrutura dos ligantes dos alvos terapêuticos (ligand-based drug discovery), estratégia da Química Medicinal que permitiu a invenção de fármacos inquestionavelmente inovadores que se tornaram essenciais à terapêutica, além de consagrar também a multidisciplinaridade do processo de inovação em fármacos, especialmente o casamento Química Medicinal e Farmacologia.


Na próxima parte desta Linha do Tempo da Química Medicinal, trataremos da invenção dos inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA) exemplificados pelo captopril.
Desejo a todos um muito próspero 2012.


Obrigado por lerem.

sábado, 10 de dezembro de 2011



Nesta nossa Linha do Tempo da Química Medicinal atingimos a quinta parte e vamos tratar da invenção do propranolol, primeiro fármaco anti-hipertensivo atuando como antagonista seletivo de receptores tipo-beta da adrenalina.
As doenças cardiovasculares (DCV) são responsáveis por inúmeros óbitos, sendo consideradas uma das mais importantes doenças crônicas não transmissíveis. Estima-se que as DCV mataram mais de 18 milhões (2009) de pessoas no mundo, podendo vitimar 24 milhões em 2030, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS). Estes elevados índices de mortalidade têm inúmeras causas que se agravam com o estilo de vida atual da sociedade ocidental exigindo atenção redobrada dos sistemas públicos de saúde no mundo. O uso de medicamentos ditos beta-bloqueadores representam, até hoje, importante instrumento de controle destas patologias associadas a hipertensão e à época do seu lançamento, em 1964, o propranolol pode ser considerado como marco na inovação terapêutica, tendo modificado a face da medicina cardiovascular.


A história começa por volta da metade do século passado quando os laboratórios Eli Lilly, em Indianópolis, EUA, iniciaram projetos de pesquisas visando obter medicamentos que atuassem ao nível da resposta fisiológica da adrenalina, como bronco-dilatadores. Neste contexto, John Mills, um químico orgânico da Divisão de Síntese Orgânica, sintetizou alguns análogos modificados da adrenalina, entre eles o derivado com substituinte isopropila na função amina secundária terminal, denominado isoproterenol. Este derivado com grupamento estericamente mais volumoso do que a substância original, foi posteriormente modificado ao nível dos substituintes hidroxilados do sistema catecolíco, substituídos por dois átomos de cloro, invertendo a natureza hidrofílica da catecolamina fisiológica, motivado pela busca de propriedades anti-adrenérgicas no novo análogo. Este derivado, número 20255 e denominado dicloroisoprenalina (DCI), foi estudado nos laboratórios de farmacologia liderado por Irwin Slater, que descreveu suas propriedades anti-adrenalina, em 1958, numa publicação feita com co-autoria de C. E. Powell no Journal of Pharmacology and Experimental Therapeutics (JPET). Os autores não fizeram nenhuma menção aos sub-tipos de receptores adrenérgicos descritos por Raymond Ahlquist, dez anos antes. Aliás, a teoria de adrenoreceptores duais de Ahlquist, foi duramente rejeitada numa primeira tentativa de publicá-la no JPET, editado pela Sociedade Americana de Farmacologia e Terapêutica Experimental, o que o levou a submeter seu manuscrito ao American Journal of Physiology que o publica, em 1948. À época havia uma tendência nos farmacologistas, influenciados por Clark, Gaddum, Ariens, entre outros, em investigarem apenas os efeitos das substâncias sobre receptores, sem maiores preocupações com os sub-tipos. Ao contrário, Ahlquist aborda o tema dos receptores em seus estudos, simpático ao estilo de Ehrlich, que já havia sugerido distinção entre biorreceptores anos antes. Isso o levou a reconhecer e propor, pioneiramente, a natureza alfa e beta dos sub-tipos de receptores adrenérgicos, podendo ser considerado o pai da farmacologia cardiovascular.

Em 1957, numa conferência apresentada na reunião anual da Federação Americana de Sociedades de Biologia Experimental, ocorrida em Chicago, Slater anuncia os resultados dos efeitos do DCI na resposta adrenérgica, que estariam publicados um ano após. Nesta ocasião, estava presente na plateia Neil Moram, Chefe do Departamento de Farmacologia da Emory University que, adepto da teoria dual de Ahlquist, pede a Slater amostras do DCI para estudar em seu laboratório em Atlanta. No ano seguinte, Moran, em colaboração com Marjorie Perkins, publica no mesmo JPET seus resultados, apontando para a seletividade do DCI sobre os receptores beta-adrenérgicos do coração, observados em modelos de cães. Estes resultados chegaram ao conhecimento de James W. Black, médico escocês que, desde o tempo em que lecionava fisiologia na Universidade de Glasgow, se interessava na fisiopatologia da angina e outras doenças cardíacas. Em atividade nos laboratórios da Divisão Farmacêutica da Imperial Chemical Industries (ICI), em Londres, Black se interessava por substâncias que pudessem ter efeitos beta-bloqueadores e ensaia em seus modelos o DCI e alguns derivados sintéticos obtidos por John Stephenson, em 1959, na ICI. Entre estes está o pronetalol, derivado onde o sistema orto-diclorobenzeno do DCI foi substituído por um grupo naftila, comparável em termos de hidrofobicidade e que apresentou importantes propriedades beta-bloquadoras, seletivas, tendo sido ativo por via oral e lançado no mercado para o tratamento da angina. Algum tempo depois, observaram-se em pacientes tratados com o pronetalol, importantes efeitos hipotensores, confirmados em pacientes hipertensos. Ensaios de toxicidade crônica com pronetalol evidenciaram efeitos carcinogênicos que restringiram a indicação do fármaco apenas para pacientes hipertensos em risco de vida. Novas modificações moleculares foram então introduzidas, chegando-se ao composto número ICI 45520, em que aumentaram-se a distância da cadeia hidróxi-etilamina ligada ao anel naftalênico do pronetalol pela introdução de uma sub-unidade oximetilênica (-OCH2), identificando-se o alfa-naftol como matéria-prima de escolha para sua síntese, chegando-se ao propranolol. Desta feita, observaram-se para este novo análogo batizado de InderalR, importantes e seletivas propriedades beta-bloqueadoras, que veio a ser o primeiro fármaco, lançado em 1964, indicado para o controle da hipertensão agindo por este, então novo, mecanismo de ação e representando importante inovação terapêutica. Após o sucesso observado pelo propranolol para o tratamento da hipertensão e arritmias cardíacas, foram inúmeras as cópias terapêuticas (me-too) introduzidas, e melhoradas (me-better) exemplificadas pelo alprenalol, oxprenolol, timolol, entre outros.

