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sábado, 16 de fevereiro de 2013

A história de uma inovação terapêutica recente: a descoberta do tofacitinibe

 
 
 
 

Um dos desafios ainda não completamente respondidos em termos terapêuticos é o tratamento de quadros inflamatórios crônicos, degenerativos, como a artrite reumatoide (AR). Vários biofármacos que apresentam propriedades anti-fator de necrose tumoral a (TNF-a; e.g. adalimumab (HumiraR, Abbott), infliximab (RemicadeR, Janssen Biotech), etanercept (EnbrelR, Amgen)), atuando por distintos mecanismos moleculares, têm sido empregados no controle desta doença, mas com ainda algumas limitações. Como produtos biotecnológicos, estes biofarmacos são de elevado custo e oneram sobremaneira os sistemas de saúde pública, além de não poderem ser utilizados por via oral. Embora inúmeros esforços de pesquisa venham sendo feitos por diversos laboratórios, ainda não se logrou obter um fármaco efetivo para o tratamento eficaz da AR. Na verdade, ainda não se havia logrado sucesso, até novembro de 2012, quando a agência reguladora norte-americana (Food Drug Administration, FDA) autorizou o uso do tofacitinibe (XeljanzR) com indicação para o tratamento da AR.
Vale registro o fato de que sua aprovação ao final do ano passado, resultou num esforço de pesquisa conjunta entre grupos de pesquisa da Pfizer e do National Institute of Health (NIH) dos EUA, liderados pelos Dr Paul Changelian e Dr John J. O’Shea, respectivamente. Esta colaboração se iniciou no verão de 1993, quando após uma conversa entre os dois, no FASEB Summer Conference on Lymphocytes and Antibodies, realizado em Vermont, surgiu a perspectiva de se utilizarem um novo possível alvo para controlar a resposta imunológica com benefícios para o tratamento de doenças imunes e mesmo a prevenção da rejeição de órgãos transplantados como objetivava o grupo de pesquisas em imunossupressão da Pfizer Global Research de Groton, Conneconticut, onde atuava o Dr Changelian. À época o Dr O’Shea estudava uma classe de tirosina-quinases com ação na resposta imunológica, especialmente a Janus quinase (JAK1, JAK2, JAK3) que são proteínas com ca. 1150 amino ácidos e peso molecular aparente de 120-130 kDa, atuando sobre receptores próprios, promovendo sua fosforilação e atuando sobre o ativador da transcrição e transdutor de sinal (STAT, signal transducer and activator of transcription; Figura) que controla a  sinalização promovida pela interleucina-2 (IL-2), um fator decisivo para o aumento de linfócitos T, envolvidos, por exemplo, na rejeição de rins transplantados. A via da JAK também modula outras citocinas como o interferon a/b (IFN), IL-6, IL7, IL-15 e IL-21. Outros resultados descritos na literatura, apontavam para a interveniência do sistema dependente da JAK na modulação da IL-2 e, consequentemente na produção de linfócitos T. Estes resultados vistos em conjunto sugeriam que possivelmente o bloqueio da via JAK poderia resultar na regulação da resposta imune exacerbada. Esta intervenção terapêutica representava um inovação terapêutica para o controle e tratamento da AR. Após a Pfizer e o NIH terem estabelecido acordos de cooperação, um projeto de pesquisa se iniciou na busca de novos compostos com propriedades inibidoras da JAK.
 Sistema JAK-STAT
 
 

