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sábado, 26 de novembro de 2011

A Linha do Tempo da Química Medicinal: assim nascem os fármacos (IV)







Nesta etapa da Linha do Tempo da Química Medicinal: assim nascem os fármacos atingimos a década de 50, a partir de quando surgiram inúmeras inovações terapêuticas significativas, resultado dos avanços importantes observados em várias disciplinas relacionadas à Química ou à Biologia.



Nos idos dos anos de 1954, um químico pós-graduado na Polônia que por trabalhar nos laboratórios de pesquisa da Hoffmann-LaRoche, em Basel, na Suiça, conseguiu fugir da perseguição na Europa, indo para os laboratórios da empresa nos EUA, em New Jersey, descobre o clordiazepóxido, que vem a ser o primeiro fármaco benzodiazêpinico, denominado LibriumR. Ao chegar aos laboratórios americanos da Hoffmann-LaRoche, em Nutley, Leo H. Sternbach decide re-investigar compostos tricíclicos que havia sintetizado como corantes na Universidade da Cracovia, durante seu pós-doutorado. Nestes novos estudos, obtém um novo padrão molecular, inesperado, que evidenciou antigo erro de caracterização estrutural para produtos de condensação entre o sistema benzeptoxidiazina com aminas secundárias. As estruturas dos produtos inéditos desta condensação, foram caracterizadas e evidenciaram um novo padrão de derivados quinazolina-3-óxido, função orgânica até então, mais ou menos rara, para a época. Foram obtidos 40 novos derivados que, em seguida, foram bioensaiados pelo Dr Lowell O. Randall, no laboratório do Departamento de Farmacologia da empresa e não apresentaram as propriedades anti-convulsivantes e sedativas buscadas. Um composto (R0 6-690) dentre aqueles sintetizados, ficou esquecido na bancada do laboratório de química durante vários meses e um determinado dia , por ocasião de uma faxina, foi sugerido enviá-lo para testes biológicos. Poucos dias após, Randall comunica a Sternbach o atraente perfil tranquilizante do novo derivado testado, assemelhado à clorpromazina, sintetizada por Paul Charpentier dos laboratórios Rhône-Poulenc e investigada por Henri Laborit, em 1951. O novo derivado de Sternbach mostrava-se extremamente ativo a nível do SNC como tranquilizante desprovido de efeitos tóxicos. Estes resultados estimularam os estudos com este derivado que veio a ser patenteado em maio de 1958, e lançado com o nome fantasia de LibriumR em 1961, sendo o primeiro hipno-tranquilizante da classe dos benzodiazepínicos, com dezenas de representantes atualmente. Nos laboratórios de Sternbach foram descobertos muitos outros benzodiazêpinicos como o diazepam (ValiumR), em 1963, um autêntico campeão de vendas que rendeu várias centenas de milhões de US dólares a Hoffmann-LaRoche.

Após a enorme contribuição da Química de Produtos Naturais nos primórdios da Química Medicinal, observam-se significativos avanços na Farmacologia, que evidenciaram o provável papel da serotonina na fisiopatologia do processo inflamatório agudo. Nesta época, o Dr T. Y. Shen, nascido na China, em 1924, trabalhava na Universidade de Virginia, onde ingressou como pós-doutor e acabou sendo docente na cátedra Alfred Burger de Química Medicinal, observou que ácidos 3-indolilacéticos sintéticos, com que trabalhava à época, poderiam, devido às propriedades químicas antagônicas à 5-hidroxitriptamina, substância da classe das 3-indoliletilaminas, hidroxilada em C-5 (serotonina), apresentar efeitos anti-serotoninérgicos, eventualmente úteis no controle do processo inflamatório. A partir desta hipótese foram preparados cerca de 350 derivados indólicos desta classe que foram bioensaiados, destacando-se o composto MK-665, desenvolvido nos laboratórios de pesquisa da Merck Sharp & Dohme (MSD) em Rahway, New Jersey, EUA, e que veio a ser denominado posteriormente de indometacina e lançado como anti-inflamatório em 1962. Este importante fármaco abre a classe dos antiinflamatórios não-esteróides (AINES) e origina uma série de outros fármacos me-too inspirados neste ácido 3-indolilacético, representados pelos ácidos heteroaril acéticos e alfa-metilacéticos (profenos) além dos oxicams, cujo composto-líder foi o piroxicam (FeldeneR) descoberto, posteriormente, por Joseph Lombardino, da Pfizer, e que vieram a compor a classe dos medicamentos anti-inflamatórios considerados AINEs de primeira geração. O Prof. Shen foi o primeiro ganhador do prêmio de Medicinal Chemistry Award, instituído pela Divisão de Química Medicinal da Sociedade Americana de Química e pela Glaxo Smith Kline (GSK), em 1978, pela significativa contribuição dada à Química Medicinal, representada pela descoberta da indometacina e do sulindaco, bioisóstero desenhado para contornar a biolabilidade metabólica da função amida, presente na indometacina e associada à formação de metabólitos pró-alucinogêncicos em alguns pacientes e uso contínuo.