A invenção do propranolol, por Black e colaboradores, foi crucial para consolidar as bases moleculares da existência e envolvimento dos biorreceptores nas respostas terapêutica dos fármacos, que até seu surgimento, era matéria polêmica entre os farmacologistas da época. Ademais, sua descoberta também ilustra a importância das ideias de Ehrlich e Fischer na construção do conhecimento em Química Medicinal ao longo do século XX.
Sir James Black, repetiu, alguns anos após, com sucesso, a mesma abordagem que o levou ao propranolol e que podemos definir como abordagem fisiológica - onde os aspectos clínicos da doença a ser tratada orientam a escolha do alvo terapêutico para o futuro fármaco - ao inventar a cimetidina, outro fármaco inovador surgido em 1975, agora no laboratório Smith, Kline & French, na Inglaterra. Este fármaco foi o primeiro antagonista-seletivo de receptores histaminérgicos do sub-tipo 2 com indicação terapêutica para o tratamento da úlcera péptica e que estará na próxima parte desta Linha do Tempo da Química Medicinal.

Por estas marcantes contribuições à terapêutica, Sir James Black foi premiado com o Nobel de Medicina, em 1988, ao lado de Gertrude Belle Elion e George Hitchings, outros brilhantes inventores de fármacos, seus contemporâneos.
Boas Festas e obrigado por lerem.

sábado, 26 de novembro de 2011

A Linha do Tempo da Química Medicinal: assim nascem os fármacos (IV)







Nesta etapa da Linha do Tempo da Química Medicinal: assim nascem os fármacos atingimos a década de 50, a partir de quando surgiram inúmeras inovações terapêuticas significativas, resultado dos avanços importantes observados em várias disciplinas relacionadas à Química ou à Biologia.



Nos idos dos anos de 1954, um químico pós-graduado na Polônia que por trabalhar nos laboratórios de pesquisa da Hoffmann-LaRoche, em Basel, na Suiça, conseguiu fugir da perseguição na Europa, indo para os laboratórios da empresa nos EUA, em New Jersey, descobre o clordiazepóxido, que vem a ser o primeiro fármaco benzodiazêpinico, denominado LibriumR. Ao chegar aos laboratórios americanos da Hoffmann-LaRoche, em Nutley, Leo H. Sternbach decide re-investigar compostos tricíclicos que havia sintetizado como corantes na Universidade da Cracovia, durante seu pós-doutorado. Nestes novos estudos, obtém um novo padrão molecular, inesperado, que evidenciou antigo erro de caracterização estrutural para produtos de condensação entre o sistema benzeptoxidiazina com aminas secundárias. As estruturas dos produtos inéditos desta condensação, foram caracterizadas e evidenciaram um novo padrão de derivados quinazolina-3-óxido, função orgânica até então, mais ou menos rara, para a época. Foram obtidos 40 novos derivados que, em seguida, foram bioensaiados pelo Dr Lowell O. Randall, no laboratório do Departamento de Farmacologia da empresa e não apresentaram as propriedades anti-convulsivantes e sedativas buscadas. Um composto (R0 6-690) dentre aqueles sintetizados, ficou esquecido na bancada do laboratório de química durante vários meses e um determinado dia , por ocasião de uma faxina, foi sugerido enviá-lo para testes biológicos. Poucos dias após, Randall comunica a Sternbach o atraente perfil tranquilizante do novo derivado testado, assemelhado à clorpromazina, sintetizada por Paul Charpentier dos laboratórios Rhône-Poulenc e investigada por Henri Laborit, em 1951. O novo derivado de Sternbach mostrava-se extremamente ativo a nível do SNC como tranquilizante desprovido de efeitos tóxicos. Estes resultados estimularam os estudos com este derivado que veio a ser patenteado em maio de 1958, e lançado com o nome fantasia de LibriumR em 1961, sendo o primeiro hipno-tranquilizante da classe dos benzodiazepínicos, com dezenas de representantes atualmente. Nos laboratórios de Sternbach foram descobertos muitos outros benzodiazêpinicos como o diazepam (ValiumR), em 1963, um autêntico campeão de vendas que rendeu várias centenas de milhões de US dólares a Hoffmann-LaRoche.

