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terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Nirmatrelvir, anti-viral com indicação para o SARS-CoV-2

 Nestes derradeiros dias de 2021, ano de marcas trágicas provocadas pela  Covid-19, é alvissareiro saber que a indústria farmacêutica (IF) que se baseia fundamentalmente em Ciência, inventou um fármaco com propriedades anti-SARS-CoV-2.

Este tema me pareceu merecedor desta postagem, por sua importância e por evidenciar a capacidade inovadora da IF face ao desafio colocado pela Covid-19.

Esta história teve como pano de fundo os laboratórios de pesquisa da Pfizer, uma corporação farmacêutica e biotecnológica multinacional com sede nos  EUA. Em 22 de dezembro deste ano o “Food and Drug Administration (FDA)”, agência reguladora do setor farmacêutico norte-americano, autorizou o uso do medicamento PaxlovidR como o primeiro medicamento recomendado para o tratamento por via oral da Covid-19. Não se trata de uma medicação preventiva da doença, mas de uma combinação de dois insumos farmacêuticos ativos (IFA) numa mesma formulação para tratamento da Covid-19. Os fármacos contidos no PaxlovidR são o nirmatrelvir – novo antiviral desenhado para ser um inibidor da principal protease do SARS-CoV-2, conhecida como CL ou MPRO – e o ritonavir (DOI: 10.1023/A:1011052932607) um antiretroviral (NorvirR; AbbVie) conhecido desde 1996, como inibidor de aspartato protease viral e originalmente utilizado sob outras combinações para o tratamento de infecções pelo HIV. Esta estratégia de se combinar mais de um fármaco antiviral numa única medicação é usada com sucesso para o tratamento de pacientes com HIV; Denomina-se terapia antirretroviral altamente ativa (HAART - highly active antiretroviral therapy) e requer uma dose reduzida de diferentes inibidores de protease viral. Cabe registro também que tal estratégia pode ser eficaz em outras viroses como no tratamento da hepatite-C (HCV), como ilustra o uso do HarvoniR, combinação de ledipasvir & sofosbuvir. 

Figura 1 – Combinação de fármacos do PaxlovidR

A identificação do nirmatrelvir como um inibidor irreversível de  SARS-CoV-2 MPRO ilustra o uso, com sucesso, de estratégias da Química Medicinal para a descoberta de um protótipo, sua otimização pelo ajuste de fatores moleculares capazes de modularem suas propriedades físico-químicas que regulam a possibilidade de administração oral (e.g. solubilidade aquosa) e permeação por membranas e sua eficácia, traduzida pela maior afinidade pelo alvo terapêutico. Neste caso, a partir da estrutura 3D do alvo a proteína CL-MPRO do SARS-CoV-2, onde se lograram identificar amino-ácidos chaves no reconhecimento molecular de hits iniciais, como a glutamina (Gln-163) que demonstrou interagir com uma subunidade pirrolidona presente em alguns hits. A modificação de unidades peptídicas, alteradas pelo aumento de lipofilicidade como análogos bicíclicos de prolina, onde o fragmento pirrolidinona foi incluído em sistemas bicíclicos do tipo 2-azabiclico[3.1.0]hexano dimetilado, viabilizaram a obtenção de ligantes de maior afinidade e com lipofilicidade ajustada. A modulação de sítios reativos (warhead) com a Cys-185 da protease viral, variando entre aldeído, presente em GC373, e modificada para nitrila do nirmatrelvir, viabilizaram a identificação de ligantes adequados que foram otimizados consecutivamente, combinando trocas bioisostéricas clássicas de anéis aromáticos ou pela adoção de scaffolds presentes em outros inibidores de proteases virais conhecidos. Esta abordagem tipicamente de Química Medicinal permitiram o uso oral do nirmatrelvir que teve sua posologia melhorada pela coadministração com o ritonavir, previamente desenvolvido como inibidor de aspartil-protease do HIV.

A Figuras 2, a seguir, ilustra a gênese do nirmatrelvir, enquanto que as Figuras 3 e 4 ilustram o nucleófilo viral, representado pela Cys145 do sítio catalítico e a estrutura do aduto covalente formado entre o fármaco e a SARS-CoV-2 CL MPRO.

     Figura 2 – Gênese do nirmatrelvir incorporando a subunidade prolina modificada do boceprevir, o terminus pirrolidinona do GC373 e a nitrila como warhead moificado do CG373.

     Figura 3 – Localização do resíduo nucleofílico viral (Cys145) presente na CLMPRO do SARS-CoV-2.
     
Figura 4 – Ilustração do aduto formado entre o nirmatrelvir e aa Cys145 como nucleófilo do CLMPRO do SARS-CoV-2.

     Nesta época do ano venho desejar a todos e todas um Ótimo e Próspero 2022.

Obrigado por ler.





terça-feira, 5 de outubro de 2021

Molnupiravir, um anti-viral para tratamento oral da Covid-19?

