O complexo processo de descoberta/invenção de novos
fármacos (drug-discovery – DD) é dependente de interações
multidisciplinares, onde sobressaem a Química Medicinal e a Farmacologia.
Outras disciplinas como a Química Computacional e a Farmacologia Molecular,
aliadas a técnicas de inteligência artificial onde várias abordagens são
capazes de modelarem sistemas biológicos complexos como entende-se ser o
processo de DD.
Em
meados da década de 80 do século passado, iniciaram-se os estudos de modelagem
molecular aplicados à descoberta de fármacos, quando dois paradigmas principais
ocupavam a cabeça dos Químicos Medicinais de então. A identificação de
compostos com propriedades atraentes como fármacos, se dava a partir da
abordagem que veio a ser denominada desenho de fármacos baseado na estrutura
química do biorreceptor (SBDD, do inglês: structure-based drug discovery)
ou em contraste a esta, aquela baseada na estrutura do substrato natural ou do
agonista do biorreceptor (LBDD, do inglês: ligand-based drug discovery).
A partir daí outras siglas surgiram, referindo-se a ajustes finos destas acima mencionadas,
como FBDD, referindo-se a abordagem de fragmentos moleculares (do inglês: fragment-based
drug discovery). Considera-se como fragmento molecular, estruturas ou subestruturas
químicas com até 300 Da de massa molecular, que podem ser utilizados combinando-se
técnicas in sílico ou in vitro, fazendo-se estudos de ancoragem virtual (virtual
docking) e mesmo determinando constantes de afinidades (Ki),
para vários possíveis alvos terapêuticos. Inúmeros autores têm descrito resultados
da aplicação destas estratégias para a identificação de autênticos e inovadores
compostos protótipos de novos fármacos. Na sequência deste processo de DD, a
otimização das propriedades físico-químicas, através da introdução de novas
modificações moleculares racionais, capazes de ajustarem de maneira adequada a
fase farmacocinética destes protótipos, podem, após bioensaios precoces de
toxicidade aguda (e.g. cardiotoxicidade), subsidiarem a etapa de importantes tomadas
de decisão sobre o prosseguimento ou não (em inglês: go-no go), dos
estudos com uma dada molécula candidata a fármaco.
A
descoberta do Pavlovid®, resultou
da combinação de dois anti-virais: nirmatrelvir (PF-007321332; Pfizer) com ritonavir
(Norvir®, AbbVie;). O primeiro surgiu na Pfizer pela otimização molecular de
uma substância inédita de propriedade da empresa, desenvolvida para combater a síndrome
respiratória aguda e severa provocada por coronavírus (SARS-C) enquanto o
segundo, que foi desenvolvido como um inibidor de protease do HIV e tem sido
bastante estudado inclusive quanto a diferença de absorção demostrada entre
formas farmacêuticas orais distintas, devido a existência de polimorfismo conformacional
que afeta sua biodisponibilidade. Este novo medicamento Pavlovid® é um exemplo marcante da capacidade criativa dos
químicos medicinais contemporâneos, hábeis em conciliarem e ajustarem as técnicas
disponíveis para o desenho e modificações moleculares de compostos candidatos a
novos fármacos, com surpreendente presteza sem prejuízos à segurança do uso.
Resultados
disponíveis na literatura científica, indicaram o benefício do emprego do
Pavlovid® no combate à Covid-19, inclusive em pacientes com
diagnóstico positivo recente.
Obrigado por ler.
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Leitura
complementar:
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Para um
post do autor sobre o assunto em: Blog “De fármacos e suas descobertas”,
intitulado “Nirmatrelvir, anti-viral com indicação para o SARS-CoV-2”, datado
de 28 de dezembro de 2021, vide: http://ejb-eliezer.blogspot.com/2021/12/nirmatrelvir-anti-viral-com-indicacao.html
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Kempf DJ, Sham HL, Marsh KC,
Flentge CA, Betebenner D, Green BE, et al. (February). "Discovery of
ritonavir, a potent inhibitor of HIV protease with high oral bioavailability
and clinical efficacy". Journal of Medicinal Chemistry, 1998, 41 (4): 602–617. doi:10.1021/jm970636
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