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segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Sobre estruturas privilegiadas e outros bichos!


Em 1988, Evans, trabalhando nos laboratórios de pesquisa da Merck Sharp & Dohme, em New Jersey, em projeto que visava a identificação de novos compostos não peptídicos, antagonistas do receptor de CCK-A, identifica derivados ativos da classe 3-alquilbenzodiazepínicos. Numa publicação descrevendo seus resultados ( J Med Chem 1988 31 2235–2246), introduz o termo estrutura privilegiada, considerando como tal, padrões moleculares presentes em substâncias com atividades biológicas diversas. Neste contexto, as estruturas privilegiadas, presentes em diferentes fármacos consagrados, com distintas indicações terapêuticas, representam subunidades estruturais farmacofóricas e drugables, ampliando seu emprego na busca por novos compostos candidatos a fármacos e explicando o então crescente número de citações de seu uso em Química Medicinal.
            Outro eminente pesquisador, também de laboratório industrial, Arthur A. Patchett, descobridor das estatinas, publica uma atualização do tema, em 2000 (Annual Reports in Medicinal Chemistry 2000 35 289-298). Em 2006, Costantino & Barlocco reúnem inúmeras aplicações deste conceito na identificação ou otimização de compostos protótipos de novos fármacos, de distintas classes (Curr Med Chem 2006 13 65-85). No ano seguinte, Duarte, Barreiro & Fraga descreveram , pela primeira vez a função N-acilidrazona (NAH), de caráter híbrido amida com imina, como uma estrutura privilegiada (Mini Rev Med Chem 2007 7 1108-19). Alguns artigos de revisão, posteriores (e.g. Curr Opin Chem Biol 2010 14 347–361), incluem as NAH como tal, podendo ser a primeira subunidade estrutural acíclica incluída nesta “privilegiada” classe de fragmentos moleculares. Desta forma, introduz-se a ideia de que as famosas estruturas privilegiadas representavam fragmentos moleculares farmacofóricos, diversos. O conceito evoluiu, em termos de aplicação, tendo sido útil na elaboração de quimiotecas, compostas por coleções de fragmentos moleculares diversos, que hibridizados ou combinados uns aos outros, ou não, serviram para a busca por novos hits/ligantes para alvos terapêuticos selecionados (e.g. GPCRs, enzimas/cinases), empregando-se técnicas de screening maciço robotizado (high-throughput screening, HTS) e virtual.

 Exemplos de estruturas privilegiadas
 
           Nestes 26 anos de existência, o conceito de estruturas privilegiadas foi  largamente utilizado e inspirou novos “apelidos” como o próprio termo citado acima, fragmento molecular ou molecular fragment, ou fragment-based, ou ainda: privileged scaffold, entre outros (e.g. , template, framework, moiety). Muitos autores tem empregado um ou outro termo, de forma bastante liberal na literatura de Química Medicinal contemporânea e vários livros[1] têm sido editados com as variações destas denominações.
Ao finalizar quero apenas comentar que há mais do que 26 anos, entendia-se como fragmento molecular, aquele que se  originava na espectrometria de massas de compostos orgânicos, fruto do processo de fragmentação, de importância no diagnóstico estrutural. Mas como os tempos mudam e evoluem (!!) pode se entender que alguns termos também, por exemplo: obrigado ficou sendo valeu; desculpa virou foi mal; um momento agora é rapidinho; até logo = fui. Neste cenário, fica a dúvida para com o formalismo científico, onde os termos certos não são certos termos! Sim ou não?
 
Obrigado por lerem.
     


[1] N. Brown, Ed., Scaffold Hopping in Medicinal Chemistry, Volume 58, Methods & Principles in Medicinal Chemistry, R Manhold, H Kubinyi, G Folkers, Eds., Wiley, 2013; E.R. Zartler & M.J. Shapiro, Fragment-based Drug Discovery, a Practical Aproach, Wiley, 2008