   Tenho participado, como convidado, em várias lives de diversas naturezas, neste trágico período que vivemos devido a Covid-19. Promovidas por diferentes fóruns e tratando de aspectos relevantes do processo de inovação farmacêutica, certamente, motivadas por este nosso momento. Concordo com os autores que consideram a inovação farmacêutica uma das mais importantes, dentre aquelas de natureza tecnológicas, e a que mais depende do avanço do conhecimento científico, i.e. da Ciência. O retorno social, em benefícios à sociedade, que os novos medicamentos e as vacinas representam, são hoje bem melhor compreendidos pela sociedade. Tanto que nestes tempos difíceis, Holden Thorp,  -Chefe da prestigiosa revista Science, disse em uma entrevista: “This is a time when people are thinking about science in a way that they never have” ( A Widener, Science 2020) esta afirmativa dá contornos definitivos ao reconhecimento da importância da Ciência em nossa sociedade contemporânea.

Nestas lives tenho discutido as distinções entre a etapas de pesquisa e de desenvolvimento, integrantes do complexo processo de inovação radical farmacêutica. Embora esta discussão possa parecer de cunho meramente acadêmico, pode contribuir significativamente para o melhor entendimento das fronteiras, entre uma e outra etapa, de forma a facilitar as decisões go-no go cruciais no processo, envolvendo as pequenas moléculas em estudo por grupos de pesquisas acadêmicos ou industriais e que ocorrem na fase anterior àquela do desenvolvimento. Algumas numerosas vezes, tenho observado o emprego equivocado do termo desenvolvimento, quando caberia, para maior precisão, o termo pesquisa.

Este aparente dilema, passa a ser significativo quando entendemos a importância da necessidade de aproximação efetiva entre a universidade e as empresas farmacêuticas, para concretizarmos a translacionalidade do conhecimento gerado na academia e sua transferência para o setor produtivo empresarial, habilitado a colocá-lo nas prateleiras das farmácias, à disposição da sociedade. Neste contexto, iniciativas que promovam esta aproximação universidade-empresa / empresa-universidade passam a ser de significativa importância. Neste sentido, inúmeros esforços têm sido exaustivamente realizados pelo INCT-INOFAR, coordenado pelo autor desta postagem, buscando aproximação, produtiva, entre os principais atores deste cenário da inovação farmacêutica radical.

Em 2009, após praticamente três décadas da descoberta dos primeiros anti-virais, pelo seu grupo de pesquisa na Univeridade de Emory, Georgia, EUA, o Professor Dennis Liotta e alguns colaboradores, criou o Emory Institute for Drug Discovery (EIDD), dedicado à identificação de novos candidatos a fármacos antivirais, cumprindo a fase inicial de pesquisa dos ensaios pré-clínicos, até às provas de conceito. No ano de 20012, houve uma alteração na denominação do EIDD que passou a se chamar: Emory Institute for Drug Development, preservando a sigla. O EIDD tem focado em fármacos antivirais, para tratamento de viroses RNA-dependentes, uteis para controle de HIV, HBV, CMV, HSV e influenza. O Professor Liotta, liderou a equipe de pesquisadores que identificou compostos análogos de nucleosídeos, pró-fármacos dos nucleotídeos correspondentes, representados pelo emtricitabina (EntrivaR), indicado em combinação com outros antivirais, para combater o HIV. Este fármaco é um análogo fluorado da lamivudina, que por sua vez é um pró-fármaco análogo sulfurado da citidina, descoberto pelo mesmo grupo, em 1995.


Os esforços de pesquisa do EIDD permitiram identificar o composto EIDD-2801, que tem o núcleo heterocíclico bis-nitrogenado da citosina, modificado pela introdução de uma função oxima (=N-OH), enquanto que o fragmento furanosídeo, observou a inclusão de um éster do ácido isobutírico. A presença da oxima, introduz uma característica molecular bastante interessante à molécula EIDD-2801, por permitir a presença de dois tautômeros que mimetizam os pontos farmacofóricos das duas bases: uridina e citidina e, portanto, permite interagir, por complementaridade molecular com ambos resíduos da guanosina e adenosina, respectivamente, dependendo do tautomêro. A figura abaixo ilustra as formas tautoméricas do molnupiravir (EIDD-2801), indicando, à esquerda, o tautômero que mimetiza as interações do uridina, reconhecida pela adenosina, enquanto que à direita está mostrado o tautomêro da função oxima que imita as interações da citosina e interage preferencialmente com a guanosina.

O EIDD-2801, corresponde ao molnupiravir, desenvolvido originalmente para o tratamento da influenza e atuando por induzir erros durante a replicação viral. Este composto, foi adquirido pela Ridgeback Biotherapeutics, empresa situada em Miami, EUA, que fez uma parceria para desenvolvimento com a Merck-Sharp Dohme (MSD), culminando com a identificação das suas propriedades anti-SARS-CoV-2. Neste mês de outubro de 2021, a empresa americana divulgou resultados preliminares dos ensaios clínicos, que se mostraram bastante encorajadores para este composto, que foi capaz de reduzir o risco de hospitalização e óbitos em 50% dos pacientes de alto risco diagnosticados com Covid-19. Adicionalmente, a empresa divulgou que esta substância tem significativos efeitos protetores contra as variantes, delta, gama e mu do SARS-CoV-2. Estes resultados, ainda não publicados formalmente em periódicos científicos, têm sido muito bem recebidos pelos especialistas, especialmente por infectologistas familiarizados com a Covid-19, que se posicionaram de forma bastante otimista com a perspectiva de utilização do molnupiravir como o primeiro antiviral de uso oral, util para o controle da infecção pelo SARS-CoV-2.

