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domingo, 14 de maio de 2017

Do produto natural ao fármaco, missão da Química Medicinal: o caso da epibatidina

     Iniciamos mais uma nova etapa da disciplina Tópicos em Química Medicinal no Programa de Pós-Graduação em Farmacologia e Química Medicinal do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, oferecendo-a neste primeiro semestre de 2017. Para introduzir as atualizações necessárias, adotamos novos exemplos de conceitos básicos da Química Medicinal, especialmente quanto às estratégias de modificação molecular. Neste semestre, optamos por utilizar vários produtos naturais, que se consagraram como fármacos, mesmo que empregados por outras vias que não a oral, como estruturas protótipos, para exemplificar o racional das modificações moleculares introduzidas para modular as propriedades farmacológicas. Empregamos a morfina, quinina, epibatidina, entre outros alcaloides, para ilustrar as modificações moleculares introduzidas que resultaram, em épocas distintas, nos hipno-analgésicos da classe dos 4-fenilpiperidinas (e.g. meperidina), nos derivados quinolínicos antimaláricos (e.g. mefloquina) e no composto ABT-594, respectivamente.
    Como sabemos, não raramente, estruturas originais podem esconder mecanismos farmacológicos inéditos, uteis para o controle de diversos quadros fisiopatológicos. A epibatidina, foi isolada por John W. Daly  e colaboradores, em 1974,  da glândula lateral de um sapo equatoriano (Epipedobates tricolor). Após árduos estudos sua estrutura química foi elucidada em 1992, evidenciando sua similaridade molecular com a nicotina, substrato natural dos receptores nAChR e mAChR. Inúmeras rotas sintéticas surgiram, confirmando de forma inequívoca sua estrutura química que representou o primeiro alcaloide piridínico clorado isolado.
    Este produto natural demonstrou potente propriedades analgésicas, superando largamente a potência da morfina. Este poderoso perfil analgésico, motivou vários estudos, especialmente nos laboratórios da Abbott, nos Estados Unidos, visando otimizar seletivamente seu perfil analgésico, que resultaram na tebaniclina (ABT-594), substância 200 vezes mais potente que a morfina. Esta estrutura química possui como principal peculiaridade, a presença de um heterocíclo de quatro membros, nitrogenado, azetidina, mimetizando o anel pirrolidínico presente na nicotina, substrato natural do nAChR, onde atua. A gênese da tebaniclina pode ser entendida pela análise da figura abaixo. A epibatidina foi objeto de duas “dissecações” moleculares. A primeira a, pela simplificação molecular do seu sistema azabiciclo[2.2.1]heptano, eliminando os metilenos cíclicos em azul na figura, o que originou o anel pirrolidínico (em vermelho) do composto ABT-291, que preserva o fragmento molecular cloro-piridina, mas sendo ainda muito semelhante estruturalmente à nicotina, não apresentou o perfil seletivo desejado. A segunda modificação molecular da epibatidina (b na figura), resultou da cisão da ligação C2-C3 do seu sistema biciclíco, criando uma unidade espaçadora de dois átomos. Um destes átomos de carbono foi isostericamente trocado por um átomo de oxigênio, resultando em um éter substituindo a posição 5 do anel piridínico-clorado do composto ABT-381. Os esforços de pesquisa, liderados por Halladay e colaboradores na Abbott, conduziram ao ABT-594, quando empregaram a estratégia de contração de anel, homólogo inferior, reduzindo o anel pirrolidínico (5 membros) para um ciclo azetidínico de quatro membros. Como curiosidade, ambos os enantiomêros deste composto mostraram-se ativos e equipotentes, atuando como agonista parcial dos receptores nACh, com potência da ordem de 0,04 nM, interagindo com este GPCR através das sub-unidades a4b2 e a3b4. Na etapa 2 dos estudos clínicos, observaram-se severos efeitos sobre o trato gastro-intestinal o que levou a Abbott a suspender seus estudos clínicos, abortando o desenvolvimento desta substância como analgésico para a dor neuropática, doença ainda sem tratamento eficaz.
 



Nesta data, desejo muitas alegrias às mães neste seu domingo.

Obrigado por lerem.