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terça-feira, 30 de junho de 2015

Sobre a importância da Química Medicinal na inovação em fármacos

Esta é nossa quadragésima quarta postagem e vou abordar este tema motivado, em parte, pela matéria da Agência FAPESP de 24 de junho de 2015 sobre a avaliação de diversos especialistas que participaram da “São Paulo School of Advanced on Neglected Diseases Drug Discovery – Focus on Kinetoplastids”, sobre como fortalecer a Química Medicinal no País.
É notório que a Química Medicinal é uma disciplina de caráter central no processo de inovação radical em fármacos. Seja qual for a perspectiva tratada, é inegável que sem a participação efetiva e ativa do Químico Medicinal não é possível inovar em fármacos. Refiro-me à inovação realmente inovadora, quando novas moléculas são desenhadas, racionalmente e planejadas para apresentarem propriedades terapêuticas originais sobre determinado(s) alvo(s) eleito(s). Entenda-se como propriedades terapêuticas originais, aquelas relacionadas ao reconhecimento molecular pelo alvo terapêutico, capaz de propiciar efeito terapêutico em concentrações aceitáveis, eficientes em termos de afinidade e segurança. Ao mesmo tempo, esta substância química - que em sua absoluta maioria é de natureza orgânica e tem peso molecular modesto, capaz de permitir sua classificação como “pequenas moléculas” - acumula propriedades farmacodinâmicas (PD) e  farmacocinéticas (PK) adequadas e suficientes para assegurar correta biodisponibilidade, para quando administrada por via oral. Este apropriado perfil de propriedades é considerado previamente pelo Químico Medicinal, desde o planejamento estrutural inicial. Inúmeros recursos tecnológicos podem servir a este propósito, reforçando e suportando teoricamente as premissas adotadas pelo Químico Medicinal quando de seu planejamento racional inicial. Estas técnicas assessórias, podem antecipar propriedades que são inerentes às estruturas químicas das substâncias e, portanto, previsíveis racionalmente. Inúmeros softwares foram desenvolvidos para auxiliarem na tomada de decisão precoce sobre go no-go de ligantes de um dado alvo terapêutico, seja ao nível das propriedades farmacodinâmicas e farmacocinéticas. Entretanto, é preciso lembrar que, em ambos os casos, são modelos e nada mais do que isso, com riscos próprios em apresentarem possíveis resultados falsos positivos ou negativos, que podem induzir a decisões equivocadas. Especialistas nestas técnicas podem minimizá-los, analisando criticamente os fatores de riscos dos resultados obtidos pela modelagem in silico, mas nunca os eliminando. Atualmente, entre nós, são numerosos os químicos orgânicos sintéticos capazes de empregarem de forma elegante e eficiente metodologias sofisticadas de síntese total, para praticamente quaisquer substâncias orgânicas, mesmo aquelas de elevada complexidade molecular, bioativas ou não. Desta forma, pode-se preparar em diversas escalas e com bons rendimentos químicos globais, todas moléculas necessárias para a descoberta de um bom composto-hit, em amplo espaço químico, candidato à otimização posterior pelo Químico Medicinal até tornar-se um composto protótipo de novos fármacos inovadores. No que tange aos bioensaios, estes podem ser realizados em vários níveis sejam in vitro ou/e in vivo, empregando-se modelos de células e ensaios fenotípicos, comprovadamente relacionados à patologia a ser tratada. Exatamente estes são os propósitos do Laboratório de Avaliação e Síntese de Substâncias Bioativas (LASSBio) do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade Federal do Rio de Janeiro que há 21 anos iniciou esforços no sentido de constituir-se num polo de capacitação e qualificação de pessoal em Química Medicinal. Nesta trajetória ca. 100 pós-graduandos foram formados como mestres ou doutores desenvolvendo projetos de pesquisas voltados para a descoberta de novos candidatos a fármacos. Inúmeros egressos do LASSBio, abraçaram esta opção profissional sendo hoje docentes e pesquisadores em IES no Brasil afora e também no exterior.

Atualmente o LASSBio conta com uma quimioteca de 1946 substâncias inéditas, bioativas, que representam um enorme patrimônio intelectual. Ademais, não é por nenhuma outra razão que o LASSBio, tendo se incluído no panorama internacional e um centro de pesquisa produtivo em Química Medicinal, é a Sede do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Fármacos e Medicamentos (INCT-INOFAR), uma autêntica rede nacional de pesquisas para a inovação em fármacos.

Pelo exposto, podemos concluir, constatando que temos a devida competência científica na academia nos diversos ambientes da cadeia de inovação radical de fármacos, faltando-nos maior determinação do setor empresarial em internalizar as conquistas tecnológicas já feitas. Que não poucas! Carecemos de Químicos Medicinais propriamente ditos em termos quantitativos, para podermos vir a responder, afirmativamente, ao desafio de tornarmo-nos um autêntico player neste importante segmento do complexo industrial da saúde, haja visto que existe apenas um programa de pós-graduação congregando a Farmacologia e a Química Medicinal, disciplinas imprescindíveis à inovação em fármacos, no Brasil, o PPGFQM do ICB da UFRJ, surgido em 2006 e atualmente com conceito 5 na CAPES.
Numa leitura recente de artigo publicado em prestigiosa revista científica internacional da área, os autores indagavam como formar-se um químico medicinal? Nós no Brasil devemos sabê-lo bem, pois recentemente, pelo que soube, foi criado um curso de graduação em Química Medicinal! Pode? Sim, claro que pode...
 
Obrigado por ler.