Ao olhar da Química Medicinal, o comportamento molecular deste provável fármaco anti-Covid-19, resulta da existência dos tautômeros da função oxima presente no seu anel pirimidínico, que se apresentaram capazes de mimetizar a citosina ou a uridina, numa ação dual que induz a RNA-polimerase viral a promover inúmeras mutações, inviabilizando a correta replicação viral, num efeito denominado mutagênese viral letal. A identificação das propriedades anti-SARS-CoV-2 identificados no molnupiravir ilustram, mais uma vez, a importância da abordagem de reposicionamento para o combate da Covid-19.

Obrigado por ler.


sábado, 28 de agosto de 2021

Decisões difíceis de serem tomadas....

 Nada é mais difícil e, portanto, tão preocupante, do que termos de tomar decisões difíceis. Assim mesmo, bem redundante! Inúmeras situações nos possibilitariam exemplificá-las, mas vou dar foco à decisão crucial do processo de escolher o candidato a composto-protótipo, durante o processo de descoberta de um novo fármaco. Esta decisão aparece na literatura de língua inglesa como uma simples pergunta: go-no go? A pergunta refere-se à crucial decisão de manter e progredir ou não, com determinado composto na cadeia da busca por um composto-protótipo, candidato, à frente, a novo fármaco. Esta decisão, que viabilizará o progresso do novo composto na cadeia de inovação, é a mais difícil do processo de drug discovery (DD) e, portanto, se enquadra e merece estar no post com o título que dei!

Se formos olhar para os ambientes da inovação radical farmacêutica, i.e. a invenção de novas pequenas moléculas que sejam fármacos inovadores, estaríamos nos aproximando mais do ambiente de pesquisa em drug discovery industrial, do que aquele acadêmico. De fato, em termos quantitativos isso seria verdadeiro, entretanto nos laboratórios acadêmicos, dedicados à drug discovery, embora menos numerosos, esta decisão também é crítica. Que fique claro, que embora estejamos considerando “laboratórios de pesquisa em DD”, não serão completamente comparáveis, entre si, em termos de produtividade, criatividade e força de trabalho, uns e outros, pois fatores importantes, que dependem de orçamento, do ti   po de projeto, da indicação terapêutica buscada, incluem variáveis demais para permitir uma simples comparação linear. A equipe envolvida em um projeto de DD, em laboratórios industriais, será sempre superior, quantitativamente, àquela acadêmica. Talvez não o seja em termos de criatividade, pois nesse caso a menor pressão existente nos laboratórios acadêmicos por “resultados imediatos”, favorece uma maior criatividade, assumindo maior risco de resultados negativos, antes do sucesso. Costumo dizer aos pós-graduandos que oriento, que “a terceira experiência será sempre a melhor”, ou seja. mais próxima do sucesso, pois sendo a terceira, pode-se utilizar os dois exemplos anteriores - dois insucessos, na primeira e segunda experiência feitas num determinado problema experimental – para melhor compreender como alterarmos as condições da experiência, para termos o sucesso esperado. Em condições de estresse maior, os pesquisadores industriais, tem prejudicada sua capacidade criativa.

Para melhor compreender-se o quanto a decisão go-no go é preocupante nos laboratórios de pesquisa de novos fármacos, podemos observar os esforços que as Big Pharmas fazem incluindo, em alguns casos, nominalmente a etapa de “descoberta do protótipo” (lead-discovery), onde a decisão de qual composto será o escolhido para progredir na cadeia, com menor risco de insucesso subsequente, passa pela resposta à pergunta “go-no go”. Quando toma-se a melhor decisão, encontra-se a melhor escolha e, portanto, a crucial etapa de identificar-se o composto-protótipo adequado, num projeto de pesquisa em DD, premiará toda equipe envolvida, seja acadêmica ou industrial.

Numerosas publicações, inclusive livros, são dedicadas ao tema da descoberta de compostos-protótipos (inter-alia:  Lead Generation Approaches in Drug Discovery, Z Rankovic & R Morphy, Eds., Wiley, 2010; ISBN: 978-0470-25761-6; A. B. Deore, J. R. Dhumane, H. V. Wagh, R. B. Sonawane, The Stages of Drug Discovery and Development Process, Asian Journal of Pharmaceutical Research and Development, 2019, 7, 62). Nossa experiência neste campo, originou-se no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Fármacos e Medicamentos (INCT-INOFAR) que coordeno, quando estudamos dois candidatos a protótipos, com diferentes indicações terapêuticas: LASSBio-294 e LASSBio-596. Ambos compostos, por distintas razões, não tiveram respostas favoráveis à continuação dos estudos para conclusão da etapa pré-clínica e foram descontinuados e estudados apenas quanto aos aspectos acadêmicos, visando publicações. Foram objeto de duas publicações relatando momentos distintos de cada trajetória: E. J. Barreiro, Estratégia de simplificação molecular no planejamento racional de fármacos: a descoberta de novo agente cardioativo, Quim Nova 2002, 25, 1172; https://doi.org/10.1590/S0100-40422002000700018; P. R. M. Rocco, D. G. Xisto, J. D. Silva, M. F. F. M. Diniz, R. N. Almeida, M. N. Luciano, I. A. Medeiros, B. C. Cavalcanti, J. R. O. Ferreira, M. O. Moraes, L. V. Costa-Lotufo, C. O` Pessoa, T. Dalla-Costa, V. B. Cattani, E. J. Barreiro, L. M. Lima, LASSBio-596: da Descoberta aos Ensaios Pré-clínicos, Rev. Virtual Quim. 2010, 2, 10; http://dx.doi.org/10.5935/1984-6835.20100003.

