Em 1988, Evans,
trabalhando nos laboratórios de pesquisa da Merck Sharp & Dohme, em New
Jersey, em projeto que visava a identificação de novos compostos não
peptídicos, antagonistas do receptor de CCK-A, identifica derivados ativos da
classe 3-alquilbenzodiazepínicos. Numa publicação descrevendo seus resultados (
J Med Chem 1988 31 2235–2246), introduz o termo estrutura privilegiada, considerando como tal, padrões moleculares
presentes em substâncias com atividades biológicas diversas. Neste contexto, as
estruturas privilegiadas, presentes em diferentes fármacos consagrados, com
distintas indicações terapêuticas, representam subunidades estruturais
farmacofóricas e drugables, ampliando
seu emprego na busca por novos compostos candidatos a fármacos e explicando o
então crescente número de citações de seu uso em Química Medicinal.
Outro eminente
pesquisador, também de laboratório industrial, Arthur A. Patchett, descobridor
das estatinas, publica uma atualização do tema, em 2000 (Annual Reports in Medicinal Chemistry 2000 35 289-298). Em 2006,
Costantino & Barlocco reúnem inúmeras aplicações deste conceito na
identificação ou otimização de compostos protótipos de novos fármacos, de
distintas classes (Curr Med Chem 2006
13 65-85). No ano seguinte, Duarte, Barreiro & Fraga descreveram , pela
primeira vez a função N-acilidrazona
(NAH), de caráter híbrido amida com imina, como uma estrutura privilegiada (Mini Rev Med Chem 2007 7 1108-19).
Alguns artigos de revisão, posteriores (e.g.
Curr Opin Chem Biol 2010 14 347–361),
incluem as NAH como tal, podendo ser a primeira subunidade estrutural acíclica
incluída nesta “privilegiada” classe de fragmentos moleculares. Desta forma,
introduz-se a ideia de que as famosas
estruturas privilegiadas representavam fragmentos moleculares
farmacofóricos, diversos. O conceito evoluiu, em termos de aplicação, tendo sido
útil na elaboração de quimiotecas, compostas por coleções de fragmentos
moleculares diversos, que hibridizados ou combinados uns aos outros, ou não, serviram
para a busca por novos hits/ligantes para alvos terapêuticos selecionados (e.g. GPCRs, enzimas/cinases),
empregando-se técnicas de screening
maciço robotizado (high-throughput
screening, HTS) e virtual.
Exemplos de estruturas privilegiadas
Nestes 26 anos de
existência, o conceito de estruturas privilegiadas foi largamente utilizado e inspirou novos
“apelidos” como o próprio termo citado acima, fragmento molecular ou molecular fragment, ou fragment-based, ou ainda: privileged scaffold, entre outros (e.g. , template, framework, moiety). Muitos autores tem empregado um ou
outro termo, de forma bastante liberal na literatura de Química Medicinal
contemporânea e vários livros[1]
têm sido editados com as variações destas denominações.
Ao finalizar quero
apenas comentar que há mais do que 26 anos, entendia-se como fragmento
molecular, aquele que se originava na
espectrometria de massas de compostos orgânicos, fruto do processo de
fragmentação, de importância no diagnóstico estrutural. Mas como os tempos
mudam e evoluem (!!) pode se entender que alguns termos também, por exemplo: obrigado
ficou sendo valeu; desculpa virou foi mal; um momento agora é rapidinho; até
logo = fui. Neste cenário, fica a dúvida para com o formalismo científico, onde
os termos certos não são certos termos! Sim ou não?
Obrigado por lerem.
[1] N. Brown, Ed., Scaffold Hopping in
Medicinal Chemistry, Volume 58, Methods & Principles in Medicinal
Chemistry, R Manhold, H Kubinyi, G Folkers, Eds., Wiley, 2013; E.R. Zartler
& M.J. Shapiro, Fragment-based Drug Discovery, a Practical Aproach, Wiley,
2008