Pesquisar este blog

domingo, 6 de dezembro de 2020

Sobre o reposicionamento de fármacos

     Nestes tempos de pandemia é uma atitude sábia e cidadã cumprirmos com nossas obrigações sanitárias, seguindo ao pé da letra as recomendações dos infectologistas. Para tanto o recolhimento social criou hábitos de comunicarmo-nos de maneira virtual, inclusive para discussões profissionais, reuniões familiares e de trabalho. Muitos de nós atuam profissionalmente em regime especial de trabalho, como em romeófice.

Nestas condições tenho participado desde março deste ano de inúmeras palestras & conferências virtuais, em vários eventos, desde jornadas acadêmicas e congressos científicos, nacionais e internacionais, a mesas-redondas temáticas, muitas das vezes sobre aspectos dos fármacos relacionados à Covid-19. Nestas diversas apresentações, pude observar que um tema sempre acaba vindo à baila, a questão do reposicionamento de fármacos. Certamente motivada pela preocupação com a Covid-19 face a postura reducionista das autoridades do País.

Portanto, me pareceu conveniente tratar aqui, mesmo que brevemente, do reposicionamento de fármacos, mas sob a ótica de poder representar uma estratégia válida para se descobrirem novos medicamentos e portanto, de interesse da Química Medicinal.

  Não sendo especialista no tópico, procurei aprender o máximo sobre ele e o fiz pela leitura de um livro dedicado a isso, editado por Michael J. Barratt e Donald E. Frail, pesquisadores da Pfizer à época que criaram a Unidade de Descoberta de Indicações (Indications Discovery Unit). O livro intitula-se Drug Repositioning, publicado pela Wiley em 2012 (ISBN 9780470878279).

Sua leitura me deu acesso a muitas informações sobre a questão, situando-me sobre sua importância como estratégia de descoberta de medicamentos (i.e. drug discovery). Inúmeros exemplos estão lá, desde sinonímias (em inglês, claro) e a definição de reposicionamento de fármacos e.g. novos usos para antigas moléculas), até as classes terapêuticas que mais são objeto destes estudos (doenças orfãs, negligenciadas, câncer, entre outras). As estratégias de negócios adotadas por empresas pequenas ou não nesta área, inclusive daquelas menores e exclusivamente dedicadas ao reposicionamento de fármacos como objeto de seus negócios, são motivo de vários capítulos. Assim como, as diversas formas de parcerias e colaborações possíveis entre empresas e entre a academia e empresas, à nível internacional, para projetos de reposicionamento de fármacos.

Cabe menção aqui algumas moléculas que foram objeto de exemplos de sucesso em reposicionamento, merecendo novas indicações terapêuticas a partir de observações fortuitas, como era a motivação predominante no início destes estudos de reposicionamento de fármacos, até por volta de 2010. Outras, foram objeto de estudos planejados, sistematizados, empregando estratégias ou abordagens racionais que viabilizaram a identificação de novas indicações terapêuticas. O uso de técnicas de quimio- e bioinformática, combinadas ou não, foram aplicadas com sucesso em vários casos. 

Por exemplo, o ácido acetil salicílico (AAS), o fármaco sintético mais antigo (1898), e outro também  como cloroquina (1934) e mesmo a digoxina, datando do século 18,  foram reposicionados ou amplamente estudados para tal. A  cloroquina foi estudada em 393 doenças durante o período de 1948 a 2015 e pode ser considerada a campeã deste tipo de estudos, sem sucesso.

Explorando a enormidade de dados da literatura disponível em super-bancos de dados sobre uma dada doença, ou uma determinada molécula ou mesmo combinando molécula-doença, novas indicações terapêuticas foram descobertas aprovados pelas agências regulatórias e disponibilizadas para uso por pacientes, em prazos bem inferiores e a menor custos do que as inovações farmacêuticas radicais desenvolvidas pelos clássicos processos de drug-discovery.

Seria impossível mencionar todos os exemplos de sucesso identificáveis na literatura, mas para não os cansar demais nesta leitura, que corre o risco de começar a ficar muito chata, vou mencionar apenas a talidomida e o celecoxibe. Os dois resultaram em novas moléculas, modificadas por estratégias da Química Medicinal, viabilizando sua proteção patentária e transformando iniciativas de inovação incremental – reposicionamento de fármacos - em radical – novas entidades químicas - evidenciando a importância da Química Medicinal nestes casos.

Não é possível esgotar este tema num único post, porém espero ter situado a questão do reposicionamento de fármacos, indicando que pode representar uma estratégia válida da inovação farmacêutica, onde a Química Medicinal tem importantes contribuições a dar.

Boas Festas e obrigado por lerem.

Convite: Interessados em mais informações sobre Reposicionamento de Fármacos podem acompanhar minha próxima apresentação no Webinário do INCT-INOFAR, dia 10/12/2020 a partir das 18h00, seguindo o link informado no nosso Instagran: @inct_inofar



Nenhum comentário: