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sexta-feira, 30 de março de 2018

Voltaire, os remédios, Machado e os medicamentos...


     Voltaire (filósofo francês do século 18) tem inúmeras frases célebres, algumas demonstrando preocupações com as doenças e suas curas. Filosofou a respeito dos remédios da época, indagando: “Como morrem os remédios?”. Refletindo sobre o tratamento dos doentes, escreveu que “...a arte da Medicina consiste em distrair o paciente, enquanto a Natureza cuida da doença”. Em seu tempo enunciou uma definição para aqueles profissionais: ”Os médicos são homens que prescrevem remédios sobre os quais eles pouco conhecem, para curar doenças sobre as quais sabem menos ainda, em seres humanos sobre os quais não sabem nada”.
 
   Em sua biografia, há registros de que Voltaire tinha uma precária saúde, o que poderia ter sido sua  motivação para dar atenção às doenças e seus doentes. Traçando-se um paralelo entre aquele momento, em que vivia o filósofo e o atual, se nos propuséssemos a atualizar aquelas definições, fazê-lo seria tarefa simples. Ao contrário, pois em nossos dias, se o binômio doença-doente já foi ultrapassado, o direito constitucional à Saúde ainda não foi universalizado entre nós.
   Atualmente, considera-se que as políticas públicas de Saúde devem visar sua preservação, manutenção, promoção e correção. Para tanto, é preconizado o uso seguro e racional dos medicamentos, denominação atual para os “remédios” de Voltaire. De fato, em nosso idioma, remediar indica ato paliativo, distante de curar, missão maior dos medicamentos contemporâneos. Assim que, embora o uso popular do termo remédio, tenha se vulgarizado e em muitas ocasiões seja empregado como sinônimo de medicamento, nenhum profissional da saúde deve promover este malfeito, falando “remédios” ao referir-se aos medicamentos!
   Pode parecer curioso que Voltaire se tenha preocupado com o uso dos remédios, tendo sido um filósofo. Na verdade, não é tanto assim. Machado de Assis, nosso ilustríssimo e genial escritor do século 19, também escreveu sobre os remédios de sua época. O fez na pele de Brás Cubas, em seu “As memórias póstumas de Brás Cubas” quando escreveu sobre os pensamentos de seu principal personagem, ao almejar algo mais para a humanidade de seu tempo: “"Nada menos que a invenção de um medicamento sublime...”, que segundo o personagem deveria ser “...capaz de aliviar nossa melancolia”, para merecer aquela classificação.
   Passando pelos séculos 18, 19 e chegando-se ao 20, podemos detectar diversas alusões aos medicamentos em vários textos, como  instrumentos efetivos - quando utilizados na posologia prevista – para a manutenção, promoção, preservação e correção de nosso estado de saúde. Naquele século 20, ainda próximo, surgiram a maioria dos medicamentos utilizados na medicina contemporânea, iniciando-se pelo uso do ácido acetil salicílico (AAS), medicamento que surgiu ao apagar das luzes do século 19 (1989) e tornou-se um dos mais famosos acetatos terapeuticamente uteis. Afinal, naqueles tempos se acetilava tudo que fosse acetilável, pois era uma transformação química banal, pela facilidade de se terem derivados do vinagre. Nasceu e cresceu o AAS e mesmo sendo um fármaco centenário, adquiriu indicações modernas, diversas das originais de mero analgésico, antitérmico.
        
   Já escrevi neste blog sobre os “acetatos famosos”, ressaltando o AAS como uma molécula “Nobelista”, pois a elucidação de seu mecanismo farmacológico de ação, ocorrida várias décadas depois,  contribuiu para  o prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia em 1982, a três pesquisadores: John R. Vane (UK), Bengt I. Samuelsson e Sune K. Bergström (SE).
    Ao finalizar, cabe uma reflexão: tivesse sido hoje sua descoberta, o AAS, possivelmente, nunca teria se tornado um medicamento, pois sem o mecanismo de ação conhecido, nenhuma empresa farmacêutica se interessaria.
    Se tivesse sido assim, teríamos tido menos três Nobelistas ...?
     Feliz Páscoa!
     Obrigado por lerem!!!