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segunda-feira, 14 de novembro de 2011

A Linha do Tempo da Química Medicinal: assim nascem os fármacos (III)



A descoberta da penicilina promoveu o desenvolvimento da quimioterapia e inúmeros e diversos antibióticos se somam na composição do atual arsenal terapêutico. Além da diversidade química destas substâncias bioativas, em termos moleculares, vários são seus os mecanismos farmacológicos de ação. Ao lado dos antibióticos, outros fármacos são classificados como qumioterápicos e entre estes estão os fármacos oncológicos, onde se encontram os antibióticos anti-câncer, como as antraciclínas, e destacam-se a daunomicina (daunorubicina) descoberta nos laboratórios Farmitalia na cidade de Milão, Itália, por Aurelio Di Marco, em 1962, isolada do fungo Streptomyces peucetius e seu derivado 14-hidroxilado, adriamicina, que podem ser consideradas as moléculas pioneiras desta classe de agentes oncológicos.

Os fármacos anticâncer são diversos em termos moleculares e em mecanismos de ação, sendo que algumas classes terapêuticas como aquela das mustardas nitrogenadas, classificadas como anti-metabólitos, resultaram da aplicação de conceitos da Química Medicinal que permitiram a troca do átomo de enxofre de temidas armas químicas empregadas na primeira guerra mundial, por átomos de nitrogênio, levando aos cloridratos de halo-etilaminas, na primeira metade do século XX. Foram os trabalhos pioneiros de Louis Goodman, Alfred Gilman e colaboradores que permitiram a identificação das propriedades anticâncer desta classe de fármacos por volta da primeira metade do século XX.





A descoberta dos alcalóides da Vinca como agentes anticâncer resultaram dos estudos feitos com extratos de Catharanthus roseus (L.) para identificar as alegadas propriedades antidiabéticas desta planta, conhecidas pelos etnobotânicos. O isolamento de derivados indólicos diméricos, denominados vincristina e vinblastina, estruturalmente relacionados, diferenciando-se entre si pelo grau de oxidação de um grupo N-metila, que ganharam a indicação terapêutica para uso no tratamento de diferentes leucemias e linfomas. A importância da descoberta dos derivados da Vinca como fármacos anti-câncer reside também, na motivação que representaram para a criação de um extenso denado programa de pesquisas, nos anos 50, no National Cancer Institute (NCI) dos EUA, visando a identificação de propriedades antitumorais em extratos vegetais, coordenado por Jonathan Hartwell, químico orgânico que organizou a implantação e execução deste programa de pesquisas, a que o Departamento de Agricultura norte-americano se associou, viabilizando acesso a mais de 30000 extratos vegetais. Este programa resultou na criação do Cancer Chemotherapy National Service Center (CCNSC), em 1955, e foi responsável pela descoberta de diversos fármacos anti-câncer como os derivados semi-sintéticos oriundos da podofilotoxina, etoposido e tenoposido, além da identificação dos taxóides representados pelo paclitaxel (Taxol), da camptotecina que também inspirou série de fármacos análogos (e.g. tenotecam).





O paclitaxel (Taxol), tem uma estrutura química muito original que representou importante desafio científico para sua elucidação, por sua complexidade e originalidade. Combina em sua biossíntese isoprenóide, a incorporação de resíduo de aminoácido a-hidroxilado, fato raro em derivados terpênicos. Este desafio foi vencido por Monroe Wall e Mansuhk Wani, no Laboratório de Produtos Naturais do Research Triangle Park (RTT), na cidade de Chapell Hill, na Carolina do Norte, EUA, em 1971. O Taxol além de sua estrutura química original evidenciou um novo mecanismo de ação anti-tumoral conforme elucidado por Susan Horwitz, em 1978, no Departamento de Farmacologia Molecular do Albert Eisntein College of Medicine, Nova Iorque, EUA, bloqueando a depolimerização de microtubulos, importante etapa do processo de multiplicação celular. A reduzida abundância natural deste terpeno pentaciclíco, representou importante desafio aos químicos orgânicos sintéticos que descreveram sua síntese total nos anos 70. Kyriakos C. Nicolaou do Scripps Research Institute, Califórnia e Robert Holton da Universidade Estadual da Flórida, e colaboradores, descreveram duas sínteses totais, multi-etapas, para o Taxol. Um eminente pesquisador francês, Pierre Potier, do Institut de Chimie des Substances Naturelles, em Gif-sur-Yvette, coordenou importante projeto de pesquisas interinstitucional, que viabilizou a descoberta de novo taxóide anti-câncer, docetaxel (Taxotere) um derivado semi-sintético obtido como intermediário durante estudos da hemi-síntese do Taxol a partir de um derivado taxânico natural, vinte vezes mais abundante e estruturalmente mais simples que o Taxol, 10-desacetil baccatina-III (10-DAB), isolado de Taxus baccata. Estes estudos sintéticos que originaram o docetaxel, foram realizados na Université Joseph Fourrier, em Grenoble, pelo grupo de Andrew E. Greene e contou com a participação do Dr Jean-Noel Denis e alguns estudantes de pós-graduação brasileiros, à época, como Arlene G. Corrêa, que defendeu tese de doutoramento intitulada Synthèse de las chaînes latérales des composés anti-tumoraux taxol et taxotère (maio de 1991) e hoje é Professora Associada do Departamento de Química, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP.





Em dezembro de 1992, trinta anos após a amostra do extrato de Taxus brevifolia ter sido processada e mais de vinte anos após Wall e Wani terem descrito seus resultados sobre o isolamento e a elucidação estrutural do Taxol, a agência reguladora americana Food and Drug Administration aprova o uso do Taxol para o tratamento do câncer de ovário e mama solicitado pelo laboratório farmacêutico Bristol-Meyers & Squibb, na Europa o Taxotere também tem sua aprovação pelo EMEA, algum tempo depois, sendo ambos fármacos exemplos de sucesso de programas de pesquisa interinstitucionais de longo prazo como exige a inovação farmacêutica. Cabe registro, também, o exemplo que paclitaxel e captotecina nos deram quanto a descoberta de fármacos de origem natural mesmo considerando-se que o uso por via oral não é sempre viável, a originalidade estrutural reserva, ao menos nestes dois exemplos, novidades em termos de mecanismos farmacológicos de ação que estimulam o planejamento e a obtenção, por síntese ou hemi-síntese, de novos análogos mais eficazes, pela aplicação de princípios e estratégias da Química Medicinal.





Na próxima parte desta Linha do Tempo da Química Medicinal: assim nascem os fármacos, trataremos das descobertas/invenções de importantes fármacos dos anos 60, como o nascimento dos benzodiazepínicos e dos anti-inflamatórios não-esteróides, representados pelo clordiazepóxido e indometacina, respectivamente.




Obrigado por ler.

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