Após a enorme contribuição da Química de Produtos Naturais nos primórdios da Química Medicinal, observam-se significativos avanços na Farmacologia, que evidenciaram o provável papel da serotonina na fisiopatologia do processo inflamatório agudo. Nesta época, o Dr T. Y. Shen, nascido na China, em 1924, trabalhava na Universidade de Virginia, onde ingressou como pós-doutor e acabou sendo docente na cátedra Alfred Burger de Química Medicinal, observou que ácidos 3-indolilacéticos sintéticos, com que trabalhava à época, poderiam, devido às propriedades químicas antagônicas à 5-hidroxitriptamina, substância da classe das 3-indoliletilaminas, hidroxilada em C-5 (serotonina), apresentar efeitos anti-serotoninérgicos, eventualmente úteis no controle do processo inflamatório. A partir desta hipótese foram preparados cerca de 350 derivados indólicos desta classe que foram bioensaiados, destacando-se o composto MK-665, desenvolvido nos laboratórios de pesquisa da Merck Sharp & Dohme (MSD) em Rahway, New Jersey, EUA, e que veio a ser denominado posteriormente de indometacina e lançado como anti-inflamatório em 1962. Este importante fármaco abre a classe dos antiinflamatórios não-esteróides (AINES) e origina uma série de outros fármacos me-too inspirados neste ácido 3-indolilacético, representados pelos ácidos heteroaril acéticos e alfa-metilacéticos (profenos) além dos oxicams, cujo composto-líder foi o piroxicam (FeldeneR) descoberto, posteriormente, por Joseph Lombardino, da Pfizer, e que vieram a compor a classe dos medicamentos anti-inflamatórios considerados AINEs de primeira geração. O Prof. Shen foi o primeiro ganhador do prêmio de Medicinal Chemistry Award, instituído pela Divisão de Química Medicinal da Sociedade Americana de Química e pela Glaxo Smith Kline (GSK), em 1978, pela significativa contribuição dada à Química Medicinal, representada pela descoberta da indometacina e do sulindaco, bioisóstero desenhado para contornar a biolabilidade metabólica da função amida, presente na indometacina e associada à formação de metabólitos pró-alucinogêncicos em alguns pacientes e uso contínuo.

Cabe registro que para bem avaliar as propriedades farmacológicas de seus derivados sintéticos, Shen teve a colaboração do Dr Charles A. Winter, farmacologista que criou e desenvolveu o ensaio do edema induzido na pata do rato por carragenina, no Merck Institute for Therapeutic Research (MSD), em 1961, que viabilizou a descoberta da indometacina. À época, os anti-inflamatórios não esteróides disponíveis, pertenciam à classe dos derivados fenilbutazolidinodiônicos (fenilbutazona e oxifenilbutazona), inventados em 1952, nos laboratórios da Geigy Company, na Suiça, e ácidos antranílicos funcionalizados (ácidos fenâmico, meclofênamico), inspirados no AAS, estudados e desenvolvidos na Parke-Davis, EUA, no período de 1955.

Na próxima parte, a quinta, desta Linha do Tempo da Química Medicinal: assim nascem os fármacos, trataremos das descobertas/invenções dos fármacos inovadores nascidos na década de 60, onde destacam-se os bloqueadores beta-adrenérgicos representados pelo propranolol.


Obrigado por ler.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

A Linha do Tempo da Química Medicinal: assim nascem os fármacos (III)



A descoberta da penicilina promoveu o desenvolvimento da quimioterapia e inúmeros e diversos antibióticos se somam na composição do atual arsenal terapêutico. Além da diversidade química destas substâncias bioativas, em termos moleculares, vários são seus os mecanismos farmacológicos de ação. Ao lado dos antibióticos, outros fármacos são classificados como qumioterápicos e entre estes estão os fármacos oncológicos, onde se encontram os antibióticos anti-câncer, como as antraciclínas, e destacam-se a daunomicina (daunorubicina) descoberta nos laboratórios Farmitalia na cidade de Milão, Itália, por Aurelio Di Marco, em 1962, isolada do fungo Streptomyces peucetius e seu derivado 14-hidroxilado, adriamicina, que podem ser consideradas as moléculas pioneiras desta classe de agentes oncológicos.

Os fármacos anticâncer são diversos em termos moleculares e em mecanismos de ação, sendo que algumas classes terapêuticas como aquela das mustardas nitrogenadas, classificadas como anti-metabólitos, resultaram da aplicação de conceitos da Química Medicinal que permitiram a troca do átomo de enxofre de temidas armas químicas empregadas na primeira guerra mundial, por átomos de nitrogênio, levando aos cloridratos de halo-etilaminas, na primeira metade do século XX. Foram os trabalhos pioneiros de Louis Goodman, Alfred Gilman e colaboradores que permitiram a identificação das propriedades anticâncer desta classe de fármacos por volta da primeira metade do século XX.





A descoberta dos alcalóides da Vinca como agentes anticâncer resultaram dos estudos feitos com extratos de Catharanthus roseus (L.) para identificar as alegadas propriedades antidiabéticas desta planta, conhecidas pelos etnobotânicos. O isolamento de derivados indólicos diméricos, denominados vincristina e vinblastina, estruturalmente relacionados, diferenciando-se entre si pelo grau de oxidação de um grupo N-metila, que ganharam a indicação terapêutica para uso no tratamento de diferentes leucemias e linfomas. A importância da descoberta dos derivados da Vinca como fármacos anti-câncer reside também, na motivação que representaram para a criação de um extenso denado programa de pesquisas, nos anos 50, no National Cancer Institute (NCI) dos EUA, visando a identificação de propriedades antitumorais em extratos vegetais, coordenado por Jonathan Hartwell, químico orgânico que organizou a implantação e execução deste programa de pesquisas, a que o Departamento de Agricultura norte-americano se associou, viabilizando acesso a mais de 30000 extratos vegetais. Este programa resultou na criação do Cancer Chemotherapy National Service Center (CCNSC), em 1955, e foi responsável pela descoberta de diversos fármacos anti-câncer como os derivados semi-sintéticos oriundos da podofilotoxina, etoposido e tenoposido, além da identificação dos taxóides representados pelo paclitaxel (Taxol), da camptotecina que também inspirou série de fármacos análogos (e.g. tenotecam).





