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segunda-feira, 16 de junho de 2014

O Paradigma de Fischer-Ehrlich ou os fármacos e o prêmio Nobel


            Tenho andado meio “calado” por aqui. Mas apenas por aqui, pois para concluir a terceira edição de nosso livro “Química Medicinal: as Bases Moleculares da Ação dos Fármacos”, tenho lido mais do que nunca e não apenas suas provas finais, mas um pouco de muita coisa, científica ou não. Não sei se pode interessar, mas algumas dessas leituras recentes foram marcantes como a “Elegância do ouriço”, de Muriel Barbery e “O Professor” de Cristovão Tezza.
            Ao preparar algumas palestras que fiz recentemente, me ocorreram alguns fatos da história da origem de muitos fármacos, que ainda não tinham me chamado tanto a atenção, antes. Convenci-me que seria interessante abordar aqui a eventual relação entre a inovação terapêutica e o prêmio Nobel. Refletindo sobre esta eventualidade concluí que há intensa relação entre as inovações terapêuticas marcantes – aquelas realmente merecedoras deste adjetivo – e os ganhadores de muitos prêmios Nobel. Senão vejamos: são numerosos os cientistas ganhadores desta máxima homenagem, que construíram suas reputações em temas relacionados aos fármacos. Esta constatação pode parecer óbvia quando compreendemos que é impossível ter-se uma inovação terapêutica marcante, sem os estudos básicos, precisos e completos sobre os diversos aspectos complexos da doença, como o conhecimento das bases de sua fisiopatologia, por exemplo. Entretanto, muitos outros fatores além da questão da doença, são relevantes e, talvez, indispensáveis às inovações terapêuticas marcantes.
            Por exemplo, dos 555 prêmios Nobel concedidos até hoje, muitos da área da Química, foram agraciados por trabalhos que viabilizaram a descoberta/invenção de fármacos inovadores, seja na área da química orgânica propriamente dita ou da síntese orgânica, como Adolf O. R. Windaus (1928), Robert Robinson (1947), Linus Pauling (1954), Dorothy Hodgkin (1964), Robert B. Woodward (1965), Donald J. Cram, Jean-Marie Lehn e Charles J. Pedersen (1987), Elias J. Corey (1990), William S. Knowles, Ryōji Noyori e K. Barry Sharpless (2001), Richard F. Heck, Ei-ichi Negishi e Akira Suzuki (2010) ou da química computacional Martin Karplus, Michael Levitt e Arieh Warshel (2013). Vários destes eminentes cientistas associaram seus nomes às descobertas de fármacos de forma indireta, por inventarem metodologias sintéticas aplicáveis aos fármacos ou por realizarem a síntese de complexas moléculas bioativas, posteriormente relacionadas aos fármacos, ou ainda por elucidarem fenômenos ou criarem técnicas relevantes ao avanço do conhecimento científico, viabilizando o surgimento de inúmeras inovações terapêuticas. Na postagem anterior mencionei a importância de dois Nobelistas na construção do pensamento dos cientistas envolvidos em drug discovery ao longo de praticamente todo século passado. Refiro-me a Emil Fischer e Paul Ehrlich. O primeiro, químico orgânico que estudou os carboidratos, ganhou o mais importante laurel científico em 1902, enquanto que o segundo ganhou o prêmio Nobel de Medicina, em 1908. Ambos foram decisivos na construção do pensamento científico que levou à invenção de fármacos ao longo do século XX, o primeiro pelo conceito chave-fechadura, que antecipou o reconhecimento molecular dos fármacos pelos biorreceptores, enquanto que o segundo cunhou a teoria da “bala-mágica”, ou a ideia uma-doença-um-fármaco, responsável pela percepção da importância da seletividade dos fármacos pelos receptores. Este é o paradigma de Fischer-Ehrlich, que influenciou todo o pensamento da área durante o século XX. Vale repetir que não podemos esquecer que, praticamente, todos os fármacos que temos hoje no arsenal terapêutico contemporâneo, foram inventados/descobertos naquele século, sob a égide deste paradigma. Estes dois geniais Nobelistas nos ensinaram outra lição importante, que pode servir de epílogo desta postagem, em época de Copa do Mundo no Brasil, referente à interdisciplinaridade do complexo processo da inovação radical em fármacos e não é à toa que um foi premiado na área da Química e o outro na Medicina, assim como o farmacêutico Daniel Bovet, suíço naturalizado italiano, ganhou, em 1957, o Nobel de Medicina pelo trabalho realizado desde os tempos em que esteve no Instituto Pasteur trabalhando com Ernest Fourneau, o pai da Química Medicinal.
 
 
            Obrigado por lerem.