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domingo, 25 de julho de 2021

As estruturas privilegiadas e o desenho de novos fármacos...

Há pouco tempo, precisamente em 2019, publiquei um artigo com dois orientandos como coautores (e.g. Lucas Franco e Júlia Pedreira), sobre o papel da intuição em química medicinal. Foi uma ótima experiência em que o “produto final” foi fruto do trabalho de 6 mãos e 3 cabeças...! Mas só uma “branquinha”...!!!! (Veja: JGB Pedreira, LS Franco, EJ Barreiro, Chemical Intuition in Drug Design and Discovery, Curr Top Med Chem 2019, 19, 1679).

    Dentre as abordagens possíveis para tratar o tema, mais afeito aos físicos do que aos químicos, decidimos que deveríamos fazê-lo a partir de dados cronológicos que pudessem indicar a efetiva contribuição da intuição química na química medicinal! Este foi o desafio que nos impusemos, sem procurar responder a todas as perguntas possíveis, tais como: quantos fármacos e quando foram descobertos/inventados por decisões oriundas da intuição química de seus descobridores? Esta pergunta está debatida no âmbito da publicação, mas menciono aqui um exemplo: a cimetidina, o primeiro fármaco da classe dos antagonistas seletivos de receptores histaminérgicos do sub-tipo 2, como medicamentos anti-úlcera, descrito na segunda metade do século passado. Aliás, a maioria dos fármacos de nosso arsenal terapêutico contemporâneo, nasceram no século 20!

    Desta abordagem emergiu uma constatação sobre a inclusão de termos relativos a conceitos, princípios e temas da Química Medicinal. Uns mais cativos e outros adotados de outras disciplinas próximas ou nem tanto! Dependendo muito mais da motivação do autor que o empregou originalmente, talvez para introduzir um tempero de “criatividade”, num manuscrito excessivamente chocho, em alguns casos.

O nosso manuscrito, mencionado acima, foi redigido em inglês e me chamou atenção a quantidade de termos surgidos a partir da virada do século, que se “empoleiraram” no vocabulário da Química Medicinal moderna, muitos deles adaptados ou repetidos em contextos distintos daquele originalmente empregado.

    Dentre alguns, decidi tratar aqui, como tema desta postagem, as “estruturas privilegiadas”! De cara já noto que deveria ter sido adotado o termo estruturas químicas privilegiadas ao invés de estruturas privilegiadas apenas, pois muitas formas estruturais são conhecidas e a qualificação de estruturas químicas já teria um sabor de maior precisão. Cabe mencionar que em agosto de 2014 tratei deste mesmo tema aqui, como que apresentando-o a vocês. Desta feita, venho ilustrar sua relevância como uma possível estratégia da Química Medicinal para identificar novos hits ou ligantes de um dado biorreceptor com efetivas propriedades drug-likeness. Senão vejamos: foi B. E. Evans e colegas da Merck Sharp & Dohme (MSD) quem pela primeira vez o empregou em manuscrito publicado no Journal of Medicinal Chemistry (vol. 31, p. 2235) e intitulado Methods for Drug Discovery: Development of Potent, Selective, Orally Effective Cholecystokinin Antagonistst, aonde foram relatados os efeitos antagonistas do receptor A do hormônio peptídico colecistoquinina (CCK), para o padrão molecular 3-amido-benzodiazepinas (1), identificado a partir da asperlicina (2), uma micotoxina de fórmula molecular C31H29N5O4 e peso molecular 535 Da, encontrada em fungos Aspergillus alliaceus. Esta turma da MSD, denominou o scaffold 1 como uma estrutura privilegiada nesta publicação, onde os autores descreveram os resultados de extensos estudos sobre a relação entre a estrutura química e as propriedades antagonistas de CCK-A deste padrão molecular farmacofórico para receptores periféricos ou centrais de CCK. Identificaram sua afinidade por outros tipos de receptores, tais como adrenérgicos, serotoninérgicos, muscarínicos, angiotensina-1 e benzodiazepínicos, o que originou o termo estruturas privilegiadas

Desta forma, o uso de coleções de estruturas privilegiadas passou a ser utilizada como uma estratégia válida da Química Medicinal para a identificação de hits ou ligantes de candidatos a protótipos de novos fármacos e foi incorporada ao glossário da International Union of Pure and Applied Chemistry (IUPAC) de termos de Química Medicinal como: subunidade estrutural que confere/antecipa desejáveis propriedades de fármaco a novos compostos que as contenham.

Numerosas publicações posteriores adotaram esta terminologia e consolidaram o conceito de estruturas privilegiadas como uma estratégia válida para a descoberta/desenho de novos candidatos a fármacos no âmbito da Química Medicinal, como o são o bioisosterismo; a simplificação molecular; a homologação  (e.g. LM Lima, MA Alves, DN Amaral, Homologation: A Versatile Molecular Modification Strategy to Drug Discovery, Current Topics in Medicinal Chemistry 2019, 19, DOI) e anelação; os fragmentos moleculares; os análogos ativos; o reposicionamento de outros fármacos ou subunidades moleculares de uma dada quimioteca; a otimização seletiva de efeitos adversos (SOSA); as abordagens baseadas no ligante ou na estrutura do receptor, para citar as mais empregadas.

Na próxima 28a Escola de Verão em Química Farmacêutica Medicinal  programada para janeiro de 2022, em forma remota, discutirei este tema num curso-curto. Aguardem!!!

         Obrigado por lerem.

Leitura suplementar sugerida:

·         AA Patchett, RP Nargund, Privileged structures — An update, Ann Rept Med Chem 2000, 35, 289.

·         CD Duarte, EJ Barreiro, CAM Fraga, Privileged Structures: A Useful Concept for the Rational Design of New Lead Drug Candidates, Mini-Reviews in Medicinal Chemistry, 2007, 7, 1108.

·         FRS Alves, EJ Barreiro, CAM Fraga, From Nature to Drug Discovery: The Indole Scaffold as a ‘Privileged Structure’, Mini-Reviews in Medicinal Chemistry, 2009, 9, 782.

EJ Barreiro, em Privileged Scaffolds in Medicinal Chemistry: Design, Synthesis, Evaluation, S Bräse, Editor, Chapter 1: Privileged Scaffolds in Medicinal Chemistry: An Introduction, 2015, pp. 1-15, Elsevier.

  

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