O paclitaxel (Taxol), tem uma estrutura química muito original que representou importante desafio científico para sua elucidação, por sua complexidade e originalidade. Combina em sua biossíntese isoprenóide, a incorporação de resíduo de aminoácido a-hidroxilado, fato raro em derivados terpênicos. Este desafio foi vencido por Monroe Wall e Mansuhk Wani, no Laboratório de Produtos Naturais do Research Triangle Park (RTT), na cidade de Chapell Hill, na Carolina do Norte, EUA, em 1971. O Taxol além de sua estrutura química original evidenciou um novo mecanismo de ação anti-tumoral conforme elucidado por Susan Horwitz, em 1978, no Departamento de Farmacologia Molecular do Albert Eisntein College of Medicine, Nova Iorque, EUA, bloqueando a depolimerização de microtubulos, importante etapa do processo de multiplicação celular. A reduzida abundância natural deste terpeno pentaciclíco, representou importante desafio aos químicos orgânicos sintéticos que descreveram sua síntese total nos anos 70. Kyriakos C. Nicolaou do Scripps Research Institute, Califórnia e Robert Holton da Universidade Estadual da Flórida, e colaboradores, descreveram duas sínteses totais, multi-etapas, para o Taxol. Um eminente pesquisador francês, Pierre Potier, do Institut de Chimie des Substances Naturelles, em Gif-sur-Yvette, coordenou importante projeto de pesquisas interinstitucional, que viabilizou a descoberta de novo taxóide anti-câncer, docetaxel (Taxotere) um derivado semi-sintético obtido como intermediário durante estudos da hemi-síntese do Taxol a partir de um derivado taxânico natural, vinte vezes mais abundante e estruturalmente mais simples que o Taxol, 10-desacetil baccatina-III (10-DAB), isolado de Taxus baccata. Estes estudos sintéticos que originaram o docetaxel, foram realizados na Université Joseph Fourrier, em Grenoble, pelo grupo de Andrew E. Greene e contou com a participação do Dr Jean-Noel Denis e alguns estudantes de pós-graduação brasileiros, à época, como Arlene G. Corrêa, que defendeu tese de doutoramento intitulada Synthèse de las chaînes latérales des composés anti-tumoraux taxol et taxotère (maio de 1991) e hoje é Professora Associada do Departamento de Química, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP.





Em dezembro de 1992, trinta anos após a amostra do extrato de Taxus brevifolia ter sido processada e mais de vinte anos após Wall e Wani terem descrito seus resultados sobre o isolamento e a elucidação estrutural do Taxol, a agência reguladora americana Food and Drug Administration aprova o uso do Taxol para o tratamento do câncer de ovário e mama solicitado pelo laboratório farmacêutico Bristol-Meyers & Squibb, na Europa o Taxotere também tem sua aprovação pelo EMEA, algum tempo depois, sendo ambos fármacos exemplos de sucesso de programas de pesquisa interinstitucionais de longo prazo como exige a inovação farmacêutica. Cabe registro, também, o exemplo que paclitaxel e captotecina nos deram quanto a descoberta de fármacos de origem natural mesmo considerando-se que o uso por via oral não é sempre viável, a originalidade estrutural reserva, ao menos nestes dois exemplos, novidades em termos de mecanismos farmacológicos de ação que estimulam o planejamento e a obtenção, por síntese ou hemi-síntese, de novos análogos mais eficazes, pela aplicação de princípios e estratégias da Química Medicinal.





Na próxima parte desta Linha do Tempo da Química Medicinal: assim nascem os fármacos, trataremos das descobertas/invenções de importantes fármacos dos anos 60, como o nascimento dos benzodiazepínicos e dos anti-inflamatórios não-esteróides, representados pelo clordiazepóxido e indometacina, respectivamente.




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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Linha do tempo da Química Medicinal: assim nascem os fármacos (Parte 2)