Cuidem-se bem!

Obrigado por lerem.



domingo, 25 de julho de 2021

As estruturas privilegiadas e o desenho de novos fármacos...

Há pouco tempo, precisamente em 2019, publiquei um artigo com dois orientandos como coautores (e.g. Lucas Franco e Júlia Pedreira), sobre o papel da intuição em química medicinal. Foi uma ótima experiência em que o “produto final” foi fruto do trabalho de 6 mãos e 3 cabeças...! Mas só uma “branquinha”...!!!! (Veja: JGB Pedreira, LS Franco, EJ Barreiro, Chemical Intuition in Drug Design and Discovery, Curr Top Med Chem 2019, 19, 1679).

    Dentre as abordagens possíveis para tratar o tema, mais afeito aos físicos do que aos químicos, decidimos que deveríamos fazê-lo a partir de dados cronológicos que pudessem indicar a efetiva contribuição da intuição química na química medicinal! Este foi o desafio que nos impusemos, sem procurar responder a todas as perguntas possíveis, tais como: quantos fármacos e quando foram descobertos/inventados por decisões oriundas da intuição química de seus descobridores? Esta pergunta está debatida no âmbito da publicação, mas menciono aqui um exemplo: a cimetidina, o primeiro fármaco da classe dos antagonistas seletivos de receptores histaminérgicos do sub-tipo 2, como medicamentos anti-úlcera, descrito na segunda metade do século passado. Aliás, a maioria dos fármacos de nosso arsenal terapêutico contemporâneo, nasceram no século 20!

    Desta abordagem emergiu uma constatação sobre a inclusão de termos relativos a conceitos, princípios e temas da Química Medicinal. Uns mais cativos e outros adotados de outras disciplinas próximas ou nem tanto! Dependendo muito mais da motivação do autor que o empregou originalmente, talvez para introduzir um tempero de “criatividade”, num manuscrito excessivamente chocho, em alguns casos.

O nosso manuscrito, mencionado acima, foi redigido em inglês e me chamou atenção a quantidade de termos surgidos a partir da virada do século, que se “empoleiraram” no vocabulário da Química Medicinal moderna, muitos deles adaptados ou repetidos em contextos distintos daquele originalmente empregado.

    Dentre alguns, decidi tratar aqui, como tema desta postagem, as “estruturas privilegiadas”! De cara já noto que deveria ter sido adotado o termo estruturas químicas privilegiadas ao invés de estruturas privilegiadas apenas, pois muitas formas estruturais são conhecidas e a qualificação de estruturas químicas já teria um sabor de maior precisão. Cabe mencionar que em agosto de 2014 tratei deste mesmo tema aqui, como que apresentando-o a vocês. Desta feita, venho ilustrar sua relevância como uma possível estratégia da Química Medicinal para identificar novos hits ou ligantes de um dado biorreceptor com efetivas propriedades drug-likeness. Senão vejamos: foi B. E. Evans e colegas da Merck Sharp & Dohme (MSD) quem pela primeira vez o empregou em manuscrito publicado no Journal of Medicinal Chemistry (vol. 31, p. 2235) e intitulado Methods for Drug Discovery: Development of Potent, Selective, Orally Effective Cholecystokinin Antagonistst, aonde foram relatados os efeitos antagonistas do receptor A do hormônio peptídico colecistoquinina (CCK), para o padrão molecular 3-amido-benzodiazepinas (1), identificado a partir da asperlicina (2), uma micotoxina de fórmula molecular C31H29N5O4 e peso molecular 535 Da, encontrada em fungos Aspergillus alliaceus. Esta turma da MSD, denominou o scaffold 1 como uma estrutura privilegiada nesta publicação, onde os autores descreveram os resultados de extensos estudos sobre a relação entre a estrutura química e as propriedades antagonistas de CCK-A deste padrão molecular farmacofórico para receptores periféricos ou centrais de CCK. Identificaram sua afinidade por outros tipos de receptores, tais como adrenérgicos, serotoninérgicos, muscarínicos, angiotensina-1 e benzodiazepínicos, o que originou o termo estruturas privilegiadas

Desta forma, o uso de coleções de estruturas privilegiadas passou a ser utilizada como uma estratégia válida da Química Medicinal para a identificação de hits ou ligantes de candidatos a protótipos de novos fármacos e foi incorporada ao glossário da International Union of Pure and Applied Chemistry (IUPAC) de termos de Química Medicinal como: subunidade estrutural que confere/antecipa desejáveis propriedades de fármaco a novos compostos que as contenham.

Numerosas publicações posteriores adotaram esta terminologia e consolidaram o conceito de estruturas privilegiadas como uma estratégia válida para a descoberta/desenho de novos candidatos a fármacos no âmbito da Química Medicinal, como o são o bioisosterismo; a simplificação molecular; a homologação  (e.g. LM Lima, MA Alves, DN Amaral, Homologation: A Versatile Molecular Modification Strategy to Drug Discovery, Current Topics in Medicinal Chemistry 2019, 19, DOI) e anelação; os fragmentos moleculares; os análogos ativos; o reposicionamento de outros fármacos ou subunidades moleculares de uma dada quimioteca; a otimização seletiva de efeitos adversos (SOSA); as abordagens baseadas no ligante ou na estrutura do receptor, para citar as mais empregadas.

