Nestas condições tenho participado desde março deste ano de
inúmeras palestras & conferências virtuais, em vários eventos, desde jornadas
acadêmicas e congressos científicos, nacionais e internacionais, a mesas-redondas
temáticas, muitas das vezes sobre aspectos dos fármacos relacionados à
Covid-19. Nestas diversas apresentações, pude observar que um tema sempre acaba
vindo à baila, a questão do reposicionamento de fármacos. Certamente motivada pela
preocupação com a Covid-19 face a postura reducionista das autoridades do País.
Portanto, me pareceu conveniente tratar aqui, mesmo que brevemente,
do reposicionamento de fármacos, mas sob a ótica de poder representar uma estratégia
válida para se descobrirem novos medicamentos e portanto, de interesse da
Química Medicinal.
Não sendo especialista no tópico, procurei
aprender o máximo sobre ele e o fiz pela leitura de um livro dedicado a isso,
editado por Michael J. Barratt e Donald E. Frail, pesquisadores da Pfizer à
época que criaram a Unidade de Descoberta de Indicações (Indications Discovery
Unit). O livro intitula-se Drug Repositioning, publicado pela Wiley
em 2012 (ISBN 9780470878279).
Sua leitura me deu acesso a muitas informações sobre a questão,
situando-me sobre sua importância como estratégia de descoberta de medicamentos
(i.e. drug discovery). Inúmeros exemplos estão lá, desde sinonímias (em inglês,
claro) e a definição de reposicionamento de fármacos e.g. novos usos para
antigas moléculas), até as classes terapêuticas que mais são objeto destes
estudos (doenças orfãs, negligenciadas, câncer, entre outras). As estratégias
de negócios adotadas por empresas pequenas ou não nesta área, inclusive daquelas
menores e exclusivamente dedicadas ao reposicionamento de fármacos como objeto de
seus negócios, são motivo de vários capítulos. Assim como, as diversas formas
de parcerias e colaborações possíveis entre empresas e entre a academia e
empresas, à nível internacional, para projetos de reposicionamento de fármacos.
Cabe menção aqui algumas moléculas que foram objeto de exemplos de sucesso em reposicionamento, merecendo novas indicações terapêuticas a partir de observações fortuitas, como era a motivação predominante no início destes estudos de reposicionamento de fármacos, até por volta de 2010. Outras, foram objeto de estudos planejados, sistematizados, empregando estratégias ou abordagens racionais que viabilizaram a identificação de novas indicações terapêuticas. O uso de técnicas de quimio- e bioinformática, combinadas ou não, foram aplicadas com sucesso em vários casos.
Por exemplo, o ácido acetil salicílico (AAS), o fármaco sintético mais antigo (1898), e outro também como a cloroquina (1934) e mesmo a digoxina, datando do século 18, foram reposicionados ou amplamente estudados para tal. A cloroquina foi estudada em 393 doenças durante o período de 1948 a 2015 e pode ser considerada a campeã deste tipo de estudos, sem sucesso.
Explorando a enormidade de dados da literatura disponível em
super-bancos de dados sobre uma dada doença, ou uma determinada molécula ou mesmo
combinando molécula-doença, novas indicações terapêuticas foram descobertas aprovados
pelas agências regulatórias e disponibilizadas para uso por pacientes, em
prazos bem inferiores e a menor custos do que as inovações farmacêuticas radicais
desenvolvidas pelos clássicos processos de drug-discovery.
Seria impossível mencionar todos os exemplos de sucesso identificáveis
na literatura, mas para não os cansar demais nesta leitura, que corre o risco
de começar a ficar muito chata, vou mencionar apenas a talidomida e o celecoxibe.
Os dois resultaram em novas moléculas, modificadas por estratégias da Química
Medicinal, viabilizando sua proteção patentária e transformando iniciativas de
inovação incremental – reposicionamento de fármacos - em radical – novas entidades
químicas - evidenciando a importância da Química Medicinal nestes casos.
Não é possível esgotar este tema num único post, porém espero ter
situado a questão do reposicionamento de fármacos, indicando que pode
representar uma estratégia válida da inovação farmacêutica, onde a Química Medicinal
tem importantes contribuições a dar.
Convite: Interessados em mais informações sobre
Reposicionamento de Fármacos podem acompanhar minha próxima apresentação
no Webinário do INCT-INOFAR, dia 10/12/2020 a partir das 18h00, seguindo o link
informado no nosso Instagran: @inct_inofar
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