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sexta-feira, 12 de abril de 2013

Mais história de inovação terapêutica recente: fumarato de dimetila (FDM, TecfideraR)

    
     Nesta vigésima-primeira postagem, vou apresentar-lhes a substância que corresponde a estrutura química acima. Trata-se do fumarato de dimetila (FDM), medicamento aprovado agora em 27 de março de 2013, pela agência reguladora norte-americana Food and Drug Administration (FDA), para o tratamento de adultos com esclerose múltipla (EM) reincidente.

     Devo dizer que minha primeira reação ao ver a estrutura foi de surpresa ou espanto! Por quê? Pela natureza da estrutura e a simplicidade da molécula! Esta estrutura química é de uma simplicidade fantástica, ridicularizando estruturas de outros fármacos importantes terapeuticamente e mercadologicamente, como o placlitaxel (TaxolR), a atorvastatina (LipitorR) e o imatinibe (GleevecR), para citar apenas estes, todos já comentados aqui, anteriormente.

     Alguns especialistas, envolvidos com o desenho de moléculas de novos fármacos, consideram que estas moléculas devam ter características críticas especialmente relacionadas às propriedades físico-químicas que, obviamente, são determinadas por seus fatores estruturais para poderem, eventualmente, virem a ser novos fármacos. Desde Lipinsky, inúmeras regras de diversas naturezas, foram estabelecidas e definidas como cruciais para que uma molécula, se respeitosa, pudesse almejar a vir a ser um fármaco! Foi assim que entramos na “Era das Regras” na Química Medicinal! Hajam regras! A “Regra dos 5”, foi a do início, também conhecida como regra de Lipinsky e tornou-se uma regra inviolável para toda molécula que se pretendesse ser um novo fármaco. Algo do tipo: ter no mínimo cinco sítios aceptores de ligações-H; de cinco a dez sítios doadores de ligações-H (múltiplo de cinco); não mais do que cinco anéis (nada a ver com Harry Potter...!); menos de 500 unidades de massa atômica de peso molecular..., mas isso é outro papo! Entretanto, apenas por estes pontos mencionados da “Regra dos 5”, vê-se que o FDM não foi respeitoso e saiu da bancada do laboratório e tomou lugar na prateleira da farmácia, a despeito de sua estrutura química bastante simples de uma molécula desrespeitosa! Foram tantas as regras e as equações que se afundaram a criatividade e a capacidade de se inventarem moléculas “obedientes” que seguissem as regras e, portanto, virassem fármacos! Não somente fármacos, mas se possível fármacos de sucesso. Não de sucesso terapêutico, apenas, mas autênticos futuros blockbusters que a indústria farmacêutica tanto busca, no momento, embora não confesse! Entretanto, se esqueceram de combinar com elas! Com as moléculas! Estas, por sua vez, como não são bobas e não estão nem aí prá estas regras todas, nem prá Lipinsky nenhum, nem tomaram conhecimento do destino previamente estabelecido e anunciado, de virem a ser novos fármacos de sucesso e eis que, neste contexto, assim como prá bagunçar o coreto, surge o fumarato de dimetila (FDM)! Acho desafiador aplicar quaisquer das ditas regras e identificar propriedades “farmacoloides” (não consegui melhor termo para “drugable”...., embora não goste muito deste pois lembra-me o Debi & Loide!) na molécula desta substância, que já frequentava os diferentes balões de várias ilustres bancadas, em diversos laboratórios, famosos ou não, de química orgânica, mundo afora e que por sua natureza estrutural de um éster alfa,beta-insaturado que se preza, de fórmula C6H8O4 - mais singela, diga-se de passagem, que o ácido acetilsalicílico (AAS) - é um excelente aceptor de Michael. Como tal sofre reações de adição nucleofílica, inclusive com glutationa (GSH) da biofase, produzindo adutos estáveis! Além disso, inúmeras reações de Diels-Alder envolvem o FDM que é um ótimo dienófilo, face à reatividade de seu sistema vinilidênico de configuração trans, duplamente ativado pelas carboxilas, produzindo estereoespecificamente esqueletos cíclicos de carbono, bem mais complexos, como o norborneno, quando condensado com dienos como o ciclopentadieno. Além do que, sendo um éster duplo, sofre hidrólise química e enzimática, total ou parcial, sendo substrato para esterases, que produzem in vivo o fumarato monometílico, substância que também apresenta propriedades imunomoduladoras e antioxidantes, embora inferiores ao FDM. Interessante assinalar que o FDM é capaz de provocar reações alérgicas na pele de algumas pessoas, pelo simples contato, tendo sido por isso banido da formulação de diversos produtos caseiros na Europa. Entretanto, em 21 de março deste ano, a agência europeia EMA, também aprovou o uso oral do DMF para o tratamento da EM.
     A utilização terapêutica de ésteres do ácido fumárico (EAF), inclusive do FDM, foi descrita pela primeira vez, em 1959, pelo químico alemão W. Schweckendiek, que descreveu melhoras em sua psoríase pelo tratamento com FDM.
     Fármacos para doenças consideradas raras têm tratamento diferenciado em agências regulatórias como o FDA, tendo trâmite acelerado em sua apreciação. Assim que no mês passado, como dito no início, foi aprovado pelo FDA o TecfideraR ou seja cápsulas orais de FDM, comercializadas pela Biogen Idec, empresa de biotecnologia norte-americana, para uso em quadros de EM reincidente.
     Interessante assinalar que o custo anual previsto pela empresa para o tratamento da EM com este novo fármaco será de ca. US$ 54.900,00, ou de US$ 4.575,00/mês ou R$ 9200,00/mês, valores próximos dos US$ 60.000,00/ano (=R$ 120.000,00) que custa o tratamento com GilenyaR (fingolimode da Novartis), um fármaco imunoregulador ou dos US$ 51.000,00 (=R$ 102.000,00) anuais para o tratamento da EM com o AubagioR (teriflunomida, metabólito ativo da leflunamida, Sanofi), também um fármaco imunoregulador que atua sobre a dihidroorotato desidrogenase. Também é bastante interessante observar que o FDM comprado de fornecedores químicos chega a custar ca. US$ 56,20 ou R$ 112,40 por kilograma! Uma rápida visão destes valores indica que o preço do tratamento da EM com TecfideraR, com cápsulas de 240 mg cada, não pode ter sido determinado pelos custos de produção, visto o preço da matéria-prima que por kilograma pode render ca. 4000 cápsulas! Talvez seja, este exemplo, um dos mais valiosos de como se agrega valia ao transformar-se um fármaco em medicamento, dando razão às empresas farmoquímicas quando se classificam como “primos pobres” da cadeia de inovação em fármacos e medicamentos. Inovar em fármacos dá grana! E como dá! E olha que o FDM tem apenas seis átomos de carbono... nada mais! Pode?!

Obrigado por ler!