A segunda parte desta linha do tempo, conforme prometido, se inicia com a história da descoberta da penicilina, a molécula mãe da antibioticoterapia.
Em 1928, Alexander Fleming, microbiologista escocês que trabalhava no hospital Saint Mary no bairro de King Cross, em Londres, retorna de férias e observa, numa primeira ronda pelo seu laboratório, que algumas placas de cultura que haviam sido semeadas com estafilococos, apresentavam-se contaminadas por fungos e que haviam se desenvolvidos halos que demonstravam a inibição do crescimento das colônias próximas. Imediatamente mostrou a seu assistente a cultura contaminada por Penicillium, de onde batiza a penicilina. Os resultados destas observações fortuitas de Fleming, foram publicados no Journal of Experimental Pathology, em 1929, mas somente em 1945, foi lançada a penicilina para uso terapêutico. Certamente, à serendipidade de Fleming se somaram os esforços de pesquisa de Ernst Boris Chain e Howard Florey, bioquímicos da Universidade de Oxford que, em 1939, foram capazes de purificar e isolar a penicilina descrita por Fleming anos antes. Os esforços de pesquisa das equipes destes dois pesquisadores, contaram com a expertise de Edward Abraham, outro bioquímico que, pela primeira vez, propôs a estrutura química da penicilina, posteriormente comprovada por Dorothy Hodgkin, química da Universidade de Oxford e pioneira da cristalografia de raios X, premiada com o Nobel de Química, em 1964. A descoberta da penicilina também motivou a premiação máxima para Fleming, Chain e Florey que ganharam o prêmio Nobel de Medicina, em 1945.
A descoberta da penicilina permitiu o nascimento da antibioticoterapia, inspirou os estudos com princípios ativos de fungos que viabilizaram a descoberta das cefalosporinas, antibióticos da mesma classe das beta-lactamas que pertence a penicilina, descritas por Abraham, quem graças a patente obtida criou um fundo de apoio à pesquisa científica na Inglaterra e canalizou mais de trinta milhões de libras esterlinas para a Universidade de Oxford. A Química Medicinal deve muito à penicilina-G, molécula salva-vidas pioneira de Fleming, pois para responder ao desafio de “domesticá-la”, viabilizar seu uso oral e suplantar as cepas resistentes, acumulou-se enorme volume de informações sobre a relação entre a estrutura química e a atividade antibiótica desta classe de fármacos que atingem atualmente a quarta geração. Estudos conformacionais realizados em diversos laboratórios de pesquisa universitários, permitiram a introdução de grupos funcionais que otimizaram o perfil terapêutico desta classe de fármacos. Ademais, graças à penicilina-G aprendeu-se como empregar a via injetável como rota de administração de medicamentos, o controle de técnicas de fermentação em escala, que viabilizaram sua produção industrial e, em conseqüência, seu uso terapêutico, bem como os processos de hemi-síntese de centenas de derivados obtidos a partir do ácido 6-aminopenicilâmico.
O final da última década de 40 foi época de outras importantes descobertas científicas que propiciaram avanço expressivo da Química Medicinal. Em 1948, um farmacologista norte-americano que trabalhava na Universidade da Georgia, publica no American Journal of Physiology um artigo intitulado "A study of the adrenotropic receptors”, onde descreve os dois sub-tipos de receptores adrenérgicos. Este manuscrito revolucionou a cardiofarmacologia e inspirou Sir James W. Black na invenção do primeiro beta-bloqueador seletivo, o propranolol, em 1964. Este fármaco, pioneiro da classe dos beta-bloqueadrores seletivos, representou à época, significativa inovação terapêutica, sendo o primeiro recurso terapêutico para o tratamento e controle da hipertensão arterial, doença crônica não transmissível de elevada morbidade. Esta inovação de Black possibilitou a sobrevida de milhões de pessoas desde então, contribuindo de forma expressiva para a melhoria da qualidade de vida da humanidade.
No último ano desta década Edward Kendall, químico norte-americano, Nobelista em 1950, que chefiava o setor de bioquímica da Clínica Mayo, no Minnesota, foi capaz de produzir algumas miligramas de um hormônio adrenal identificado mais de dez anos antes, como sendo a cortisona. Este hormônio esteróide, posteriormente classificado como glicocorticóide, pode ser considerado, junto com a adrenalina, um dos mais importantes hormônios reguladores de diversos processos fisiológicos. A sua descoberta e elucidação de sua estrutura química, permitiram identificarem-se suas propriedades terapêuticas para o controle de doenças inflamatórias crônicas e, em 1951, a Merck lança no mercado. A posterior identificação de seus severos efeitos colaterais, incluindo a hiperglicemia, resistência à insulina e conseqüente instalação da diabetes, a osteoporose e amenorréia provocada em muitas pacientes além da ansiedade e depressão que provoca estimulou os químicos medicinais da época em estudarem cuidadosamente o efeito da introdução de diversas modificações moleculares na atividade destes análogos sintéticos que culminaram no lançamento de diferentes fármacos sintéticos como a prednisona, dexametasona, triamcinolona, entre outros. A descoberta da cortisona e a elucidação de sua estrutura química estimularam os importantes avanços na química orgânica, especialmente na síntese orgânica que se deram após os anos 50 do último século, e pode ser considerada como o marco-zero da terapia esteróide que propiciou o surgimento dos contraceptivos fruto dos esforços de pesquisa de vários cientistas, dentre eles os químicos orgânicos Russell Marker da Universidade da Pensilvânia e Carl Djerassi da Universidade de Stanford que associados ao fisiologista Gregory Pinkus foram os responsáveis pela invenção da “pílula” que revolucionou o comportamento ocidental.
Deixo para iniciar a parte 3 desta Linha do Tempo da Química Medicinal com os fármacos anticâncer, representados pelos alcalóides da Vinca descritos por Ernest Wenkert, na década de 50.
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sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Linha do tempo da Química Medicinal: assim nascem os fármacos



A Química Medicinal ou Química Farmacêutica é matéria interdisciplinar, dedicada à invenção ou descoberta de novos fármacos. É capaz de tratá-los e compreendê-los a nível molecular, inclusive quanto às distintas contribuições de cada subunidade estrutural à atividade farmacológica e às eventuais propriedades toxicológicas. Considerando que a memória é importante atributo para a compreensão de fatos ocorridos em determinados momentos precisos e que contribuí para o pleno entendimento do estágio atual de uma Ciência e suas tendências futuras, ao traçarmos sua cronologia, através de uma linha do tempo, que não pode deixar de ser arbitrária, entendemos melhor suas origens e aprimoramos nossa capacidade prospectiva. A Figura acima ilustra a Linha do Tempo da Química Medicinal, segundo minha perspectiva e possamos a comentá-la a seguir.

