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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Linha do tempo da Química Medicinal: assim nascem os fármacos (Parte 2)



A segunda parte desta linha do tempo, conforme prometido, se inicia com a história da descoberta da penicilina, a molécula mãe da antibioticoterapia.
Em 1928, Alexander Fleming, microbiologista escocês que trabalhava no hospital Saint Mary no bairro de King Cross, em Londres, retorna de férias e observa, numa primeira ronda pelo seu laboratório, que algumas placas de cultura que haviam sido semeadas com estafilococos, apresentavam-se contaminadas por fungos e que haviam se desenvolvidos halos que demonstravam a inibição do crescimento das colônias próximas. Imediatamente mostrou a seu assistente a cultura contaminada por Penicillium, de onde batiza a penicilina. Os resultados destas observações fortuitas de Fleming, foram publicados no Journal of Experimental Pathology, em 1929, mas somente em 1945, foi lançada a penicilina para uso terapêutico. Certamente, à serendipidade de Fleming se somaram os esforços de pesquisa de Ernst Boris Chain e Howard Florey, bioquímicos da Universidade de Oxford que, em 1939, foram capazes de purificar e isolar a penicilina descrita por Fleming anos antes. Os esforços de pesquisa das equipes destes dois pesquisadores, contaram com a expertise de Edward Abraham, outro bioquímico que, pela primeira vez, propôs a estrutura química da penicilina, posteriormente comprovada por Dorothy Hodgkin, química da Universidade de Oxford e pioneira da cristalografia de raios X, premiada com o Nobel de Química, em 1964. A descoberta da penicilina também motivou a premiação máxima para Fleming, Chain e Florey que ganharam o prêmio Nobel de Medicina, em 1945.
A descoberta da penicilina permitiu o nascimento da antibioticoterapia, inspirou os estudos com princípios ativos de fungos que viabilizaram a descoberta das cefalosporinas, antibióticos da mesma classe das beta-lactamas que pertence a penicilina, descritas por Abraham, quem graças a patente obtida criou um fundo de apoio à pesquisa científica na Inglaterra e canalizou mais de trinta milhões de libras esterlinas para a Universidade de Oxford. A Química Medicinal deve muito à penicilina-G, molécula salva-vidas pioneira de Fleming, pois para responder ao desafio de “domesticá-la”, viabilizar seu uso oral e suplantar as cepas resistentes, acumulou-se enorme volume de informações sobre a relação entre a estrutura química e a atividade antibiótica desta classe de fármacos que atingem atualmente a quarta geração. Estudos conformacionais realizados em diversos laboratórios de pesquisa universitários, permitiram a introdução de grupos funcionais que otimizaram o perfil terapêutico desta classe de fármacos. Ademais, graças à penicilina-G aprendeu-se como empregar a via injetável como rota de administração de medicamentos, o controle de técnicas de fermentação em escala, que viabilizaram sua produção industrial e, em conseqüência, seu uso terapêutico, bem como os processos de hemi-síntese de centenas de derivados obtidos a partir do ácido 6-aminopenicilâmico.
O final da última década de 40 foi época de outras importantes descobertas científicas que propiciaram avanço expressivo da Química Medicinal. Em 1948, um farmacologista norte-americano que trabalhava na Universidade da Georgia, publica no American Journal of Physiology um artigo intitulado "A study of the adrenotropic receptors”, onde descreve os dois sub-tipos de receptores adrenérgicos. Este manuscrito revolucionou a cardiofarmacologia e inspirou Sir James W. Black na invenção do primeiro beta-bloqueador seletivo, o propranolol, em 1964. Este fármaco, pioneiro da classe dos beta-bloqueadrores seletivos, representou à época, significativa inovação terapêutica, sendo o primeiro recurso terapêutico para o tratamento e controle da hipertensão arterial, doença crônica não transmissível de elevada morbidade. Esta inovação de Black possibilitou a sobrevida de milhões de pessoas desde então, contribuindo de forma expressiva para a melhoria da qualidade de vida da humanidade.
No último ano desta década Edward Kendall, químico norte-americano, Nobelista em 1950, que chefiava o setor de bioquímica da Clínica Mayo, no Minnesota, foi capaz de produzir algumas miligramas de um hormônio adrenal identificado mais de dez anos antes, como sendo a cortisona. Este hormônio esteróide, posteriormente classificado como glicocorticóide, pode ser considerado, junto com a adrenalina, um dos mais importantes hormônios reguladores de diversos processos fisiológicos. A sua descoberta e elucidação de sua estrutura química, permitiram identificarem-se suas propriedades terapêuticas para o controle de doenças inflamatórias crônicas e, em 1951, a Merck lança no mercado. A posterior identificação de seus severos efeitos colaterais, incluindo a hiperglicemia, resistência à insulina e conseqüente instalação da diabetes, a osteoporose e amenorréia provocada em muitas pacientes além da ansiedade e depressão que provoca estimulou os químicos medicinais da época em estudarem cuidadosamente o efeito da introdução de diversas modificações moleculares na atividade destes análogos sintéticos que culminaram no lançamento de diferentes fármacos sintéticos como a prednisona, dexametasona, triamcinolona, entre outros. A descoberta da cortisona e a elucidação de sua estrutura química estimularam os importantes avanços na química orgânica, especialmente na síntese orgânica que se deram após os anos 50 do último século, e pode ser considerada como o marco-zero da terapia esteróide que propiciou o surgimento dos contraceptivos fruto dos esforços de pesquisa de vários cientistas, dentre eles os químicos orgânicos Russell Marker da Universidade da Pensilvânia e Carl Djerassi da Universidade de Stanford que associados ao fisiologista Gregory Pinkus foram os responsáveis pela invenção da “pílula” que revolucionou o comportamento ocidental.
Deixo para iniciar a parte 3 desta Linha do Tempo da Química Medicinal com os fármacos anticâncer, representados pelos alcalóides da Vinca descritos por Ernest Wenkert, na década de 50.
Obrigado por ler.

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