Cabe registro que para bem avaliar as propriedades farmacológicas de seus derivados sintéticos, Shen teve a colaboração do Dr Charles A. Winter, farmacologista que criou e desenvolveu o ensaio do edema induzido na pata do rato por carragenina, no Merck Institute for Therapeutic Research (MSD), em 1961, que viabilizou a descoberta da indometacina. À época, os anti-inflamatórios não esteróides disponíveis, pertenciam à classe dos derivados fenilbutazolidinodiônicos (fenilbutazona e oxifenilbutazona), inventados em 1952, nos laboratórios da Geigy Company, na Suiça, e ácidos antranílicos funcionalizados (ácidos fenâmico, meclofênamico), inspirados no AAS, estudados e desenvolvidos na Parke-Davis, EUA, no período de 1955.

Na próxima parte, a quinta, desta Linha do Tempo da Química Medicinal: assim nascem os fármacos, trataremos das descobertas/invenções dos fármacos inovadores nascidos na década de 60, onde destacam-se os bloqueadores beta-adrenérgicos representados pelo propranolol.


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segunda-feira, 14 de novembro de 2011

A Linha do Tempo da Química Medicinal: assim nascem os fármacos (III)



A descoberta da penicilina promoveu o desenvolvimento da quimioterapia e inúmeros e diversos antibióticos se somam na composição do atual arsenal terapêutico. Além da diversidade química destas substâncias bioativas, em termos moleculares, vários são seus os mecanismos farmacológicos de ação. Ao lado dos antibióticos, outros fármacos são classificados como qumioterápicos e entre estes estão os fármacos oncológicos, onde se encontram os antibióticos anti-câncer, como as antraciclínas, e destacam-se a daunomicina (daunorubicina) descoberta nos laboratórios Farmitalia na cidade de Milão, Itália, por Aurelio Di Marco, em 1962, isolada do fungo Streptomyces peucetius e seu derivado 14-hidroxilado, adriamicina, que podem ser consideradas as moléculas pioneiras desta classe de agentes oncológicos.

Os fármacos anticâncer são diversos em termos moleculares e em mecanismos de ação, sendo que algumas classes terapêuticas como aquela das mustardas nitrogenadas, classificadas como anti-metabólitos, resultaram da aplicação de conceitos da Química Medicinal que permitiram a troca do átomo de enxofre de temidas armas químicas empregadas na primeira guerra mundial, por átomos de nitrogênio, levando aos cloridratos de halo-etilaminas, na primeira metade do século XX. Foram os trabalhos pioneiros de Louis Goodman, Alfred Gilman e colaboradores que permitiram a identificação das propriedades anticâncer desta classe de fármacos por volta da primeira metade do século XX.





A descoberta dos alcalóides da Vinca como agentes anticâncer resultaram dos estudos feitos com extratos de Catharanthus roseus (L.) para identificar as alegadas propriedades antidiabéticas desta planta, conhecidas pelos etnobotânicos. O isolamento de derivados indólicos diméricos, denominados vincristina e vinblastina, estruturalmente relacionados, diferenciando-se entre si pelo grau de oxidação de um grupo N-metila, que ganharam a indicação terapêutica para uso no tratamento de diferentes leucemias e linfomas. A importância da descoberta dos derivados da Vinca como fármacos anti-câncer reside também, na motivação que representaram para a criação de um extenso denado programa de pesquisas, nos anos 50, no National Cancer Institute (NCI) dos EUA, visando a identificação de propriedades antitumorais em extratos vegetais, coordenado por Jonathan Hartwell, químico orgânico que organizou a implantação e execução deste programa de pesquisas, a que o Departamento de Agricultura norte-americano se associou, viabilizando acesso a mais de 30000 extratos vegetais. Este programa resultou na criação do Cancer Chemotherapy National Service Center (CCNSC), em 1955, e foi responsável pela descoberta de diversos fármacos anti-câncer como os derivados semi-sintéticos oriundos da podofilotoxina, etoposido e tenoposido, além da identificação dos taxóides representados pelo paclitaxel (Taxol), da camptotecina que também inspirou série de fármacos análogos (e.g. tenotecam).