Na próxima 28a Escola de Verão em Química Farmacêutica Medicinal  programada para janeiro de 2022, em forma remota, discutirei este tema num curso-curto. Aguardem!!!

         Obrigado por lerem.

Leitura suplementar sugerida:

·         AA Patchett, RP Nargund, Privileged structures — An update, Ann Rept Med Chem 2000, 35, 289.

·         CD Duarte, EJ Barreiro, CAM Fraga, Privileged Structures: A Useful Concept for the Rational Design of New Lead Drug Candidates, Mini-Reviews in Medicinal Chemistry, 2007, 7, 1108.

·         FRS Alves, EJ Barreiro, CAM Fraga, From Nature to Drug Discovery: The Indole Scaffold as a ‘Privileged Structure’, Mini-Reviews in Medicinal Chemistry, 2009, 9, 782.

EJ Barreiro, em Privileged Scaffolds in Medicinal Chemistry: Design, Synthesis, Evaluation, S Bräse, Editor, Chapter 1: Privileged Scaffolds in Medicinal Chemistry: An Introduction, 2015, pp. 1-15, Elsevier.

  

domingo, 18 de abril de 2021

LASSBio 27 anos...

    Há 27 anos, em 1994, vivíamos no Brasil os tempos de “PC Farias” e foi quando FHC enquanto Ministro da Economia “criou” as bases do Plano Real...; Neste ano perdemos Airton Senna; Fomos tetra, ganhando nos pênaltis (3X2) da Itália, nos EUA; Vimos o nascimento do Mercosul; O Grêmio Recreativo Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense foi a campeã do Sambodrómo do Rio de Janeiro. O Vasco da Gama conquistou o tricampeonato carioca de futebol pela primeira vez. O campeão Brasileiro foi a Sociedade Esportiva Palmeiras, empatando na final (1X1) com o Corinthians. Iniciou-se em janeiro, a caminhada da Escola de Verão em Química Farmacêutica Medicinal, pela realização de sua primeira edição nas dependências do CCS da UFRJ. Em outubro FHC foi eleito 34º Presidente do Brasil e o prêmio Nobel de Medicina foi para Alfred G. Gilman (University of Virginia, Charlottesville, EUA) e Martin Rodbell (National Institutes of Health, Bethesda, EUA) pelos trabalhos feitos sobre os GPCR´s, importante grupo de bioreceptores. Na Química, foi premiado o Professor George A. Olah (University of Southern California, EUA) pelas excelentes contribuições dadas ao conhecimento dos carbênios (inclusive carbocatíons não-clássicos; reatividade estabilidade, etc). Estudou ainda os super-ácidos e viabilizou o trapeamento de óxidos de arenos, importante espécie reativa bioformada no metabolismo oxidativo hepático dos fármacos.

   Neste contexto, aos 19 dias de abril, nasceu o Laboratório de Avaliação e Síntese de Substâncias Bioativas (LASSBio) com a missão de realizar estudos na área da Química Medicinal, ainda incipiente à época, no País. A compreensão de que a relação ensino-aprendizado, ao nível da pós-graduação (PG), deve se basear na dualidade entre aquisição dos princípios das disciplinas necessárias ao conhecimento, digno do nível pós-graduado, o qual deve ser continuamente aprimorado. Deve se construir uma base científica forte, com elevada habilidade crítica, evolutiva, contínua e crescente. Desta forma, estamos fortalecendo o discernimento e a valorização das fontes confiáveis para a construção do estado-da-arte do conhecimento, referente a um dado projeto de tese e dissertação ou de pesquisa de um pós-doutor (PD).

   A construção do conhecimento novo é a missão precípua da PG – strictu-sensu - sempre metodologicamente suportado e eticamente fundamentado através de atividades experimentais, reprodutíveis e rastreáveis, única forma a poderem ser divulgados à comunidade cientifica em publicações de excelência à altura dos ideais de nossa missão e única compatível com aquela da UFRJ. O LASSBio desde sua criação se pautou por estes princípios, evitando personalismos desagregadores e desgastantes. Estes foram e são o nosso Norte, haja visto que a equipe de docentes do LASSBio e seus professores associados, tem sido majoritariamente preservada ao longo do tempo, comprovando a identidade de compromisso e dedicação ao coletivo de todos, símbolo da unidade dos nossos inegociáveis princípios há quase três décadas, sempre acompanhando a evolução contínua e célere do conhecimento observado na Química Medicinal, nosso principal interesse.

   Enfim, muito poderia ser dito ou escrito aqui hoje, como registro da memória do caminho até aqui caminhado, mas me contento com estes breves registros que me parecem suficientes à celebração de hoje, nos tempos de dolorosa e infernal pandemia que vivemos. 

   Obrigado por lerem!

