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domingo, 5 de abril de 2020

Novamente sobre o novo coronavirus 2019 (II)

O novo coronavirus 2019 (nCoV-19; Figura 1) provoca a síndrome respiratória aguda severa (SRAS-CoV-19), que muitos autores consideram como pneumonia grave, sendo responsável pela pandemia que vivemos neste ano de 2020.
O impacto dos números de pessoas infectadas não para de crescer dia a dia e no momento em que escrevo já ultrapassou 1 milhão de infectados com ca. 70.000 óbitos no mundo [link]. A capacidade de contágio deste vírus surpreendeu muitos especialistas e os políticos responsáveis pelas medidas de saúde pública dos diferentes países, que o subestimaram. No Brasil a pandemia tem se mostrado bastante severa com ca. 11.500 infectados e ca. 490 mortos, nesta data e os esforços de todos tem ajudado no controle da velocidade de contágio.
Infelizmente ainda não dispomos de armas terapêuticas – medicamentos ou vacinas – para seu combate, o que agrava sua periculosidade e letalidade. Surgem diariamente relatos de substâncias que teriam demonstrado efeitos sobre o nCoV-19, mas sem a necessária comprovação de eficácia e segurança. A primeira menção foi a cloroquina (1) e a hidroxicloroquina (2) [Liu, J, et al., Hydroxychloroquine, a less toxic derivative of chloroquine, is effective in inhibiting SARS-CoV-2 infection in vitro. Cell Discov 2020, 6, 16 (2020). https://doi.org/10.1038/s41421-020-0156-0] . Esta última com indicação terapêutica para tratamento de quadros inflamatórios crônicos (e.g. artrite reumatoide), sendo classificada como um fármaco que modifica o quadro da doença reumática do paciente. A cloroquina, que lhe originou, é um fármaco com indicação original de antimalárico, que foi descoberta nos idos de 1939, a partir de informações obtidas dos soldados alemães capturados pelas forças militares aliadas no norte da África, durante a II Guerra  Mundial. A partir destas informações a santoquina (3) foi identificada como princípio ativo e estudada nos EUA até se chegar à cloroquina. Este fármaco se enquadra na classe dos derivados 4-aminoquinolínicos, subunidade inspirada na quinina (4), alcaloide majoritário de Cinchona officinalis, árvore sul-americana utilizada pelos nativos locais como antifebril, quando da colonização espanhola da América do Sul. A despeito de ser um medicamento antigo, a cloroquina tem sido investigada continuamente ao longo do tempo para novas eventuais indicações. Existem relatos de ensaios da cloroquina para 137 alvos-terapêuticos distintos, sendo um exemplo do interesse dos grupos de pesquisas, empresariais ou acadêmicos, que se dedicam à reposição de fármacos.
Os efeitos da cloroquina e da hidróxicloroquina sobre o nCoV-19 ainda não foram suficientemente comprovados e são bastante debatidos na literatura, comum e especializada. Alguns relatos indicam seus efeitos em pacientes com SRAS-nCoV-19, mas foram objeto de ensaios em pequeno número de pacientes, visto a dimensão alcançada pela pandemia no mundo, não sendo, portanto, validados. Outros relatos dedicam-se a estudos do uso destes derivados quinolínicos associados a outros fármacos antivirais, também estudados sobre o nCoV-19, como ribavarina, favipiravir [T-705], remdesivir [GS-5734], galidesevir [BCX4430].

Atualmente inúmeros grupos de pesquisa ao redor do mundo (e.g. Li G, De Clercq E., Nature Rev Drug Discov. 2020 (March 2020) v. 19, p. 149-150) estão estudando tenazmente várias abordagens terapêuticas possíveis para combater o nCoV-19, investigando possíveis alvos virais (e.g. 3-quimiotripsina-like protease; papaína-like protease; helicase; DNA polimerase;  glicoproteína de superfície spike [proteína S]), essenciais ao ciclo evolutivo do nCoV-19 (e.g. Yan, R. et al. Structural basis for the recognition of SARS-CoV-2 by full-length human ACE2. Science, 2020, (27 March 2020) v. 367, # 6485, p. 1444–1448), seja utilizando moléculas conhecidas ou inéditas, estas desenhadas in sílico a partir dos estudos computacionais com as estruturas 3D dos alvos, quando disponíveis. Alguns autores estimam que temos ca. 180 novas publicações semanais, sobre os diferentes aspectos do nCoV-19, algumas oriundas de laboratórios brasileiros.
Cabe menção a publicação recentemente feita por Liu e colaboradores (ACS Cent. Sci. 2020, 6, 315-331) do Chemical Abstract Service (CAS), uma divisão da American Chemical Society, que reuniram neste trabalho as informações publicadas sobre nCoV-19, incluindo as patentes e as substâncias disponíveis no CAS.
Obrigado por lerem.