Esta Linha do Tempo da Química Medicinal se inicia pela descoberta do ácido acetilsalicílico (AAS) por Felix Hoffmann, na Bayer, ao final do século XIX. Foi o AAS o primeiro fármaco produzido industrialmente para este fim, podendo, pois, ser o marco inicial desta Linha do Tempo da Química Medicinal. Nas primeiras cinco décadas do século XX tivemos marcantes contribuições científicas de eminentes pesquisadores que foram responsáveis pela construção do primeiro paradigma do que viria a ser a Química Medicinal. Sem nos determos na análise da evolução da Química Orgânica per-se, neste período, identificamos o primeiro Nobelista orgânico, Emil Fischer, 1902, que cunhou o modelo “chave-fechadura”, observa-se que aí nasce a base da Química Medicinal no que se refere a compreensão das interações fármacos-biorreceptores e surge o modelo que fundamentou a concepção de complementaridade molecular que precedeu as bases do reconhecimento molecular do fármaco pelo biorreceptor. Na mesma época outro Nobelista, Paul Ehrlich, 1908, criador do fármaco SalvarsanR indicado para tratamento da sífilis cria a teoria da “bala mágica”, ao afirmar que para cada doença, um fármaco. Estas duas concepções foram mutua e reciprocamente influenciadas e por isso podemos considerar como o primeiro paradigma da Química Medicinal este de Fischer-Ehrlich. Este paradigma governa a concepção da ciência da descoberta de fármacos ao longo do século XX, tanto em laboratórios de pesquisa acadêmicos como industriais. Todos os cientistas envolvidos nesta atividade buscam moléculas que apresentem elevada seletividade pelo alvo-terapêutico.


Na sequência, incluímos as marcantes contribuições de John Dale, farmacologista que no fim da primeira década do século passado que estudou largamente os efeitos adrenérgicos dos alcalóides do Ergot e criou as bases dos sub-tipos de biorreceptores posteriormente caracterizados, em 1948, por Raymond Ahlquist nos laboratórios de Farmacologia da Escola de Medicina da Universidade da Georgia, EUA. Foi devido aos trabalhos independentes destes dois pesquisadores que a possibilidade de intervenção terapêutica seletiva para o controle da hipertensão arterial, seguindo paradigma de Fischer-Ehrlich, foi postulado por Sir James Black que logrou a descoberta do propranolol, em 1964. Como curiosidade vale registrar que esta substância era conhecida e descrita na literatura, mas seu uso como primeiro bloqueador seletivo de receptores beta-adrenérgicos representou autêntica inovação terapêutica com repercussões significativas na redução da morbidade e mortalidade desta doença crônica não transmissível de elevado impacto epidemiológico.


Em 1911, o diretor do Instituto Pasteur, Emile Roux, convida Ernest Fourneau para criar um laboratório de química visando obterem-se novas substâncias de interesse farmacológico no Instituto. Forneau aceita o desafio e cria o Laboratoire de Chimie Therapeutique, primeiro laboratório de Química Medicinal, onde trabalharam nas três décadas seguintes vários eminentes pesquisadores como Jacques Tréfouël, Thèrese Tréfouël, Germaine Benoit, Frederico Nitti e, destacando-se Daniel Bovet, que alcança o prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1957 pelos trabalhos realizados com receptores histaminérgicos. No mesmo laboratório nascem as sulfonamidas, a partir dos estudos do grupo liderado por este pioneiro da Química Medicinal sobre o prontosil rubrum que havia sido identificado em 1935, na Alemanha, por Gerard Domagk, bacteriologista que foi diretor do Laboratório de Bacteriologia e Patologia Experimental da Bayer e foi premiado com o Nobel de Medicina em 1939, tendo sido impedido pelo estado nazista a recebê-lo.

O nascimento da penicilina iniciará a próxima parte desta Linha do Tempo da Química Medicinal.

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sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Docência e Decência