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

A evolução do processo de descoberta de fármacos (= drug discovery) – Parte 2

Na última postagem vimos alguns aspectos do processo de descoberta de fármacos ou drug discovery abordando a cronologia ilustrada abaixo:


AADD = desenho de fármacos baseado no análogo-ativo (analog-active drug design); HTS = rastreio de alto rendimento (high throughput screening); CombChem = química combinatória (combinatorial chemistry); GPCR = receptor acoplado à proteína-G (G-protein coupled receptor); LBDD = desenho de fármacos baseado no ligante (ligand-based drug design); desenho de fármacos baseado na estrutura (structure-based drug discovery); VS = virtual screening; FBDD = desenho de fármacos baseado em fragmentos moleculares (fragment-based drug design); X-DD, X = LB, SB, FB; h-b2R = co-cristalização do receptor b2-adrenérgico humano com agonista;

Figura 1

Nesta figura incluímos a sigla X-DD onde X = LB (ligand-based), SB (structure-based) e FB (fragment-based) e tratamos, ainda que brevemente, da importância dos biorreceptores acoplados à proteína-G (GPCR´s), à elucidação de suas estruturas tridimensionais (3D) no surgimento das estratégias de desenho molecular representadas pelas duas primeiras siglas: a partir do ligante (LBDD) e da estrutura do alvo (SBDD). Em termos cronológicos, estas denominações substituíram o que se denominava originalmente por abordagem fisiológica e desenho de análogos ativos (indicados na Figura 1 como active analogue-based drug discovery – AADD). Após a adoção desta terminologia LB/SBDD houve a popularização do emprego de coleções de compostos, e.g. quimiotecas, sejam naturais ou sintéticos, como fonte de diversidade química e inspiração molecular para a busca de novos compostos de interesse (hits) no reconhecimento molecular por alvos terapêuticos. Desta forma, as estratégias de identificação de novas pequenas moléculas, candidatas a fármacos, observaram inovações importantes. Atualmente o uso de quimiotecas, físicas ou virtuais, combinadas com técnicas de ancoragem molecular (docking), cada vez mais aprimoradas, são responsáveis pela descoberta de alguns importantes fármacos do nosso arsenal terapêutico contemporâneo.

Estas novas estratégias aprimoraram-se e conduziram a uma estratégia mais recente representada pelo uso de coleções de subunidades moleculares com propriedades farmacofóricas, i.e. fragmentos moleculares dando origem à sigla FBDD: fragment-based drug design. O desempenho elogiável de técnicas de difração de raios-X para a identificação de interações entre pequenas moléculas/fragmentos moleculares com sítios ortostéricos/alostéricos dos biorreceptores, pelo emprego de co-cristalizações em boas resoluções (< 2,5 Ä2) incrementaram os avanços da estratégia FBDD.

A elucidação da estrutura 3D dos receptores b2-adrenérgicos humanos, em 2007 [DOI], permitiu que poucos anos após (2011) a estrutura com o agonista natural e outros ligantes pudesse ter sido resolvida [DOI], o que exemplifica a importância do emprego destas técnicas cristalográficas na elucidação estrutural de biorreceptores.

Cabe observar que, na virada do século, surgiu o primeiro inibidor de tirosina-quinase (Tyr-K) - enzima que catalisa a fosforilação de proteínas através a transferência de um grupo fosforila de ATP para resíduos de tirosina – o imatinibe, indicado para o tratamento do câncer. Sua descoberta, se iniciou com o uso de uma quimioteca de arilanilinas, na Novartis, e validou as Tyr-K como alvos terapêuticos relevantes e uteis para o controle de certos tipos de câncer. O estudo das quinases também contribuíram para a compreensão da importância dos fatores conformacionais, capazes de regularem as interações proteínas-proteínas, esclarecendo a relevância da flexibilidade molecular nesta classe de alvos terapêuticos. A descoberta desta classe de enzimas deveu-se aos trabalhos de Edmond H. Fischer (Universidade de Washigton) e Edwin G. Krebs (Universidade de Illinois), laureados com o prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina de 1992.

A estratégia de desenho molecular de pequenas moléculas candidatas a fármacos, representado pelo FBDD, está ilustrada na Figura 2.

FBDD = desenho molecular a partir de fragmentos; H2L = hit-to-ligand (hit-a-ligante); L2L = ligand-to-lead (ligante-a-protótipo);

                         Figura 2

Seguindo-se a descrição da Figura 2, no sentido dos ponteiros do relógio, i.e. da esquerda para a direita, conforme indicado pela seta, observa-se que a estratégia FBDD, quando adotada, exige como critério relevante o uso de screening virtual ou real a partir de estruturas 3D de co-cristais dos fragmentos moleculares da quimioteca com o alvo, em resolução suficiente de forma a minimizar o risco do surgimento de resultados artificias. Além disso, a aplicação precoce de filtros que predigam as propriedades moleculares relevantes para futuro eventual uso oral (ADME; i.e solubilidade aquosa; Log P; área da superfície polar (PSA); adequação às regras de Lipinski ou Weber; incluindo potencial tóxico e estabilidade metabólica) são extremamente desejáveis assim como, numa etapa seguinte, o a identificação das diferentes contribuições farmacofóricas, através a síntese de série congênere de compostos análogos, capaz de esclarecer a relação entre a estrutura química e a atividade (SAR). Uma vez validada por prova de conceito a atividade, em modelo farmacológico fenotípico, pode-se ter um candidato a protótipo de novo fármaco.

Cuidem-se!

