Tenho participado, como convidado, em várias lives de diversas naturezas, neste trágico período que vivemos devido a Covid-19. Promovidas por diferentes fóruns e tratando de aspectos relevantes do processo de inovação farmacêutica, certamente, motivadas por este nosso momento. Concordo com os autores que consideram a inovação farmacêutica uma das mais importantes, dentre aquelas de natureza tecnológicas, e a que mais depende do avanço do conhecimento científico, i.e. da Ciência. O retorno social, em benefícios à sociedade, que os novos medicamentos e as vacinas representam, são hoje bem melhor compreendidos pela sociedade. Tanto que nestes tempos difíceis, Holden Thorp, -Chefe da prestigiosa revista Science, disse em uma entrevista: “This is a time when people are thinking about science in a way that they never have” ( A Widener, Science 2020) esta afirmativa dá contornos definitivos ao reconhecimento da importância da Ciência em nossa sociedade contemporânea.
Nestas lives tenho discutido as
distinções entre a etapas de pesquisa e de desenvolvimento, integrantes do
complexo processo de inovação radical farmacêutica. Embora esta discussão possa
parecer de cunho meramente acadêmico, pode contribuir significativamente para o
melhor entendimento das fronteiras, entre uma e outra etapa, de forma a facilitar
as decisões go-no go cruciais no processo, envolvendo as pequenas moléculas
em estudo por grupos de pesquisas acadêmicos ou industriais e que ocorrem na
fase anterior àquela do desenvolvimento. Algumas numerosas vezes, tenho
observado o emprego equivocado do termo desenvolvimento, quando caberia, para
maior precisão, o termo pesquisa.
Este aparente dilema, passa a ser significativo
quando entendemos a importância da necessidade de aproximação efetiva entre a
universidade e as empresas farmacêuticas, para concretizarmos a translacionalidade
do conhecimento gerado na academia e sua transferência para o setor produtivo empresarial,
habilitado a colocá-lo nas prateleiras das farmácias, à disposição da
sociedade. Neste contexto, iniciativas que promovam esta aproximação universidade-empresa
/ empresa-universidade passam a ser de significativa importância. Neste sentido,
inúmeros esforços têm sido exaustivamente realizados pelo INCT-INOFAR, coordenado pelo autor desta postagem, buscando
aproximação, produtiva, entre os principais atores deste cenário da inovação
farmacêutica radical.
O EIDD-2801, corresponde ao molnupiravir, desenvolvido
originalmente para o tratamento da influenza e atuando por induzir erros
durante a replicação viral. Este composto, foi adquirido pela Ridgeback
Biotherapeutics, empresa situada em Miami, EUA, que fez uma parceria para
desenvolvimento com a Merck-Sharp Dohme (MSD), culminando com a identificação
das suas propriedades anti-SARS-CoV-2. Neste mês de outubro de 2021, a empresa
americana divulgou resultados preliminares dos ensaios clínicos, que se
mostraram bastante encorajadores para este composto, que foi capaz de reduzir o
risco de hospitalização e óbitos em 50% dos pacientes de alto risco diagnosticados
com Covid-19. Adicionalmente, a empresa divulgou que esta substância tem significativos
efeitos protetores contra as variantes, delta, gama e mu do SARS-CoV-2. Estes
resultados, ainda não publicados formalmente em periódicos científicos, têm
sido muito bem recebidos pelos especialistas, especialmente por infectologistas
familiarizados com a Covid-19, que se posicionaram de forma bastante otimista
com a perspectiva de utilização do molnupiravir como o primeiro antiviral de uso
oral, util para o controle da infecção pelo SARS-CoV-2.
Ao olhar da Química Medicinal, o comportamento
molecular deste provável fármaco anti-Covid-19, resulta da existência dos tautômeros
da função oxima presente no seu anel pirimidínico, que se apresentaram capazes
de mimetizar a citosina ou a uridina, numa ação dual que induz a RNA-polimerase
viral a promover inúmeras mutações, inviabilizando a correta replicação viral,
num efeito denominado mutagênese viral letal. A identificação das propriedades
anti-SARS-CoV-2 identificados no molnupiravir ilustram, mais uma vez, a
importância da abordagem de reposicionamento para o combate da Covid-19.
Obrigado por ler.
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