Tenho
andado meio “calado” por aqui. Mas apenas por aqui, pois para concluir a
terceira edição de nosso livro “Química Medicinal: as Bases Moleculares da Ação
dos Fármacos”, tenho lido mais do que nunca e não apenas suas provas finais, mas
um pouco de muita coisa, científica ou não. Não sei se pode interessar, mas algumas
dessas leituras recentes foram marcantes como a “Elegância do ouriço”, de
Muriel Barbery e “O Professor” de Cristovão Tezza.
Ao preparar
algumas palestras que fiz recentemente, me ocorreram alguns fatos da história da
origem de muitos fármacos, que ainda não tinham me chamado tanto a atenção, antes.
Convenci-me que seria interessante abordar aqui a eventual relação entre a
inovação terapêutica e o prêmio Nobel. Refletindo sobre esta eventualidade concluí
que há intensa relação entre as inovações terapêuticas marcantes – aquelas realmente
merecedoras deste adjetivo – e os ganhadores de muitos prêmios Nobel. Senão
vejamos: são numerosos os cientistas ganhadores desta máxima homenagem, que
construíram suas reputações em temas relacionados aos fármacos. Esta
constatação pode parecer óbvia quando compreendemos que é impossível ter-se uma
inovação terapêutica marcante, sem os estudos básicos, precisos e completos sobre
os diversos aspectos complexos da doença, como o conhecimento das bases de sua fisiopatologia,
por exemplo. Entretanto, muitos outros fatores além da questão da doença, são
relevantes e, talvez, indispensáveis às inovações terapêuticas marcantes.
Por exemplo, dos 555 prêmios
Nobel concedidos até hoje, muitos da área da Química, foram agraciados por trabalhos
que viabilizaram a descoberta/invenção de fármacos inovadores, seja na área da química
orgânica propriamente dita ou da síntese orgânica, como Adolf O. R. Windaus (1928), Robert Robinson
(1947), Linus Pauling (1954), Dorothy Hodgkin (1964), Robert B. Woodward
(1965), Donald J. Cram, Jean-Marie Lehn e Charles J. Pedersen (1987), Elias J.
Corey (1990), William S. Knowles, Ryōji Noyori e K. Barry Sharpless (2001), Richard
F. Heck, Ei-ichi Negishi e Akira Suzuki (2010) ou da química computacional Martin Karplus, Michael Levitt e Arieh Warshel (2013).
Vários destes eminentes cientistas associaram seus nomes às descobertas de
fármacos de forma indireta, por inventarem metodologias sintéticas aplicáveis
aos fármacos ou por realizarem a síntese de complexas moléculas bioativas, posteriormente
relacionadas aos fármacos, ou ainda por elucidarem fenômenos ou criarem
técnicas relevantes ao avanço do conhecimento científico, viabilizando o
surgimento de inúmeras inovações terapêuticas. Na postagem anterior mencionei a
importância de dois Nobelistas na construção do pensamento dos cientistas
envolvidos em drug discovery ao longo
de praticamente todo século passado. Refiro-me a Emil Fischer e Paul Ehrlich. O
primeiro, químico orgânico que estudou os carboidratos, ganhou o mais
importante laurel científico em 1902, enquanto que o segundo ganhou o prêmio
Nobel de Medicina, em 1908. Ambos foram decisivos na construção do pensamento
científico que levou à invenção de fármacos ao longo do século XX, o primeiro
pelo conceito chave-fechadura, que antecipou o reconhecimento molecular
dos fármacos pelos biorreceptores, enquanto que o segundo cunhou a teoria da “bala-mágica”,
ou a ideia uma-doença-um-fármaco, responsável pela percepção da importância
da seletividade dos fármacos pelos receptores. Este é o paradigma de
Fischer-Ehrlich, que influenciou todo o pensamento da área durante o século
XX. Vale repetir que não podemos esquecer que, praticamente, todos os fármacos
que temos hoje no arsenal terapêutico contemporâneo, foram inventados/descobertos
naquele século, sob a égide deste paradigma. Estes dois geniais Nobelistas nos
ensinaram outra lição importante, que pode servir de epílogo desta postagem, em
época de Copa do Mundo no Brasil, referente à interdisciplinaridade do complexo
processo da inovação radical em fármacos e não é à toa que um foi premiado na
área da Química e o outro na Medicina, assim como o farmacêutico Daniel Bovet, suíço
naturalizado italiano, ganhou, em 1957, o Nobel de Medicina pelo trabalho
realizado desde os tempos em que esteve no Instituto Pasteur trabalhando com
Ernest Fourneau, o pai da Química Medicinal.
Obrigado
por lerem.