Em meados de 2000, foi identificado pelo grupo de imunologistas e químicos medicinais, o composto CP-690.550 derivado sintético heteropiperidínico funcionalizado, que inibe a JAK1 e JAK3. Estudos pré-clínicos realizados em macacos com rins transplantados, na Universidade de Stanford, EUA, indicaram a efetividade desta substância que após ensaios clínicos em pacientes com psoríase severa, indicaram nítida regressão das placas psoriáticas, confirmando a indicação anti-inflamatória. Em 2011, a Pfizer depositou no FDA o dossiê de New Drug Application que teve sua aprovação em novembro de 2012. Este derivado pirrolo[2,3-d]pirimidina, possui este sistema heterocíclico de forma a assegurar similaridade molecular com o ATP utilizado por esta tirosina-cinase na fosforilação do receptor e tem sua síntese ilustrada na Figura abaixo. Pode ser obtido a partir da 3-amino-4-metilpiridina e é utilizado na forma enantiopura. Foi denominado inicialmente tasocitinibe e, posteriormente, tofacitinibe, com indicação no tratamento da AR e possivelmente psoríase e doença inflamatória do intestino entre outras doenças inflamatórias crônicas degenerativas de fundo imunológico (veja a bibliografia citada ao final).
 
Rota sintética do tofatinibe
  
Estimam os especialistas que o custo do tratamento com tofacitinibe seja em torno de US$ 70, mensais/paciente. Este é um aspecto importante desta inovação terapêutica, pois se confirmadas estas expectativas, o uso de biofármacos de elevado custo, poderá ser substituído por recurso terapêutico mais barato. Apenas para ilustrar, o faturamento anual, em 2012, para os três biofármacos indicados anteriormente superou os US$ 12 bilhões, sendo as expectativas de vendas para 2013, apenas do adalimumab (HumiraR), da Abbott, superiores aos US$ 8,5 bilhões, sendo atualmente um dos best-seller em vendas. Estudos recentemente publicados de ensaios de fase clínica 3, realizados nos EUA (David Geffen School of Medicine, University of California em Los Angeles), Brasil (Centro Paulista de Investigação Clinica & Departamento de Reumatologia, Hospital Heliópolis, São Paulo, SP), Espanha (Hospital Universitario Marqués de Valdecilla, Avda Valdecilla, Santander) e Alemanha (Charité—University Medicine Berlin, Berlin, Germany & Schoen-Klinik Hamburg-Eilbek Teaching Hospital of the University of Hamburg, Hamburg), evidenciaram que o tofacitinibe, associado ao metotrexato, permitiu o controle  da AR em pacientes que não respondem aos biofarmacos usuais. A Pfizer anunciou resultados favoráveis de estudos clínicos de fase 2 com este fármaco no tratamento da psoríase, podendo vir a ser uma segunda indicação para o tocitinibe. O mercado de fármacos para o tratamento desta doença inflamatória é estimado em ca. US$ 8 bilhões, em 2020.
A história do tofacitinibe ilustra uma recente inovação terapêutica, em termos do princípio ativo e do mecanismo farmacológico de ação que terá forte impacto no tratamento da AR, sendo possível que este fármaco se torne, em breve, um novo blockbuster, reduzindo para a Pfizer o impacto da perda de receita provocada pelo fim do monopólio patentário da atorvastatina, em novembro de 2011.
Obrigado por ler.
Bibliografia:

JJ O'Shea, H Park, M Pesu, D Borie, P Changelian, New strategies for immunosuppression: interfering with cytokines by targeting the Jak/Stat pathway, Curr. Opin. Rheumatol. 2005, 17, 305.
Tofacitinib, Drugs in R&D, 2010, 10, 271-284
WJ Sandborn, S Ghosh, J Panes, I Vranic, C Su, S Rousell, W Niezychowski, Tofacitinib, an Oral Janus Kinase Inhibitor in Active Ulcerative Colitis, N Engl J Med 2012, 367, 616;
GR Burmester, R Blanco, C Charles-Schoeman,  J Wollenhaupt, C Zerbini, B Benda, D Gruben, G Wallenstein, S Krishnaswami, SH Zwillich, T Koncz, KSoma, J Bradley, C Mebus, A recent phase-III clinical trial (Tofacitinib (CP-690,550) in combination with methotrexate in patients with active rheumatoid arthritis with an inadequate response to tumour necrosis factor inhibitors: a randomised phase 3 trial, Lancet 2013, 381, 451.