Nos últimos tempos tenho lido muita
coisa, de química medicinal e outras. Afinal, aproveitar uma pausa de nada
mais, nada menos do que sete (eu disse sete!!) dias de autênticas férias fora
de época, me ajudou a decidir sobre o tema desta postagem.
O século passado começa a se
distanciar, embora ainda haja um pouco de “antigamente”
no ar, quando percebemos que apenas catorze anos do novo século, decorreram até
hoje. Várias tangentes podem dar a dimensão da época. Por exemplo, apenas 14%
do novo século se passaram, adotando a referência do vigésimo, o que pode ser
considerado “pouco tempo”. Por outro
lado, se nos lembrarmos que este ano, em julho, completar-se-á um século do
início da Primeira Guerra Mundial, parece bem distante, embora com a atual situação
política no leste europeu, devemos compreender que nossa época tem marcas que devem
nos levar a reflexões.
Voltemos à Química Medicinal! No século passado conquistamos
significativos avanços tecnológicos, em várias, distintas e numerosas áreas,
incorporando estas novas tecnologias ao nosso cotidiano com sensível melhoria de
nossa qualidade de vida. Diversos exemplos poderiam ser mencionados, mas vou me
restringir aos medicamentos que são uma das mais importantes invenções do
século XX. De fato, descobriram-se e inventaram-se, ao longo daquele século,
praticamente todo o arsenal terapêutico contemporâneo. Algumas descobertas
significativas são representadas pela penicilina, descoberta na Inglaterra, por
Fleming em 1928 e o paclitaxel, descoberto em 1967, por Wall e Wani, nos
Estados Unidos. A primeira substância se originou de fungos enquanto que a
segunda, surgiu em plantas, evidenciando a importância dos produtos naturais
nos primórdios dos medicamentos.
Estruturas
do paclitaxel (à esquerda) e da penicilina-G (à direita)
Invenções importantes
surgiram naquele século, sendo as moléculas do propranolol e da cimetidina criadas por Black e colaboradores, em 1964 e
1975, respectivamente, na Inglaterra, exemplos marcantes. Ambos compostos, de
indicações terapêuticas distintas, representaram inovações radicais de alto
impacto que têm em comum a mesma base metodológica que, aliás, predominou ao
longo de nove décadas do século XX. Foram frutos do pensamento da época que
sugeria a necessidade de seletividade para determinado alvo-terapêutico, como
atributo de segurança e de poucos efeitos adversos. Esta abordagem, explicada
pelo paradigma de Fischer & Ehrlich, vigorou desde o início do século e
orientou a invenção da maioria dos fármacos do século XX. Esta maneira de “pensar”
os novos fármacos, à época, foi capaz de moldar a terapêutica ao longo do
século de então e são inúmeros os exemplos de sucesso que tiveram fantásticas
repercussões no tratamento e no controle de diversas doenças. Curiosamente,
algumas patologias não lograram tratamento eficaz, à luz desta tendência, especialmente
aquelas de causas multifatoriais, como câncer, diabetes tipo-2, Alzheimer e
vários quadros inflamatórios crônicos como artrite reumatoide, entre outros.
Capa da revista Time comemorando a invenção do imatinibe (GleevecR) e sua estrutura química.
Após
a virada do século começaram a surgir na literatura de química medicinal, inúmeros
artigos tratando das vantagens terapêuticas dos fármacos multialvos, certamente
inspirados pela compreensão da importância dos efeitos benéficos do imatinibe
no tratamento da leucêmia mielóide crônica (CML), atuando como inibidor de
tirosinas quinases, Bcr-Abl, principalmente, c-kit e PDGF-R (receptor do fator
de crescimento derivado de plaquetas), um dos primeiros exemplos de sucesso de
fármacos multialvos, característica que deverá predominar nas principais inovações
terapêuticas do século XXI, desenhando o perfil dos futuros fármacos. Será?
Muito obrigado por lerem.