Esta
quadragésima sétima postagem, decidi dedicar aos grupos funcionais (GF´s) mais
frequentes nos fármacos. Entendendo que é possível que em suas estruturas podem
haver alguns mais predominantes que outros. Vamos identificá-los e a partir desta
predominância saberemos quais precisam ser aqueles mais estudados, na Química
Medicinal, propriamente dita e nas disciplinas básicas como a Química Orgânica e
a Síntese Orgânica, irmãs da Química Medicinal.
Existem várias publicações dedicadas a este tema e cabe
destacar, a título de ilustração apenas, o livro “Review of organic functional groups” de Thomas L. Lemke, Victoria
F. Roche e S. William Zito, já em sua quinta edição, adotando a visão da
Química Medicinal. Outro, de importância histórica, que precisa ser citado é “Patai´s chemistry of functional groups”,
com vastíssima documentação da reatividade, métodos de síntese/preparação e
transformação de GF´s, com viés para a Química Orgânica. Inúmeros papers descrevem a frequência com que
determinados GF´s aparecem, predominantemente, nos fármacos, admitindo que
deverão ter propriedades físico-químicas favoráveis à druggability, i.e. maior probabilidade
de contribuírem para adequada biodisponibilidade, devido ao provável
coeficiente de partição favorável à biodistribuição ideal, para a estabilidade
química, metabólica e para a baixa toxicidade. Estes GF´s deverão ser aqueles a
serem incluídos preferencialmente nas estruturas dos fármacos em
desenvolvimento, de forma a reduzir o risco de “morte” prematura, que eleva
significativamente, segundo as indústrias farmacêuticas, o custo das invenções
ou inovações terapêuticas. Claro que o que fundamenta tudo isso é saber que mais
de 85% dos fármacos em uso no arsenal farmacêutico contemporâneo, são moléculas
orgânicas sintéticas.
Para fazer curta e objetiva, uma história longa e complexa, menciono que
mais do que 90% dos fármacos sintéticos são cíclicos (exceção que pode ser
citada metformina), i.e. possuem em
suas estruturas químicas pelo menos um ciclo, sendo que destes, em sua esmagadora
maioria são policíclicos e aromáticos, geralmente multisubstituídos e em sua
maioria heterocíclicos. Assim sendo, a química de heterocíclicos é imprescindível
ao ensino de profissionais de nível superior para atuarem nesta área, tanto o
estudo de suas propriedades, métodos de síntese e reatividade. Tomara que ainda
seja assim nas grades curriculares
dos cursos de Química e Farmácia do País, como era quando fui estudante de
Farmácia (será?).
Se invertermos a abordagem feita até aqui, i.e. procurarmos identificar os GF´s que são menos abundantes nas
estruturas químicas dos fármacos, estes, em contraste aos mais frequentes, poderão
apresentar propriedades opostas, i.e.
indesejáveis para a druggability e
toxicidade da molécula. Desta feita constata-se que são bem menos numerosos os
trabalhos dedicados a esta visão dos GF´s e de forma geral se associam a
reatividade dos GF´s – em termos eletrofílicos ou radicalares – ao seu
potencial tóxico. De fato, GF´s muito reativos, nestes termos, são encontrados
entre aqueles classificados como toxicofóricos. Desta forma, os
derivados da classe dos nitroazolas (e.g.
benzonidazola) ou nitroaromáticos (e.g.
cloranfenicol), produzindo intermediários reativos radicalares pelo metabolismo,
apresentam toxicidade. Grupamentos funcionais classificados como aceptores de
Michael – e.g. enomas, também
apresentam potencial tóxico, embora atualmente este GF venha sendo incluído
racionalmente em moléculas planejadas para atuarem como inibidores enzimáticos irreversíveis,
como alguns quimioterápicos recentes. Entre os grupamentos lábeis, capazes de
produzirem adutos com nucleófilos biológicos, portanto potencialmente tóxicos,
encontram-se os haletos, sendo os de maior risco, aqueles mais reativos, dependendo
do halogênio quanto às suas características de grupos abandonadores numa reação
nucleofílica, i.e. I > Br > Cl
> F. Realmente, são raros os fármacos iodados e também muito raros os
bromados. Em contraste, são muito numerosos os fármacos clorados e fluorados,
mas nenhum benzílico ou alélico, de maior reatividade.
Cabe menção, que entre os fármacos utilizados na forma de sais inorgânicos,
inúmeros são os exemplos de bromidratos (e.g.
bromidrato de ipratropium), pois na forma de contra-íons o brometo não possui
toxicidade intrínseca comparável com aos haletos reativos.
Entre os fármacos (hetero)arilfluorados
temos alguns blockbusters e muitas
inovações terapêuticas marcantes, inter-alia:
atorvastatina, celecoxibe, ciprofloxacina, decernotinibe, escitalopram,
ezetimibe, fluticasona, fluconazola, fluoxetina, fluvastatina, gefitinibe,
idelalisibe, lansoprazola, levofloxacina, maraviroque, paroxetina,
pantoprazola, risperidona, roflumilaste, rosuvastatina, sitagliptina, sulindaco,
travoprost. Dentre estes exemplos, vários possuem o GF trifluormetila (-CF3)
em suas estruturas. Entre aqueles (hetero)aril ou alquilclorados encontramos alprazolam,
amlodipina, atovaquona, beclometazona, ciclofosfamida, clonazepam, clopidogrel,
clordiazepóxido, cloroquina, clorpromazina, clortetraciclína, clozapina, diazepam,
diclofenaco, indometacina, losartana, montelucaste, sertralina, entre outros.
Entre os poucos derivados
arilbromados que são empregados como fármacos encontramos, de origem natural a
nicergolina, um agente adrenérgico com indicações para o controle da enxaqueca;
de origem sintética, o brotizolam, derivado com propriedades sedativas; vandetanibe,
recentemente aprovado pela agência regulatória norte-americana (FDA; 2011) para
tratamento de câncer da tireoide e como exemplo de antisséptico, de importância
histórica, o mercúrio-cromo (Figura).
Ao
finalizar é bom relembrar que não é a mera presença de GF´s “do bem” na
estrutura química, que fará com que a molécula do fármaco seja “do bem”, i.e. não seja tóxica. Não devem os Químicas
Medicinais propriamente ditos, esquecerem que estes aspectos dependem da dose
empregada e que as propriedades terapêuticas de uma determinada substância resultam
da estrutura química como um todo e não apenas de parte dela!