Obrigado por lerem.

sábado, 30 de janeiro de 2021

A evolução do processo de descoberta de fármacos (= drug discovery)

      O processo de descoberta de fármacos, que os autores de língua inglesa passaram a se referir como drug discovery, observou nas últimas quatro décadas significativas transformações como ilustro na Figura 1:

     AADD = desenho de fármacos baseado no análogo-ativo (analog-active drug design); HTS = rastreio de alto rendimento (high throughput screening); CombChem = química combinatória (combinatorial chemistry); GPCR = receptor acoplado à proteína-G (G-protein coupled receptor); LBDD = desenho de fármacos baseado no ligante (ligand-based drug design); desenho de fármacos baseado na estrutura (structure-based drug discovery); VS = virtual screening; FBDD = desenho de fármacos baseado em fragmentos moleculares (fragment-based drug design); X-DD, X = LB, SB, FB; h-b2R = co-cristalização do receptor b2-adrenérgico humano com agonista;

Figura 1

O período compreendido pela década de 1970, se inicia com a introdução, ainda tímida, de técnicas computacionais que permitiam o estudo de relações quantitativas entre a estrutura e a atividade de compostos de uma dada série congênere (QSAR). Além disso, a capacidade computacional era modesta e de alto custo. Com o aprimoramento e a popularização dos computadores pessoais, associado ao desenvolvimento significativo das então denominadas estações de trabalho (work stations; a primeira adquirida pelo LASSBio foi um modelo SGI-Octane da Silicon Graphics [SGI], em 1999), inicia-se a consolidação do emprego de técnicas de modelagem molecular de receptores a partir da elucidação de suas estruturas. Cabe menção que a descoberta do captopril (1) em meados dos anos 80. Este foi o primeiro fármaco anti-hipertensivo desenvolvido a partir do estudo do veneno da Bothrops jararaca, uma cobra venenosa brasileira, cujo veneno foi objeto de estudos por eminentes farmacologistas brasileiros como Maurício Rocha e Silva, Sérgio Henrique Ferreira e Wilson Beraldo, entre outros, que evidenciaram a existência no veneno da jararaca de um nonapetídeo com um resíduo C-terminal de prolina. Esta descoberta, motivada pela curiosidade em entender as severas lesões provocadas pela picada da cobra, levou a identificação dos seus efeitos bloqueadores sobre a enzima conversora de angiotensina (ECA). Esta foi caracterizada como uma metaloenzima Zn-dependente, responsável pela bioativação da angiotensina-I no peptídeo vasoativo angiotensina-II, capaz de promover aumento da pressão arterial pelos efeitos constritores que possui (veja post de 14/01/2012 = Linha do Tempo da Química Medicinal: assim nascem os fármacos (Parte VII); link).

Explorando o mecanismo catalítico da enzima contendo zinco, os Químicos Medicinais, da Abbott liderados por Miguel A. Ondetti & David W. Cushman, sintetizaram uma série de compostos com funções químicas ligantes de zinco, em geral possuindo o átomo de enxofre em suas estruturas e preservando o anel da prolina, presente no nonapeptídeo do veneno. O primeiro inibidor da ECA sintetizado foi o derivado succinil-(S)-prolina (Figura 2), que teve posteriormente o grupo succinila substituído por uma sulfidrila (-SH), preservando o scaffold prolina do peptídeo, aplicando, portanto,  o desenho de novos ligantes a partir do substrato o que caracteriza a estratégia do análogo ativo.

Este racional explica a natureza da estrutura química do captopril que foi 1000 vezes mais ativo que seu protótipo na inibição da ECA. O captopril (1) entrou no mercado em 1981 como o primeiro da classe de inibidores da ECA.

     Esta descoberta marca o início da década de 1980, como aquela capaz de reafirmar a época da descoberta racional de fármacos, iniciada pela descoberta do propranolol (2) e da cimetidina (3), por exemplo, representando a estratégia de desenho baseado no análogo ativo (Figura 1, AADD = analog-active drug design), que veio a ser denominada de desenho de fármacos baseado no ligante (do receptor) (i.e. ligand-based drug design).
     A possibilidade de desenhar novos fármacos racionalmente, usando estruturas de proteínas tornou-se uma meta de muitos biólogos estruturais. Podendo a descoberta do captopril ser considerada como um exemplo híbrido, na transição da abordagem AADD à SBDD, com algum “tempero” do conhecimento da estrutura do bioreceptor que veio a ser denominada structure-based drug design (SBDD), ilustrando a importância da contribuição dos avanços tecnológicos computacionais na elucidação 3D das estruturas dos biorreceptores dos fármacos. Hoje, embora ainda haja necessidade de alguns ajustes finos capazes de aperfeiçoar o processo, o desenho de medicamentos com base na estrutura dos biorreceptores é parte integrante da maioria dos programas de descoberta de medicamentos industriais e é o principal assunto de pesquisa de muitos laboratórios acadêmicos.

Já ao final da década de 1980 e início da seguinte, observou-se a evolução de técnicas de high throughput screening (HTS) que combinadas com as da química combinatória (combinatorial chemistry), deram origem às ditas técnicas hifenadas: HTS-ChemComb. Os resultados não corresponderam às expectativas, mas foram feitos muitos e significativos investimentos nestes processos pela indústria farmacêutica que inventa moléculas. 

