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domingo, 27 de março de 2016

Sobre o processo metodologicamente correto e apropriado para a descoberta e invenção de novos fármacos.

     Nas últimas três décadas observou-se uma autêntica revolução no processo de descoberta/invenção de novos fármacos. Este complexo processo tem profunda base científica, com destaque para duas disciplinas principais: química medicinal e farmacologia. Ambas tiveram significativa evolução, especialmente em termos de aperfeiçoarem e acelerarem este processo. A incorporação de técnicas automatizadas e robotizadas de screening, inclusive de coleções numerosas de substâncias denominadas quimiotecas, entre outros inúmeros avanços tecnológicos, contribuíram significativamente para o aprimoramento do processo de invenção, identificação e descoberta de pequenas moléculas candidatas a novos fármacos, aumentando a eficiência do processo.
     A compreensão da relevância de se determinarem, precocemente, as propriedades físico-químicas determinantes do perfil farmacocinético das substâncias de interesse, bem como seu eventual potencial toxicológico, relacionado à segurança do uso, reduziu significativamente os riscos de perdas tardias de compostos protótipos promissores. Diversas estratégias capazes de antecipar o perfil de absorção, distribuição, metabolização e eliminação (ADME) in vitro ou in silico das substâncias em estudo, foram incorporadas às estratégias de pesquisas de novas moléculas de interesse terapêutico.
    A química medicinal agregou numerosas técnicas modernas, como o desenho de candidatos a ligantes de alvos terapêuticos a partir de fragmentos moleculares. A sistematização de técnicas de desenho molecular também foi objeto de significativos avanços, como o surgimento do conceito de scaffold hopping, reinventando a aplicação de técnicas clássicas como o bioisosterismo.
  A utilização da química computacional e da modelagem molecular, favoreceu o surgimento de métodos mais sofisticados e eficazes de docking molecular que em muito beneficiaram a identificação de novos ligantes, inicialmente denominados compostos-hit e que graças às técnicas de desenho e modificação molecular da química medicinal, podem evoluir à condição de ligantes efetivos, identificados pelo emprego do binding. Estes ligantes, quando avaliados positivamente in vivo pelo emprego de modelos validados da doença, podem, afinal, ser considerados compostos-protótipos de novos fármacos. Quando bioensaios toxicológicos rigorosos e padronizados in vivo evidenciam a segurança para uso, o composto-protótipo pode ser classificado como tal, por ter cumprido as etapas de ensaios pré-clínicos e pode, em seguida, ser otimizado estruturalmente de forma a obterem-se o melhor perfil de propriedades farmacodinâmicas e farmacocinéticas para este novo quimiotipo, candidato a novo fármaco. Após os estudos da fase farmacêutica propriamente dita, quando se estabelecem as formulações ideais para emprego terapêutico desta nova entidade química como medicamento, sempre que possível por via oral, pode-se então pleitear autorização para os estudos das fases clínicas. Concluídas estas etapas, pode o novo medicamento ter autorização para uso clínico pelas agências sanitárias reguladoras.  
Neste intrincado processo de drug discovery, não se pode menosprezar seu processo de síntese ou preparação, que deve ser conduzido em boas práticas laboratoriais, sustentáveis, de maneira a assegurar sua completa reprodutibilidade e rastreabilidade, identificando e caracterizando, inclusive, eventuais impurezas provenientes da rota sintética empregada. Métodos analíticos quali- e quantitativos de monitoração da pureza do insumo farmacêutico ativo (IFA) produzido, devem ser concomitantemente desenvolvidos, com sensibilidade suficiente e sem interferências à detecção das eventuais impurezas, previamente identificadas. Os aspectos morfológicos do IFA também precisam ser igualmente padronizados e monitorados de forma a se detectar a eventual existência de polimorfismo nas substâncias sintéticas sólidas. As questões relativas à propriedade intelectual e patentiabilidade do novo fármaco, também são aspectos relevantes do processo e devem ser tratadas no momento mais oportuno.
     O cumprimento, adoção e respeito ao acima enunciado, que representa sumariamente o complexo processo de inovação farmacêutica, são cruciais e indispensáveis para que se cumpra de forma metodológica e cientificamente correta a descoberta e invenção de novo medicamento, para uso em qualquer indicação terapêutica com máxima segurança e eficácia, capaz de promover, manter e recuperar a saúde do paciente.
Obrigado por lerem.

sábado, 5 de março de 2016

Os elementos químicos e os fármacos: o boro

     Atingimos a quinquagésima primeira postagem e preciso fica evidente que temos que ter “uma boa ideia” para celebrá-la. Elegi o tema dos fármacos com átomos de boro. Digamos, compostos organoboro bioativos, pois não são muito numerosos, ao contrário e facilitam a tarefa. De fato, o boro não é um elemento muito assíduo nas moléculas dos fármacos, quiça por possuir propriedades particulares, devido à sua localização na tabela periódica. Não forma compostos com o B sendo um octeto de elétrons. Possui a ligação C-B polarizada, em virtude da diferença de polaridade entre os átomos de C (2,55) e B (2,05), produzindo os compostos organoboro estáveis, mas facilmente oxidáveis, com o átomo de boro sendo um sítio eletrofílico.
     Os fármacos, segundo inúmeros autores possuem, em geral, não mais do que 7 elementos presentes em suas moléculas: C - pois em esmagadora maioria são compostos orgânicos - H, O, N, S e com menor frequência Cl e F. O B foi embora desta lista desde sempre.
Preparando material bibliográfico para esta postagem, lembrei-me de um recente artigo (2015) publicado no Chemical Reviews da American Chemical Society, intitulado Recent Developments in the Chemistry and Biological Applications of Benzoxaboroles, de autoria de Agnieszka Adamczyk-Woźniak, Krzysztof M. Borys e Andrzej Sporzyński, da Faculdade de Química da Universidade Tecnológica de Varsóvia Polônia: Chem Rev 2015, 115, 5224. Foi um ótimo ponto de partida e devo dizer que li muito e, portanto, aprendi bastante.
     São muito poucos os fármacos já aprovados que contém B, sendo o melhor exemplo para ilustrá-los o bortezomibe (PS-341; VelcadeR), com indicação para o tratamento do mieloma múltiplo, atuando sobre proteosoma que modula o processo apoptótico, ativando-o. Este fármaco é um representante dos ácidos borônicos, funcionalizados e foi desenvolvido nos laboratórios de pesquisa da empresa biotecnológica MyoGenics/ProScript, em 1995, EUA. Esta empresa originou-se na Universidade de Harvard e posteriormente cedeu os direitos do composto para a Millenium Pharmaceuticals, que o lançou em 2008, após aprovação do FDA para esta indicação terapêutica. A base racional do seu desenho molecular indica que se origina de um dippetídeo N-protegido que pode ser representado como pirazinil-Phe-BLeu, derivando do ácido pirazinóico, fenilalanina e leucina, substituído por um radical ácido borônico ao invés do termino carboxílico, típico.
Inúmeros compostos organoboro, pertencentes às classes dos ácidos borônicos ou benzoxaborolícos estão sendo estudados, em vários laboratórios para eventual uso no tratamento de diversas doenças, como psoríase, diabetes, infecções bacterianas e virais, Chagas e malária
 

     Muito obrigado por lerem.