Identificar
assuntos atraentes para este blog, pode parecer ciosa simples em tempos de
internet... A realidade mostra que exige muita leitura, que geralmente, em sua ampla
maioria, não são suficientemente convincentes, ao menos para mim, para merecer
uma postagem. Em tempos pré-carnavalescos e em férias, mantenho-me sempre
alerta para eventuais oportunidades de postagem. Assim que vi, em recente
número do Chemical & Engineering News
(C&EN), órgão de divulgação da American Chemical Society (ACS), uma
matéria que me chamou atenção, por poder exemplificar um dos mais temidos e possíveis
pesadelos que o químico medicinal pode ter: errar a caracterização estrutural
de um candidato a composto-protótipo...
Esta história
começa em 2014 , quando o laboratório do Dr Wafik
S El-Deiry, na Penn State University, EUA, identificou uma
substância capaz de modular a resposta de uma citocina, denominada TNF-related apoptosis-inducing (também
identificada como CD253 ou TRIAL), com possível aplicação como um candidato a
novo agente anticâncer, especialmente
casos de glioblastomas. Esta substância recebeu, inicialmente, o código TIC10 e
foi objeto de um pedido de patente depositado no USPTO (U.S.
8673923). Esta patente foi licenciada pela universidade,
para a empresa Oncoceutics, criada por El-Deiry e a substância rebatizada como
O(estrutura inferior).
Em termos estruturais, este composto, de
fórmula molecular C24H26N4O, da classe imidazolino-pirimidinona, foi inequivocamente
caracterizado, inclusive por método de cristalografia de raios-X, como um
regioisômero do derivado originalmente descrito por El-Deiry. Motivado pelos
resultados biológicos encorajadores e pelo novo padrão molecular encontrado,
Janda protege seu composto por um pedido de patente, também feito ao USPTO, e o
negocia, em seguida, com a empresa Sorrento Therapeutics, onde é um dos
diretores. Aqui cabe uma observação, importante: vê-se que é muito comum, por
lá, uma substância, mesmo que ainda em estágio inicial de bioensaios, em se mostrando
promissora, ser negociada com pequenas empresas de alta tecnologia...!!
Neste contexto, fica evidente que uma
eventual futura comercialização de ONC201, como fármaco anticâncer, se vier a
acontecer, passará provavelmente por um acordo comercial entre ambas empresas
envolvidas e que todo imbróglio se
originou por um erro primário e grosseiro na caracterização estrutural de
regioisômeros, o que torna difícil de se admitir que tenha sido cometido por um
químico medicinal, mesmo medíocre!
Como lição, fica constatado que em Química
Medicinal deve-se ter a máxima atenção na completa caracterização estrutural de
toda e qualquer substância que se obtenha, sejam ativas ou não, em especial quando
se procura por compostos protótipos de novos fármacos. Ademais, cabe registro,
por este exemplo, que a literatura de patentes, sem análise pelos pares, pode
conter erros grosseiros e que em caso de regioisômeros todo o cuidado, será
sempre pouco! Eu acrescentaria ainda outro alerta: Cuidado também com os tautômeros....!
Finalmente, vê-se que embora interdisciplinar, a
tarefa da Química Medicinal em identificar novos protótipos, exige competências
próprias que devem ser respeitadas sempre, pois como vimos a síntese orgânica,
por exemplo, não é uma mera atividade de “misturar e ficar junto”...! Como diz
o outro: cada macaco no seu galho..., embora todos na mesma árvore!
Obrigado por lerem.