No início da década de 1990, as técnicas cristalográficas de estudo das estruturas de proteínas por difração de raios-X evoluíram e a identificação da estrutura 3D da rodopsina (PDB 5WOP) pode ser considerado um marco, elucidando a natureza molecular dos receptores acoplados à proteína-G (GPCR´s), que tendo sua importância reconhecida pela Academia Nobel de Estocolmo, premiaram Brian Kobilka & Robert Lefkowitz, com o Prêmio Nobel de Química de 2012 pelas suas contribuições nesta área. Desta forma, as abordagens SBDD/LBDD avançaram e hoje conhece-se > 110 estruturas de GPCR´s descritas no Protein data Bank (PDB), responsáveis por ca. 50% dos biorreceptores dos fármacos contemporâneos, que produziram vendas de ca. US$ 180 bilhões, em 2018, e onde estão os receptores adrenérgicos, serotoninérgicos, dopaminérigicos, purinérgicos e adenosinérgicos, para citar somente alguns poucos.

A partir da virada do século, avanços tecnológicos permitiram a melhor capacitação instrumental, assim como a determinação de estruturas 3D de proteínas co-cristalizadas com diferentes ligantes. A descoberta da importância das quinases como possíveis alvos terapêuticos, favoreceu o reconhecimento da importância da flexibilidade molecular nas interações proteínas-ligantes & proteínas-proteínas, aliada às diversas estratégias novas de desenho de fármacos que se consolidam como aquela do uso de fragmentos moleculares (FBDD), virtual screening (VS), aprimorando o emprego do docking (ancoramento) molecular na triagem de coleções de compostos (quimiotecas, virtuais e/ou físicas). Estes temas serão tratados numa próxima postagem.

Aguardem!!

Cuidem-se! Salve a vacina!!!

        Obrigado por lerem.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Estratégias de desenho molecular: bioisosterismo não-clássico de anel

      Em época de trabalho em romeófice pude otimizar meus afazeres e consegui ler mais, não somente a literatura científica. Sou do tempo em que ao se abrir o pacote da embalagem de um novo livro, sentia-se a mesma alegria das crianças na noite de Natal, ao abrirem os presentes. Devo lhes salientar que com a vantagem de que ao abrir o pacote de um livro de Química Medicinal de capadura, me dava uma alegria a mais, agora olfativa, pois o “cheirinho” das páginas abertas pela primeira vez é indescritível. Dito isso, fica claro que reluto bastante em ler nas telas dos monitores os e-books que o preço do dólar atual me obriga a adquirir (quando posso!), assim como os papers que preciso ler, por dever de ofício. Enfim, reluto, mas leio no monitor...!

Desta forma revisitei alguns artigos que tratam das estratégias de desenho molecular da Química Medicinal, buscando investigar uma possível cronologia na relação entre o surgimento dos GPCR´s e quinases como alvos terapêuticos, por exemplo, a elucidação de suas estruturas 3D e o surgimento das estratégias X-DD (X- drug design), como:  LBDD, SBDD e FBDD.

Nestas leituras e releituras me deparei com o artigo publicado no J. Med. Chem. volume 55, de 2012, sobre novos isósteros cicloalquílicos (não aromáticos) da fenila. O artigo originado dos laboratórios Pfizer (Worldwide Research & Development), em Groton, refere-se, à página 3414 (DOI), ao sistema biciclo[1.1.1]pentano como um padrão molecular saturado capaz de substituir o anel fenílico como um bioisóstero por preservar o reconhecimento molecular pelo mesmo biorreceptor. 

A primeira vez que o li - não sou mais capaz de lembrar-me quando foi – fiquei muito intrigado pois este sistema bicíclico tem apenas átomos de C-sp3, embora sua arquitetura molecular mimetize o volume molecular da fenila (vide abaixo). Os autores deste artigo incluem alguns exemplos em que realizaram esta substituição isostérica - uma fenila pelo sistema bicíclico indicado - e observaram melhoria das propriedades PK & PD.

Em um dos exemplos descritos, o derivado BMS-708,163, descrito como um ligante dos receptores amilóides Ab42 com IC50 de 0,225 nM (vide abaixo), teve o grupamento flúor-fenila conjugado com o sistema 1,2,4-oxadiazola, substituído pelo biciclo[1.1.1]pentano, levando ao isóstero indicado na figura, com IC50 de 0,178 nM e um melhor perfil de solubilidade aquosa, permeabilidade passiva por biomembranas e superior Cmax, caracterizando uma autêntica troca bioisostérica.

     Investigando as propriedades moleculares do quimiotipo bicíclico, foi possível identificar a similaridade entre os comprimentos de ligação C-C no sistema bicíclico e aqueles dos C-sp2-Csp2 da fenila, resultando em volume molecular também semelhantes (figuras a seguir).

     

Os resultados descritos pelos pesquisadores da Pfizer, suportam a descrição original desta troca bioisostérica efetuada por Roberto Pelicciari e colaboradores, da Universidade de Peruggia, em 1996 [J. Med. Chem. 1996, 39, 2874] ao estudar ligantes de receptores centrais do glutamato.

         Diversos exemplos recentes de bioisósteros não-clássicos da fenila foram descritos [vide: EG Tse et al. J. Med. Chem. 2020, 63, 11585], tendo entre os cicloalquílicos o cubano, ciclopropano e ciclobutano, conforme ilustrado abaixo.



Cuidem-se!

Obrigado por lerem.