No final do século XI surge a primeira universidade no mundo, precisamente em Bologna, Itália. No início do século seguinte nasce a Universidade de Paris e em seguida a Universidade de Oxford, primeira da Inglaterra a ser criada, em 1096. No século XII nasce a Universidade de Salamanca, primeira espanhola, e a primeira portuguesa aparece em Coimbra no final do século XIII. Observa-se, ao longo dos séculos seguintes a criação de várias outras na Europa e América, em sua maioria vinculadas à Igreja.
A Université de Grenoble, onde me doutorei em 1978, surge neste período, precisamente em 1369, seguindo-se a de Heildeberg (1386), enquanto que a primeira universidade americana foi criada no século XVI em Lima, a Universidad Nacional Mayor de San Marcos, fundada em 1551. No Brasil a primeira universidade nasce com a denominação de Faculdade de Medicina da Bahia, em 1808, que foi incorporada a atual Universidade Federal da Bahia em 1946.
Estes dados indicam que nossas universidades são bem jovens, comparadas com aquelas pioneiras. Mesmo assim, ainda que em processo de amadurecimento, nossas universidades atingiram espantosa produtividade com a capacidade de graduar milhões de estudantes em diversas áreas do conhecimento. Não há nenhuma dúvida sobre a excelente contribuição dada ao desenvolvimento humano por estas instituições no mundo, sendo inúmeras suas fantásticas descobertas que beneficiaram sem número de seres humanos, em todos os cantos da Terra.
Surgiu, em meados do século XIX, nosso sistema formal de pós-graduação que, em tempo recorde consolidou-se, atingindo no fim da primeira década do século XXI a impressionante marca de titular mais de 12000 doutores e 47000 mestres/ano, em praticamente, todas as áreas do conhecimento, contribuindo vivamente para que atingíssemos o excelente índice de produtividade científica, responsável por 2,4% do conhecimento novo planetário, “falando” nosso idioma e colocando-nos em 13º lugar no mundo. Não foram atingidas estas invejáveis marcas, sem trabalho e dedicação de todos aqueles profissionais e estudantes universitários, sempre pautados na precisa e rigorosa liturgia acadêmica, norteada pelo mérito e avaliada pelos pares. Ainda não aprendemos todos os passos deste ritual acadêmico e muitas vezes o atropelamos, talvez por excesso de passionalidade e insuficiente autocrítica, entendendo mais a título pessoal do que devíamos as justas e oportunas críticas que caracterizam a vida verdadeiramente acadêmica de uma instituição universitária, que quando não são feitas pelo próprio, o serão por seus pares, legitimamente motivados pela defesa dos princípios, da liturgia e dos ritos acadêmicos que asseguram a imprescindível credibilidade da meritocracia essencial à vida universitária. Há de se haver extrema atenção na universidade, especialmente, mas não somente, pelos professores, principais espelhos inspiradores dos futuros valores humanos de seus discípulos, na defesa intransigente dos valores éticos em todas suas atividades e deliberações universitárias. Estes espelhos não devem ter lesões, nem manchas, pois sem a lógica da coerência não é possível inspirar valores éticos na juventude. Devemos assegurar, sempre, o exercício da docência de qualidade, com decência e probidade, pois senão estaremos confundindo o exercício da legitimidade com a ética e sabemos todos que nem tudo que é legítimo é ético, assim como a ausência de avisos de proibido não significa que tudo nos seja permitido. A defesa da universidade de qualidade no Brasil passa por aí e todos os eventuais equívocos cometidos nos serão debitados na conta da lisura, da seriedade do rito e da liturgia acadêmica, inegociáveis sob todas e quaisquer circunstâncias sob pena de ferirmos nossa imagem institucional e nunca mais recuperarmos a credibilidade, certamente para sempre perdida.
Eliezer J. Barreiro
Professor Titular – UFRJ

sexta-feira, 29 de julho de 2011


Após corrigir 80 questões de 40 provas de Química Farmacêutica, as últimas deste primeiro semestre de 2011, me dei conta que nunca antes havia tido tantas para corrigir de uma mesma prova. Isto significa que nunca antes, QF tinha tido tantos alunos inscritos em um único semestre. Esta constatação me fez lembrar de como funcionava a universidade na década de 60-70, especialmente quanto ao ensino de Farmácia. Esclareço: me formei em 1971. Cabe registro que a última reforma universitária no Brasil data de 1968 quando os jovens do ocidente viviam tempos ebulicionários (revolucionários em ebulição). Nestes tempos vivíamos no Brasil os ditos “anos de chumbo” em plena ditadura militar e a tal reforma visava, principalmente (segundo aelagaram), re-organizar a hierarquia universitária, excluindo a cátedra e criando como célula mínima desta hierarquia a figura do departamento. Claro que muitos catedráticos viraram Chefes de Departamento, atuando exatamente como antes, embora com uma fachada mais liberal. Também, estavámos no período pós-68...! Embora surgissem top-down os departamentos representaram algum avanço para o sistema universitário brasileiro. Hoje entendo que são estruturas organizacionais esgotadas pelo excessivo corporativismo. Eu sou daquele tempo, quando nasciam os Departamentos. Ingressei na universidade pública do sistema federal após aprovação no vestibular, então completamente discursivo, em todas as disciplinas (se bem me lembro fiz provas de Química, Física, Botânica/Zoologia e Português, não obrigatoriamente nesta ordem), somente com provas eliminatórias, e fui aprovado em décimo lugar. Fiz a Faculdade Nacional de Farmácia e Bioquímica e teria sido Farmacêutico-Bioquímico se a denominação não tivesse sido alterada pela então recente RU que me graduou como Farmacêutico em regime seriado de quatro anos. Concluí em 14º lugar (regredi?), sem nenhuma dependência ou reprovação, embora só tenha logrado aprovação na disciplina de Parasitologia, no segundo ano, em segunda época. Fiz uma habilitação extinta pela RU, denominada “Química Terapêutica” e fomos a última turma a cursá-la. Durava todo o último ano e tinha disciplinas como Fitoquímica, Química Farmacêutica, Bromatologia, Toxicologia e Farmacodinâmica. Vale mencionar que a primeira era oferecida conjuntamente para os mestrandos do Centro de Pesquisa de Produtos Naturais (CPPN) que aliás nasceu e foi criado dentro da Faculdade de Farmácia na Praia Vermelha. Ocupava parte das dependências da antiga cátedra de Farmacognosia e da de Química Orgânica, no segundo e terceiro andares do prédio situado atrás do então Instituto de Microbiologia no campus da Praia Vermelha. Hoje a área deste prédio transformou-se em concorrido e insuficiente estacionamento, demonstrando a força que tem a “civilização do automóvel”. Nesta habilitação aprendi e apreendi muita coisa com excelentes professores (e.g. Affonso do Prado Seabra, Water B. Mors, Therezinha Tomassini, Nuno A. Pereira, Júlio Silva Araújo). Éramos 14 graduandos (se errei foi por mais-ou-menos dois) e graças aos verdadeiros mestres que tivemos como Professores, o que acredito ter sido determinante, muitos de nós, como eu mesmo, nos tornamos professores universitários, após pós-graduações diversas que nos permitiu atuarmos em pesquisa também, em diversos departamentos da própria UFRJ ou em IES de outros estados e mesmo em alguns departamentos de universidades do exterior. Nestes tempos, a carreira do magistério superior federal não tinha tempo integral nem dedicação exclusiva, sendo que para ter o regime de 40 horas semanais e consequentemente, melhor remuneração, cada docente tinha que ter seu plano de trabalho aprovado no departamento de origem e submetido à Comissão Permanente de Tempo Integral e Dedicação Exclusiva (COPERTIDE), vinculada a uma Pró-Reitoria. Como costumo dizer hoje aos meus alunos, nestes meus tempos de estudante universitário não existia xérox... e ainda assim era possível estudar! Também não tinha metrô, micro-ondas, McDonalds, computadores, mas tinha o Angu do Gomes na Praça Quinze, o cinema Rian na avenida Atlântica, o ônibus 13 e o Lamas no Largo do Machado. Os atuais CA´s eram DA´s, i.e. diretórios acadêmicos, que mudaram (perderam?) de status e de denominação na RU que não extinguiu os restaurantes universitários (RU´s). Iniciei um estágio já no segundo ano do curso de farmacêutico (1968) e atuei como monitor na disciplina de Química Orgânica Experimental. Talvez, por ter o laboratório vizinho de porta do CPPN, acabei estagiando lá, aonde terminei fazendo meu mestrado, concluído em 1973, tendo sido a primeira defesa realizada nas dependências do bloco H (segundo andar) do CCS, da UFRJ na ilha do Fundão, atual área do Instituto de Bioquímica Médica e do NPPN. Destes tempos para cá muita coisa mudou. Algumas para melhor (quantas?) e outras para pior (poucas?), mas isso já é assunto para depois.
Obrigado por ler-me.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Sobre a inovação em fármacos no Brasil