O paclitaxel (Taxol), tem uma estrutura química muito original que representou importante desafio científico para sua elucidação, por sua complexidade e originalidade. Combina em sua biossíntese isoprenóide, a incorporação de resíduo de aminoácido a-hidroxilado, fato raro em derivados terpênicos. Este desafio foi vencido por Monroe Wall e Mansuhk Wani, no Laboratório de Produtos Naturais do Research Triangle Park (RTT), na cidade de Chapell Hill, na Carolina do Norte, EUA, em 1971. O Taxol além de sua estrutura química original evidenciou um novo mecanismo de ação anti-tumoral conforme elucidado por Susan Horwitz, em 1978, no Departamento de Farmacologia Molecular do Albert Eisntein College of Medicine, Nova Iorque, EUA, bloqueando a depolimerização de microtubulos, importante etapa do processo de multiplicação celular. A reduzida abundância natural deste terpeno pentaciclíco, representou importante desafio aos químicos orgânicos sintéticos que descreveram sua síntese total nos anos 70. Kyriakos C. Nicolaou do Scripps Research Institute, Califórnia e Robert Holton da Universidade Estadual da Flórida, e colaboradores, descreveram duas sínteses totais, multi-etapas, para o Taxol. Um eminente pesquisador francês, Pierre Potier, do Institut de Chimie des Substances Naturelles, em Gif-sur-Yvette, coordenou importante projeto de pesquisas interinstitucional, que viabilizou a descoberta de novo taxóide anti-câncer, docetaxel (Taxotere) um derivado semi-sintético obtido como intermediário durante estudos da hemi-síntese do Taxol a partir de um derivado taxânico natural, vinte vezes mais abundante e estruturalmente mais simples que o Taxol, 10-desacetil baccatina-III (10-DAB), isolado de Taxus baccata. Estes estudos sintéticos que originaram o docetaxel, foram realizados na Université Joseph Fourrier, em Grenoble, pelo grupo de Andrew E. Greene e contou com a participação do Dr Jean-Noel Denis e alguns estudantes de pós-graduação brasileiros, à época, como Arlene G. Corrêa, que defendeu tese de doutoramento intitulada Synthèse de las chaînes latérales des composés anti-tumoraux taxol et taxotère (maio de 1991) e hoje é Professora Associada do Departamento de Química, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP.





Em dezembro de 1992, trinta anos após a amostra do extrato de Taxus brevifolia ter sido processada e mais de vinte anos após Wall e Wani terem descrito seus resultados sobre o isolamento e a elucidação estrutural do Taxol, a agência reguladora americana Food and Drug Administration aprova o uso do Taxol para o tratamento do câncer de ovário e mama solicitado pelo laboratório farmacêutico Bristol-Meyers & Squibb, na Europa o Taxotere também tem sua aprovação pelo EMEA, algum tempo depois, sendo ambos fármacos exemplos de sucesso de programas de pesquisa interinstitucionais de longo prazo como exige a inovação farmacêutica. Cabe registro, também, o exemplo que paclitaxel e captotecina nos deram quanto a descoberta de fármacos de origem natural mesmo considerando-se que o uso por via oral não é sempre viável, a originalidade estrutural reserva, ao menos nestes dois exemplos, novidades em termos de mecanismos farmacológicos de ação que estimulam o planejamento e a obtenção, por síntese ou hemi-síntese, de novos análogos mais eficazes, pela aplicação de princípios e estratégias da Química Medicinal.





Na próxima parte desta Linha do Tempo da Química Medicinal: assim nascem os fármacos, trataremos das descobertas/invenções de importantes fármacos dos anos 60, como o nascimento dos benzodiazepínicos e dos anti-inflamatórios não-esteróides, representados pelo clordiazepóxido e indometacina, respectivamente.




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