O processo de descoberta de fármacos, que os autores de língua inglesa passaram a se referir como drug discovery, observou nas últimas quatro décadas significativas transformações como ilustro na Figura 1:
Figura 1
O período compreendido pela década de 1970, se inicia com a
introdução, ainda tímida, de técnicas computacionais que permitiam o estudo de
relações quantitativas entre a estrutura e a atividade de compostos de uma dada
série congênere (QSAR). Além disso, a capacidade computacional era modesta e de
alto custo. Com o aprimoramento e a popularização dos computadores pessoais,
associado ao desenvolvimento significativo das então denominadas estações de
trabalho (work stations; a primeira adquirida pelo LASSBio foi um modelo
SGI-Octane da Silicon Graphics [SGI], em 1999), inicia-se a consolidação do
emprego de técnicas de modelagem molecular de receptores a partir da elucidação
de suas estruturas. Cabe menção que a descoberta do captopril (1) em meados dos
anos 80. Este foi o primeiro fármaco anti-hipertensivo desenvolvido a partir do
estudo do veneno da Bothrops jararaca, uma cobra venenosa brasileira,
cujo veneno foi objeto de estudos por eminentes farmacologistas brasileiros
como Maurício Rocha e Silva, Sérgio Henrique Ferreira e Wilson Beraldo, entre
outros, que evidenciaram a existência no veneno da jararaca de um nonapetídeo
com um resíduo C-terminal de prolina. Esta descoberta, motivada pela
curiosidade em entender as severas lesões provocadas pela picada da cobra,
levou a identificação dos seus efeitos bloqueadores sobre a enzima conversora
de angiotensina (ECA). Esta foi caracterizada como uma metaloenzima
Zn-dependente, responsável pela bioativação da angiotensina-I no peptídeo
vasoativo angiotensina-II, capaz de promover aumento da pressão arterial pelos
efeitos constritores que possui (veja post de 14/01/2012 = Linha do Tempo da
Química Medicinal: assim nascem os fármacos (Parte VII); link).
Explorando o mecanismo catalítico da enzima contendo zinco, os Químicos Medicinais, da Abbott liderados por Miguel A. Ondetti & David W. Cushman, sintetizaram uma série de compostos com funções químicas ligantes de zinco, em geral possuindo o átomo de enxofre em suas estruturas e preservando o anel da prolina, presente no nonapeptídeo do veneno. O primeiro inibidor da ECA sintetizado foi o derivado succinil-(S)-prolina (Figura 2), que teve posteriormente o grupo succinila substituído por uma sulfidrila (-SH), preservando o scaffold prolina do peptídeo, aplicando, portanto, o desenho de novos ligantes a partir do substrato o que caracteriza a estratégia do análogo ativo.
Este racional explica a natureza da estrutura química do captopril que foi 1000 vezes mais ativo que seu protótipo na inibição da ECA. O captopril (1) entrou no mercado em 1981 como o primeiro da classe de inibidores da ECA.
Já ao final da década de 1980 e início da seguinte, observou-se
a evolução de técnicas de high throughput screening (HTS) que combinadas
com as da química combinatória (combinatorial chemistry), deram origem
às ditas técnicas hifenadas: HTS-ChemComb. Os resultados não corresponderam às
expectativas, mas foram feitos muitos e significativos investimentos nestes
processos pela indústria farmacêutica que inventa moléculas.
No início da década de 1990, as técnicas cristalográficas de
estudo das estruturas de proteínas por difração de raios-X evoluíram e a
identificação da estrutura 3D da rodopsina (PDB 5WOP) pode ser
considerado um marco, elucidando a natureza molecular dos receptores
acoplados à proteína-G (GPCR´s), que tendo sua importância reconhecida pela
Academia Nobel de Estocolmo, premiaram Brian Kobilka & Robert Lefkowitz, com o Prêmio Nobel de
Química de 2012 pelas suas contribuições nesta área. Desta forma, as abordagens
SBDD/LBDD avançaram e hoje conhece-se > 110 estruturas de GPCR´s descritas
no Protein data Bank (PDB), responsáveis por ca. 50% dos biorreceptores
dos fármacos contemporâneos, que produziram vendas de ca. US$ 180 bilhões, em
2018, e onde estão os receptores adrenérgicos, serotoninérgicos,
dopaminérigicos, purinérgicos e adenosinérgicos, para citar somente alguns
poucos.
A partir da virada do século, avanços tecnológicos permitiram a
melhor capacitação instrumental, assim como a determinação de estruturas 3D de
proteínas co-cristalizadas com diferentes ligantes. A descoberta da importância
das quinases como possíveis alvos terapêuticos, favoreceu o reconhecimento da
importância da flexibilidade molecular nas interações proteínas-ligantes &
proteínas-proteínas, aliada às diversas estratégias novas de desenho de
fármacos que se consolidam como aquela do uso de fragmentos moleculares (FBDD),
virtual screening (VS), aprimorando o emprego do docking (ancoramento)
molecular na triagem de coleções de compostos (quimiotecas, virtuais e/ou
físicas). Estes temas serão tratados numa próxima postagem.
Aguardem!!
Cuidem-se! Salve a vacina!!!
Obrigado por lerem.
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