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sábado, 4 de novembro de 2017

Quanto de amostra?


    
     Recentemente apresentei um seminário no programa de nosso laboratório (LASSBio), tratando dos compostos-protótipos que haviam sido descobertos nestes 23 anos de vida do laboratório. Refiro-me a derivados originais, obtidos ao longo dos anos, em diferentes projetos, que cumpriram a etapa pré-clínica de desenvolvimento de um novo fármaco. Esta etapa vai até a toxicidade crônica, estudada em espécie distinta de murino, em atendimento às recomendações regulatórias, passando pela elucidação do mecanismo farmacológico de ação e pela otimização molecular das propriedades PK/PD, etapas típicas do processo realizadas por nós, Químicos Medicinais.
 
    Ao prepara-lo - o seminário - constatei que para o cumprimento das etapas consecutivas que integram a fase pré-clínica, há uma demanda crescente de quantidades de amostras de substância e que, em nossos compostos-protótipos, chegaram a demandar quantidades molares, de ca. 20 M, em pelo menos um caso.

Lembrei-me, que há tempos, havia lido um artigo no Nature Reviews Drug Discovery, em 2005 (referência na Figura abaixo), que tinha um lindo esquema ilustrativo das necessidades crescentes de quantidades de amostra para o cumprimento da fase pré-clínica, no caso do artigo, para os produtos naturais que dependem da abundância do composto em estudo no extrato. Decidi adaptar aquela figura para ilustrar este post, referindo-me, agora, às substâncias de origem sintética, onde o acesso a quantidades mais importantes de amostra não apresenta o mesmo nível de dificuldade, ao menos em tese, que no caso dos produtos naturais. Todos aqueles que se envolvem em projetos de pesquisa científica, envolvendo a busca de pequenas moléculas bioativas, de qualquer origem, candidatas a fármacos, já se depararam com a inevitável pergunta: Quanto de amostra? Geralmente esta pergunta aparece em várias e diferentes etapas do processo em estudo e em ampla maioria dos casos é proferida pelo químico...!!
O período sublinhado no parágrafo acima, é uma afirmativa verdadeira quando se dispõe de laboratório capacitado para realizar o escalonamento da rota sintética, na demanda compatível com o estágio de desenvolvimento dos estudos pré-clínicos de uma nova molécula candidata a fármaco. Esta demanda é crescente, indo de poucas miligramas nas etapas iniciais do processo onde realiza-se a confirmação da afinidade da substância por um dado alvo terapêutico potencial. Aumentando quando se chega aos estudos do mecanismo de ação e é ainda maior na etapa dos bioensaios de toxicidade crônica, realizados em cães. Considerando-se que estes animais atingem peso corpóreo de 2,5 Kg, dez vezes mais que o rato e 20 vezes mais que camundongos, a quantidade relativa de amostra acompanha esta crescente. Além disso, os marcos regulatórios exigem que estes ensaios sejam realizados com amostras obtidas por síntese em uma única “batelada” o que, para o peso molecular médio (< 450 Da) das substâncias orgânicas que atingem o estágio de protótipos de novos candidatos a fármacos, pode demandar quantidades equivalentes a 20 M de amostra (em um dos nossos casos foram 5 Kg), uma vez que estes ensaios são realizados por 180 dias.
     Não estão os mesmos laboratórios universitários ou de ICT´s, onde sintetizam-se amostras de novas substâncias em pequenas quantidades - geralmente indo de 100 mg a menos de 5,0 g - capacitados para atingirem, com segurança, as escalas mencionadas acima. Denomino esta escala do escalonamento sintético, como scale-up primário (escalonamento primário), que não se refere às necessidades de eventual produção industrial ou mesmo pré-piloto, mas àquelas necessárias ao cumprimento da fase pré-clínica do desenvolvimento de um candidato a novo fármaco.
 
      Sem acesso às quantidades necessárias para realizarem-se estes ensaios, como chegaremos a levar uma molécula à fase 1 dos ensaios clínicos? Uma substância descoberta em laboratórios do País, “falando” português?
      A resposta é: certamente, jamais...!
 
      Obrigado por lerem!