Relendo um artigo de
divulgação científica publicado este
ano, me deparei com alguns argumentos centrais do autor, sobre o avanço
tecnológico que se observou na difusão da informação, com inúmeros novos
recursos, além das redes sociais, capazes de distribuí-la eficiente e
rapidamente. Não sei bem porque, fiz um link
com a evolução que acompanhei no desenho das estruturas químicas de compostos
orgânicos desde aquelas dos triterpenos tetracíclicos do tipo damarano de minha
dissertação de mestrado, concluída em 1973, até as últimas, representadas em
recente publicação oriunda do LASSBio.
Achei que poderia ser interessante como leitura, o registro da evolução dos
recursos para o desenho das estruturas químicas dos compostos orgânicos, que
testemunhei, daquela época até hoje. Tomara que não me tenha equivocado,
decidindo mudar, nesta vigésima-terceira postagem, a temática recentemente
adotada, tratando das descobertas de novos fármacos, à qual retornarei na próxima.
A Figura 1, abaixo, ilustra as
estruturas dos compostos 3β,20(R)-diidroxidamar-24-eno
e 20(R)-idroxidamar-24-en-3-ona isolados
de Barbacenia bicolor Mart., em 1973,
no então Centro de Pesquisas de Produtos Naturais (CPPN) da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Este novo triterpeno tetracíclico descrito em minha
dissertação de mestrado que foi realizada sob a orientação do Professor
Benjamim Gilbert (vide foto).
Professor Benjamin Gilbert
Naquela época, o desenho das estruturas químicas dos inúmeros
triterpenos tetracíclicos, contendo o sistema ciclopentanoperidrofenantreno, que
foram incluídos na dissertação, desde a introdução - de maneira a estabelecer o
estado-da-arte do tema - assim como aquelas dos diferentes produtos obtidos nas
inúmeras transformações químicas feitas com os produtos naturais originais,
necessárias à sua completa e inequívoca caracterização estrutural, foram
realizados com uso de régua de estruturas (Figura 2). Então o plus da época!
Em 1978, concluí meu doutoramento na Université Scientifique et Médicale
de Grenoble na França, com uma tese tratando da síntese de novos análogos de
prostaglandinas, intitulada “Synthèse totale de prostaglandines modifiées à partir del'alpha-tropolone”. O tema me levou a tratar de substâncias com 20
átomos de carbono, um terço a menos dos 30 presentes nos triterpenos do
mestrado. Esta aparente involução, em
termos de número de átomos de carbono no tema do doutorado em relação ao
mestrado, poderia representar uma vantagem, pois economizava 10 átomos de
carbono em cada estrutura, aparentemente facilitando o desenho das estruturas
da tese. Ledo engano! O template de
desenho (Figura 2) não possuía o esqueleto clássico das prostaglandinas,
representado pelo ácido prostanóico, um derivado trans-orientado de um ciclopentano disubstituído por duas cadeias
laterais de sete e oito átomos de carbono, respectivamente (Figura 3), fazendo
com que o desenho destas estruturas fossem mais laboriosos que aquelas do
mestrado, a despeito do menor número de átomos de carbono!
Tendo sido uma tese de síntese e representando o resultado de
quatro anos de trabalho de pesquisa, o número de estruturas químicas foi
significativamente maior do que o da dissertação! Felizmente, na França as
condições do laboratório de meu orientador, Professor Pierre Crabbé, eram favoráveis
permitindo que se usasse template de
estruturas e caneta nanquim, sendo as letras dos heteroátomos das estruturas
desenhadas com decalque de símbolos químicos, inexistentes anos antes, durante
o mestrado. Neste caso os heteroátomos eram datilografados, centralizados sobre
as estruturas pré-desenhadas. Apenas um cuidado era extremamente necessário ter
para prevenir borrar os desenhos, usar papel vegetal, que favorecia a rápida
absorção da tinta e compatibilizar a espessura da letra-set comercial de símbolo químico com a ponta da caneta a ser
usada. Foi fantástico, “editar” as ca.
220 páginas da tese, com a correta inserção das estruturas desenhadas a nanquim
sobre papel vegetal, com todos heteroátomos decalcados e numeradas
consecutivamente! A operação era de fato: recortar e colar! Uma eventual omissão,
ou erro, obrigaria a renumerar todas as estruturas até aquele ponto,
representando um trabalho a mais que não cabia no prazo disponível para completar
a tese. A solução? Não errar! Não “esquecer” nenhuma estrutura de nenhum
esquema ou figura da tese, trabalhando com redobrada atenção, a cada dia. Para
ter um paralelo com as estruturas terpênicas da dissertação de mestrado, as
prostaglandinas do doutorado também tinham vários centros estereogênicos! Mais
um fator complicador.
No início dos anos 80, do século XX, o must para elaborar textos datilografados, era o uso de máquinas de
escrever elétricas providas de esferas intercambiáveis contendo distintos e
necessários símbolos, inclusive o alfabeto grego, facilitando, sobremaneira, o
trabalho de datilografia dos textos científicos. Contrariamente ao que fazemos hoje, na
redação de textos, que são digitados, àquela época ao invés de digitar nós
datilografávamos! Os eventuais, irritantes e indesejados erros, eram corrigidos
com líquidos corretores na própria página enquanto na máquina de escrever.
Começaram a surgir, no final daquela década, os primeiros desktops com a “enorme” capacidade de 256
Mb de memória. À época empregavam-se drives
de floppy-disk 8 onde ficavam os
primeiros programas de edição de textos. Nesta época, predominavam os monitores
de iôdo, que asseguravam o contraste de sua luz verde em fundo preto. Este
incrível salto tecnológico na editoração de textos, indo das máquinas de
escrever elétricas, onde a IBM com esferas “margaridas” era a mais cobiçada,
para os “poderosos” computadores 386, foi seguido, temporalmente, dos primeiros
programas de representação de estruturas químicas que surgem, importados no
Brasil, no final da década de 80. Inicia-se aqui a “aposentadoria” dos modelos
moleculares onde aprendi estereoquímica. Vale mencionar, que fui instruído por
meu orientador de doutoramento a usar uma folha A4 de acetato, com o desenho
feito com caneta hidrográfica colorida da principal estrutura química em
estudo, pendurando-a, como um mobile, sobre a escrivaninha de trabalho e
mudando a cada semana sua orientação pelos quatro lados da folha. Este hábito
me ajudou a educar a visão tridimensional das estruturas químicas antes do uso dos
computadores pessoais.
De lá para cá, os avanços observados nos recursos de
representação de estruturas químicas, orgânicas ou não, foram sensacionais, e
olhando com os olhos de hoje, como se fazia há apenas 30 anos, a evolução foi
fantástica. O sem número de softwares
comerciais ou não, mais ou menos sofisticados, disponíveis atualmente para se desenharem
as estruturas químicas e visualizarem-se, tridimensionalmente, as moléculas,
são prova da evolução tecnológica observada neste setor.
Obrigado por lerem.