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domingo, 19 de fevereiro de 2017

Exemplo de um terrível erro químico grosseiro...


Identificar assuntos atraentes para este blog, pode parecer ciosa simples em tempos de internet... A realidade mostra que exige muita leitura, que geralmente, em sua ampla maioria, não são suficientemente convincentes, ao menos para mim, para merecer uma postagem. Em tempos pré-carnavalescos e em férias, mantenho-me sempre alerta para eventuais oportunidades de postagem. Assim que vi, em recente número do Chemical & Engineering News (C&EN), órgão de divulgação da American Chemical Society (ACS), uma matéria que me chamou atenção, por poder exemplificar um dos mais temidos e possíveis pesadelos que o químico medicinal pode ter: errar a caracterização estrutural de um candidato a composto-protótipo...

Esta história começa em 2014 , quando o laboratório do Dr Wafik S El-Deiry, na Penn State University, EUA, identificou uma substância capaz de modular a resposta de uma citocina, denominada TNF-related apoptosis-inducing (também identificada como CD253 ou TRIAL), com possível aplicação como um candidato a novo agente anticâncer,   especialmente casos de glioblastomas. Esta substância recebeu, inicialmente, o código TIC10 e foi objeto de um pedido de patente depositado no USPTO (U.S. 8673923). Esta patente foi licenciada pela universidade, para a empresa Oncoceutics, criada por El-Deiry e a substância rebatizada como O(estrutura inferior).
 Enquanto isso,  Kim Janda em seu laboratório no Scripps, Califórnia, sintetiza o composto TIC10 para usá-lo como padrão em seus estudos e não observou os efeitos alegados originalmente, no mesmo alvo, i.e. TRIAL. Esta disparidade entre seus resultados e aqueles inicialmente descritos na patente por El-Deiry, resulta numa publicação (Pharmacophore Reassignment for Induction of the Immunosurveillance Cytokine TRAIL), em que descreve uma correção na estrutura química de ONC201, que desta feita se mostrou extremamente potente como ligante de TRIAL (NT Jacob, JW Lockner, VV Kravchenko, KD Janda, Angew. Chem. Int. Ed. 2014, 53, 6628; DOI: http://dx.doi.org/10.1002/anie.201402133).
 
Em termos estruturais, este composto, de fórmula molecular C24H26N4O, da classe imidazolino-pirimidinona, foi inequivocamente caracterizado, inclusive por método de cristalografia de raios-X, como um regioisômero do derivado originalmente descrito por El-Deiry. Motivado pelos resultados biológicos encorajadores e pelo novo padrão molecular encontrado, Janda protege seu composto por um pedido de patente, também feito ao USPTO, e o negocia, em seguida, com a empresa Sorrento Therapeutics, onde é um dos diretores. Aqui cabe uma observação, importante: vê-se que é muito comum, por lá, uma substância, mesmo que ainda em estágio inicial de bioensaios, em se mostrando promissora, ser negociada com pequenas empresas de alta tecnologia...!!
Neste contexto, fica evidente que uma eventual futura comercialização de ONC201, como fármaco anticâncer, se vier a acontecer, passará provavelmente por um acordo comercial entre ambas empresas envolvidas e que todo imbróglio se originou por um erro primário e grosseiro na caracterização estrutural de regioisômeros, o que torna difícil de se admitir que tenha sido cometido por um químico medicinal, mesmo medíocre!
Como lição, fica constatado que em Química Medicinal deve-se ter a máxima atenção na completa caracterização estrutural de toda e qualquer substância que se obtenha, sejam ativas ou não, em especial quando se procura por compostos protótipos de novos fármacos. Ademais, cabe registro, por este exemplo, que a literatura de patentes, sem análise pelos pares, pode conter erros grosseiros e que em caso de regioisômeros todo o cuidado, será sempre pouco! Eu acrescentaria ainda outro alerta: Cuidado também com os tautômeros....!
Finalmente, vê-se que embora interdisciplinar, a tarefa da Química Medicinal em identificar novos protótipos, exige competências próprias que devem ser respeitadas sempre, pois como vimos a síntese orgânica, por exemplo, não é uma mera atividade de “misturar e ficar junto”...! Como diz o outro: cada macaco no seu galho..., embora todos na mesma árvore!
Obrigado por lerem.