Não se pode considerar soberana a nação que utiliza fármacos de diversos sotaques estrangeiros para promover a saúde de sua população. Somos extremamente incipientes em inventar ou descobrir novos fármacos, e dependemos da capacidade de invenção/inovação ou descoberta de outros países, para incorporar estas novidades terapêuticas ao nosso uso, pagando elevados preços por esta grave dependência tecnológica. Avançamos na questão dos medicamentos genéricos, ampliando um pouco, embora menos do que seria desejável e necessário, o atendimento farmacêutico à parcela de nossa população que logra ter acesso e poder de compra, deste tipo de medicamentos, de preços obrigatoriamente inferiores em 40% aos de marca. Mais recentemente criou-se o programa de farmácia popular no governo federal que humanizou o tratamento de pacientes de baixa renda e doenças crônicas de elevada morbidez, atendendo à população menos favorecida e à terceira idade, sobretudo os aposentados. Entretanto, se estes atos demonstram relativo avanço na questão dos fármacos e medicamentos no Brasil, eles não foram capazes de sanarem, por falta de definições políticas maiores, nossa extrema dependência externa, pois muito pouco do que precisamos em termos de fármacos somos capazes de "saber-fazer" ou termos a tecnologia em mãos. Muito pelo contrário, importamos a avassaladora maioria dos fármacos - princípios ativos - que se tornarão os medicamentos genéricos de nosso uso, inclusive nos programas governamentais de promoção e atenção à saúde, vindos de distantes e longínquos fornecedores localizados não raramente na China, na Índia ou na Coréia. Isso caracteriza uma situação de dependência externa, extrema, que compromete a soberania nacional. Em nosso País, logramos construir em algumas décadas, mas com árduo trabalho de diferentes atores sociais, todos motivados e imbuídos do propósito de nos capacitar no ensino pós-graduado e na pesquisa científica, criando moderno, eficiente e invejável sistema de pós-graduação, capaz de titular ca. 12000 doutores por ano, em praticamente todas as áreas do conhecimento científico, tecnológico e em artes e letras. Embora ainda sub-dimensionado em relação às nossas efetivas necessidades e à nossa população de ca. 192 milhões de brasileiros, segundo dados do Censo de 2010, este admirável contingente de pessoas qualificadas vive a dita "Era do Conhecimento", de contínuo avanço tecnológico, em ambientes quase que exclusivamente acadêmico, visto o pouco número de doutores atuando em nossas empresas. Asseguramos algum efeito multiplicador, como consolo, ampliando o nível de formação de nossos graduados ao terem docentes titulados em seus cursos, mas não qualificamos os postos de trabalhos na maioria das empresas e com isso não asseguramos nossa capacidade de inovação na indústria brasileira, inclusive na farmacêutica. Aqui se instala, em nossa opinião, um perigoso círculo vicioso, embora humanamente compreensível, pois se não há doutores na indústria farmacêutica brasileira, doutores não serão contratados. Não-doutores, não contratarão doutores, por razões de preservação dos seus postos de trabalho, o que espanta a qualificação destes postos e da capacidade de inovação nas empresas. Há alguns arremedos, aqui ou ali, episódicos, em um verdadeiro faz-de-conta, mas espaço profissional corporativo qualificado, que favoreça e contribua legitimamente, de fato, para uma aproximação efetiva e real com a universidade, viabilizando a transferência e a troca de tecnologias que "falem" nosso idioma, não ocorre nestas impróprias condições.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Início

Estamos inciando este blog com a expectativa de podermos construir um observatório opinativo sobre aspectos de interesse geral dos fármacos. Não pretendemos ter avaliações terapêuticas sobre os mesmos, pois não é neste tipo de ambiente que se pode tê-las. Será nossa ênfase opinarmos sobre as etapas da cadeia de inovação, radical e incremental, de fármacos, nossa capacitação e gargalos, de maneira a apontarmos formas de otimização da primeira e superação da segunda.
Sugestões, comentários são muito bem-vindos.
Obrigado por ler.

07/04/2011

07/04/2011